Acórdão nº 9441.17.3T8LSB.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 11-07-2019

Data de Julgamento11 Julho 2019
Número Acordão9441.17.3T8LSB.L1-2
Ano2019
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório

1. Carlos …… interpôs recurso de apelação do despacho saneador proferido na ação declarativa, sob a forma de processo comum, que intentou contra CM, GF, PG, JR, OA, JC, MS, IC, AS, SG, MC, JF e LM.
2. O Autor formulou o pedido de anulação de todas as deliberações tomadas na Assembleia-Geral de Condóminos do prédio sito na Rua ………, Monte da Caparica, realizada no dia 18.2.2017 e, subsidiariamente, que se julgue ineficaz a aprovação da despesa com a advogada e custos judiciais como custos comuns suportados pelo Autor.
Alega, em suma, que:
- Em fevereiro de 2017, foi convocado para a realização da Assembleia-Geral Ordinária de Condóminos, a realizar no dia 18.2.2017;
- Quando teve conhecimento do teor da ata da Assembleia-Geral, verificou que existem várias irregularidades;
- Na respetiva ata não está justificada a legitimidade das pessoas que intervieram como titulares das frações, não se sabendo quem representava, o que representava, se podia ou não votar e o valor do voto;
- A única informação que é possível retirar é a descrição dos nomes dos condóminos que consta da primeira página e uma assinatura no nome de quem supostamente esteve presente;
- No início da constituição da Assembleia- Geral, é declarado que estavam presentes 475 de permilagem, mas não indica os nomes dos proprietários presentes;
- O Réu JF, que exerceu a função de Presidente da mesa, assinou na qualidade de proprietário da sua fração (5.2 C), mas também no nome do 1.2 A (Réu CF);
- Também se constata que a mesma pessoa assinou no 5.2 A (Ré SG);
- Assinou também na qualidade de proprietário do 5.2 B (Réu MC);
- Não consta da ata qualquer referência a condóminos que estivessem representados, pelo que fica o Autor sem saber quem efetivamente se encontrava na Assembleia-Geral, quem tinha poderes de representação e qual o conteúdo dos eventuais poderes de representação;
- Não tendo sido feita referência a representação por procuração, presume-se que as mesmas não existem pois é feita referência à sua existência, e não vieram juntamente com a cópia da ata remetida ao Autor;
- Desta forma, não é possível apurar com o mínimo grau de certeza exigível que as deliberações tomadas na Assembleia-Geral de 18.2.2017 foram efetivamente aprovadas;
- No ponto 1. «Análise e aprovação das contas do exercício de 2016», consta que as contas apresentadas foram aprovadas por unanimidade;
- Na análise das contas do exercício de 2016, a administração levou a custos a serem suportados por todos os condóminos, incluindo o Autor, custo com advogada (1 451,40 €) e custos processos judiciais (306,00 €);
- É manifestamente abusivo o facto da administração de condomínio ter levado a votação e ter sido aprovado que as despesas de honorários de advogado e de taxas de justiça sejam custos para 2016 e sejam suportadas por todos os condóminos, incluindo o Autor;
- Acresce ainda, quanto ao Ponto 5. da Assembleia-Geral de 18.2.2017, que o Autor já comunicou e enviou prova da existência de seguro na fração que lhe pertence;
- Aliás, a questão do seguro é também pertinente, pois não se percebe também que, tendo o Autor seguro válido da fracção, lhe seja imputado o custo de quota-parte de seguro do condomínio.
A ação foi intentada nos Juízos Cíveis de Lisboa.
3. Os Réus contestaram, deduzindo as exceções da incompetência em razão do território e da litispendência e impugnando os factos bem como o valor da causa.
4. Foi declarada a incompetência do Juízo Local Cível de Lisboa em razão do território e determinada a remessa dos autos ao Juízo Local Cível de Almada.
5. O Autor foi convidado a responder à demais matéria de exceção, o que fez.
Juntou, após convite para o efeito, certidão predial do prédio e respetivas frações.
6. Foi convidado, posteriormente, a fazer intervir nos autos como Réus os condóminos que ainda não sejam parte na ação, o que declinou, pugnando pela legitimidade dos demandados.
7. Após, foi despacho saneador, do qual consta o seguinte:
«Concluo, destarte, que se impõe a demanda de todos os demais condóminos do prédio, que não sejam já parte do processo.
Tendo sido formulado convite ao autor nesse sentido, veio o mesmo decliná-lo, pugnando pela verificação da legitimidade com a demanda dos ora réus.
Assim, em conformidade com a posição assumida, resta ao Tribunal julgar verificada a ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário natural e, consequentemente, absolver os réus da instância – artigos 33º, n.º 2, 278º, n.º 1, alínea d), 576º, n.º 2, 577º, alínea e) e 578º do Código do Processo Civil.
* Por tudo o exposto, absolvo os réus da instância.
Custas pelo autor artigo 527º, n.º 1 do Código do Processo Civil.
Registe e notifique».
8. Não se conformando com o assim decidido, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«a) Apenas os Condóminos que votaram a deliberação que o Autor pretende anular têm interesse em contradizer o pedido formulado;
b) As deliberações em causa foram tomadas apenas com o voto dos condóminos que figuram como Réus na presente acção e ainda assim vinculam todos os condóminos, quer os se abstiveram, quer os que não estiveram presentes, quer os que votaram contra;
c) O n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil faz referência a "(...) os condóminos contra quem são propostas as acções (...)" sendo inequívoco que contempla a situação de que nem todos os têm necessariamente de constar como réus.
d) Defender que existe litisconsórcio necessário natural é desrespeitar a letra e o espírito do n.º 6 do artigo 1433.2 do Código Civil;
e) A decisão do Tribunal a quo faz tábua rasado n.º 6 do artigo 1433.2 do CC, agindo como se tal normativo não existisse.
f) O regime processual do condomínio contempla várias excepções ao regime geral processual civil, pois atribui ao administrador a representação judiciária dos condóminos;
g) A decisão do Tribunal a quo produzirá o seu efeito útil normal uma vez que figuram como réus todos os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações que se impugnam».
9. Os Réus não apresentaram alegações de resposta.
10. No dia 15.5.2019, foi proferido despacho de admissão do recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - Âmbito do recurso de apelação

Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), a questão a apreciar, essencialmente processual, é a de saber quem tem legitimidade passiva para a ação de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos.
*
III - Fundamentação

Fundamentação de facto

Para além do iter processual descrito no relatório, há que ter em consideração o facto consignado no despacho saneador recorrido:

- Resulta da certidão do registo predial junta aos autos que, além dos Réus e do Autor, são ainda condóminos do prédio sito na rua …………., Monte da Caparica, L………, S.A., pela inscrição da aquisição a seu favor da fração A pela apresentação n.º ……. de 18.1.2016; A ………. e E………, pela inscrição da aquisição a seu favor da fração G pela apresentação n.º ……. de 26.8.2013; J ………. e H…….., pela inscrição da aquisição a seu favor da fração H pela apresentação n.º ….. de 28.10.1998; M……. pela inscrição da aquisição a seu favor da fração L pela apresentação n.º …. de 11.12.2006; C……….., pela inscrição da aquisição a seu favor da fração O pela apresentação n.º …… de 8.9.1998; e J…… e B………., pela inscrição da aquisição a seu favor da fração U pela apresentação n.º …… de 14.11.2003.

Enquadramento jurídico

Da legitimidade passiva na impugnação de deliberações da assembleia de condóminos

1. O Recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida, sustentando que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos compete apenas aos condóminos que votaram favoravelmente as deliberações (artigo 1433.º, n.º 1, do Código Civil).
No despacho saneador recorrido, sustentou-se a tese de que a ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra todos os condóminos.
A problemática da legitimidade passiva na ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos tem dividido a jurisprudência dos tribunais superiores (aqui
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