Acórdão nº 9293/23.4T8PRT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 23-05-2024
Data de Julgamento | 23 Maio 2024 |
Número Acordão | 9293/23.4T8PRT-A.P1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Tribunal a quo – Juízo de Execução do Porto – J 7
Recorrente(s) – AA
Recorrido(a/s) – BB
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Sumário
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Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório:
Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
Apelante (embargante/executado): AA
Apelada (embargada/exequente): BB
O executado AA, por apenso à ação executiva contra si instaurada pela exequente BB, deduziu oposição à execução mediante embargos de executado, concluindo pela procedência da oposição e ´absolvição do executado da quantia exequenda.’
Fundamentou os embargos à execução na alegação de que um imóvel, que lhe foi adjudicado em processo de inventário – processo esse do qual resulta a existência da obrigação de pagamento da quantia exequenda de € 84.926,06 €, referente a tornas por si devidas à exequente, cujo pagamento a mesma pretende obter através da ação executiva instaurada –, encontra-se ocupado pela exequente e respetivos progenitores, recusando-se a mesma a entregar-lhe as chaves e a facultar-lhe o acesso ao imóvel, sendo que o executado pretende vender o imóvel para com o produto da venda, efetuar o pagamento das tornas, o que se encontra impossibilitado de fazer face à atuação da exequente.
Conclui que a atuação da exequente é ‘abusiva’, especialmente no que concerne à ‘cobrança de juros por um atraso no pagamento que apenas a ela (e seus pais) aproveitou.’
Os embargos deduzidos foram liminarmente indeferidos, por decisão de 23-10-2023 (Ref. 453094408), com fundamento na sua manifesta improcedência.
Inconformado, o embargante/executado, interpôs recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
1. Em primeiro lugar, quando o Tribunal fundou a sua decisão na circunstância de que a exigibilidade do pagamento da quantia exequenda não depender da disponibilidade financeira, não sopesou todas as questões de que deveria conhecer, ou seja, o executado funda a sua oposição na circunstância de que a exequente detém a posse e fruição exclusivas do imóvel cuja falta de pagamento levou à execução desde, pelo menos, 2015.
2. Em segundo lugar, o Tribunal considerou que o executado tem ao seu dispor a possibilidade de reagir e recuperar a posse do imóvel, cujo pagamento a exequente está a exigir. Contudo, o executado não veio aos autos requerer a entrega do seu imóvel, pelo que, a fundamentação do Tribunal não relação lógica com o sentido da decisão.
3. Em terceiro lugar, temos a questão central, ou seja, o Tribunal considerou que não é abusivo da exequente reter a fruição de um imóvel que não lhe pertence e, ao mesmo tempo, exigir coercivamente o seu pagamento. A rejeição com base na manifesta improcedência é uma solução que a lei permite a título excecional e que apenas deve ser utilizada quando a matéria apresentada como fundamento não é suscetível ser enquadrada legalmente. Dado que a exequente explora exclusivamente e contra a vontade do proprietário (ora executado) o imóvel dado à penhora, há pelo menos 8 anos, está a agir contra o direito de propriedade do próprio executado.
4. E, finalmente, a intenção da exequente torna-se ainda mais clara quando, se atentarmos na análise do título executivo, podemos verificar que a exequente apresentou proposta para adquirir o imóvel, mas a mesma foi recusada por fundamentos formais.
5. Pelo que, a matéria que em apreço, ainda que dúbia, é subsumível em abstrato, à figura do abuso do direito. E, como tal não deve ser excluída logo à cabeça. Devendo ser relegada para julgamento, a fim de ser aquilatado, em concreto, se há ou não efetivo exercício abusivo do direito (conforme previsto no artigo 334.º do Código Civil).
6. Até porque é a própria conduta da exequente que leva o executado a não conseguir pagar, pois para o executado poder pagar teria que apresentar o referido imóvel, livre de pessoas e bens, para efeitos do banco aceitar realizar uma hipoteca. O que não era possível pois, como vimos, a exequente manteve a exploração do imóvel, contra a vontade do executado, afetando-o à habitação dos seus próprios pais.
7. Em quarto lugar, o Tribunal veio a decidir que para a retenção poder relevar, teria que ser provada por documento. Por um lado, o emprego deste argumento, revela-se contraditório, quando comparado com o argumento anterior. Se a retenção não tem qualquer relevância em termos legais, porque razão haveria o Tribunal de considerar que não pode conferir valor à retenção do imóvel, porque tal factualidade não foi acompanhada de evidência documental?!
8. Por outro lado, os documentos podem ser apresentados até à audiência de discussão e julgamento e podem inclusivamente, resultar da defesa da exequente, por via da confissão.
9. Mais, considerando a natureza do título em apreço, cremos que se afigura impossível aplicar a exigência de documento no caso concreto. Até porque a confissão acaba por ficar inviabilizada, a partir do momento em que o Tribunal decide pela manifesta improcedência, pois, deste modo, nem sequer há lugar à resposta da exequente, onde esta teria que tomar posição sobre a factualidade alegada pelo executado.
10. Por outro lado, o título não resulta de processo comum de declaração, mas sim do inventário notarial. O que também afasta a exigência de documento em que o Tribunal fundou a sua decisão.
11. Em quinto lugar, o Tribunal fundou a sua decisão na circunstância de que foi o próprio executado quem atribuiu o valor ao imóvel, o que, convenhamos, é absolutamente estranho à apreciação do fundo dos embargos.
12. Em sexto lugar, temos a questão de que o título e o requerimento executivos, foram impugnados. Impugnação essa à qual o Tribunal não deu qualquer relevância ou sequer oportunidade de prova. Questão de que o Tribunal acabou por não conhecer. Incorrendo assim em nulidade que expressamente se invoca a fim de ser judicialmente declarada, com todas as legais consequências.
13. Em sétimo lugar, o título executivo foi substituído ou complementado após a apresentação do requerimento executivo. E o executado não foi notificado disso. Pelo que, deveria o Tribunal determinar a notificação do executado para, querendo, vir tomar posição e exercer o contraditório.
14. Ao não instruir o processo deste modo, o Tribunal a quo violou o princípio do contraditório. Ferindo o processo e a decisão proferida de nulidade que expressamente se invoca a fim de ser judicialmente declarada com todas as legais consequências.
Por despacho proferido em 30-11-2023 (Ref. 454559981), o tribunal a quo pronunciou-se no sentido da inexistência da arguida nulidade e admitiu o requerimento de interposição de recurso, com efeito suspensivo da decisão, nos termos do disposto no art. 647.º, n.º 3, al. c), do Cód. Proc. Civil, tendo sido devidamente ordenado o cumprimento do disposto no art. 641.º, n.º 7, do CPC.
Não foi apresentada resposta às alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II – Objeto do recurso:
São as conclusões das alegações de recurso que – exceto quanto a questões de conhecimento oficioso – delimitam o objeto e âmbito do recurso, nos termos do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil.
Assim, cumpre apreciar:
– Nulidade da decisão.
– Se existe erro na decisão de indeferimento liminar dos embargos de executado, por não estarem preenchidos os pressupostos do indeferimento liminar previstos no n.º 1 do art. 723.º do Cód. Proc. Civil.
III – Fundamentação:
De facto
É a seguinte a matéria de facto a considerar para a apreciação do recurso:
1. Em 18-05-2023 a exequente BB apresentou requerimento executivo instaurando execução sumária para pagamento de quantia certa, contra o executado AA, peticionando o pagamento coercivo da quantia de € 84.926,06, acrescida de juros de mora vencidos liquidados em € 4.858,24 e juros vincendos, indicando como título executivo ‘Certidão extraída de processo de inventário’, fazendo constar na exposição de factos:
«1. Exequente e Executado casaram a 28 de Julho de 2001, sem convenção antenupcial, pelo que sob o regime de comunhão de adquiridos.
2. Na pendência do casamento adquiriram bens, os quais integravam o património comum do dissolvido casal.
3. Por sentença proferida em 16 de Dezembro de 2014, no âmbito do processo judicial que correu termos na 3.ª Secção de Família e Menores da Instância Central de M Matosinhos (Juiz 4) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, já transitada em julgado, foi decretado o seu divórcio – conf. decorre do teor do documento que ora se junta como Doc. n.º 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Por decisão - já homologada judicialmente e transitada em julgado - proferida em 08 de Novembro de 2021 no âmbito do processo de inventário notarial que correu termos no Cartório Notarial de CC com o n.º ..., em função das adjudicações feitas ao Executado e à Exequente, foi determinado que aquele teria de pagar à Exequente a quantia de €84.926,06 (oitenta e quatro euros novecentos e vinte e seis euros e seis cêntimos), por ter recebido em excesso, pagamento esse que deveria ser feito após o trânsito em julgado da referida decisão.
5. No referido processo de inventário não foram reclamadas as tornas, que ainda não foram pagas.
6. Apesar de já interpelado, nomeadamente por carta registada datada de 15.11.2022, o Executado ainda não logrou efectuar o pagamento.
7. Sobre o valor das tornas em dívida, acrescem juros à taxa legal desde a data da decisão final até efectivo e integral pagamento, juros que, à presente data, ascendem à quantia de €4.858,24 (quatro mil oitocentos e cinquenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos).
8. Pelo que, na presente data, é o Executado devedor à Exequente da quantia de €89.784,30 (oitenta e nove mil setecentos e oitenta e quatro euros e trinta cêntimos), a que acrescerão os juros vincendos à...
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