Acórdão nº 925/18.7T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20-12-2018
Data de Julgamento | 20 Dezembro 2018 |
Número Acordão | 925/18.7T8STB.E1 |
Ano | 2018 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
BB – Unipessoal, Lda. instaurou a presente ação de despejo, na forma de processo comum, contra CC e DD, pedindo que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento que os réus celebraram com o anterior proprietário, e que estes sejam condenados à restituição imediata do locado e ao pagamento de uma indemnização correspondente ao valor mensal de renda por cada mês que ocuparem o locado após o momento em que o mesmo caducou e até à entrega efetiva.
Alegou a autora, em síntese, que adquiriu o imóvel descrito na Conservatória de Palmela sob o n.º …, onerado com o arrendamento em discussão, celebrado em 14.01.1977, cuja renda mensal era de € 30,70. Em 14.12.2012 foi remetida pelo anterior proprietário da fração ao réu marido uma carta transmitindo-lhe a intenção de transitar para o NRAU e a atualização da renda para o valor de € 173,00 mensais, tendo o réu respondido, por carta de 10.01.2013, opondo-se à transição para o NRAU, alegando nos termos e para os efeitos do artigo 31.º, n.º 4, al. b), e 5, 32.º, n.º 4, e 36.º, da Lei n.º 6/2006, que é portador de uma incapacidade e que tem a sua residência permanente no locado.
Alegou, por último, que em 08.02.2013, o anterior proprietário notificou o réu comunicando-lhe que o contrato havia transitado para o NRAU, passando a ter a duração de 5 anos, com fundamento em que o réu não alegou ter uma incapacidade superior a 60% nem comprovou qualquer incapacidade.
Os réus contestaram, contrapondo ser o réu detentor de uma incapacidade desde pelo menos o ano de 2003, razão pela qual recebe uma pensão de invalidez, sucedendo que à data dos factos, confrontado com o comprovativo do grau de invalidez, envidou todos os esforços para que a segurança social lhe facultasse o respetivo documento, o que não logrou obter, pelo que de imediato encetou diligências no sentido da obtenção de tal documento, tendo a médica de família requerido uma junta médica, cujo procedimento levou vários meses por motivos que não lhe são imputáveis.
Mais alegaram que o réu vive desde o ano de 2000 com incapacidade total e permanente, resultante de um AVC, e que não tinham conhecimento e alcance das novas regras de arrendamento, nomeadamente a relativa à comprovação do graus de invalidez, uma vez que sempre estiveram convencidos que o facto do réu marido receber uma pensão de invalidez e ser notório o seu estado físico, que isso se encontrava adquirido junto da segurança social.
Concluída a fase dos articulados, foi proferido despacho no qual se determinou a notificação das partes para dizerem se se opunham a que fosse proferido de imediato despacho saneador para conhecimento do mérito da causa, após se afirmar disporem os autos de todos os elementos para o efeito, e de se considerar desnecessária a designação de audiência prévia para discussão das questões de facto e de direito suscitadas pelas partes, por as mesmas se mostrarem suficientemente debatidas nos articulados, tendo as partes declarado nada ter a opor.
Foi então de seguida proferido despacho saneador/sentença, em cujo dispositivo se consignou:
«Em face do exposto, o Tribunal julga a presente ação procedente, por provada, e, em consequência, decide-se:
- declarar extinto o contrato de arrendamento em vigor entre as partes relativamente à fracção designada pela letra B, inscrita na matriz sob o artigo … e descrita na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob n.º …, e condenar os réus CC e DD a entregar a mesma à autora de imediato, livre de quaisquer pessoas e bens.
- condenar os réus no pagamento à autora indemnização em montante correspondente ao valor mensal estipulado para a renda desde a data do trânsito da presente decisão até integral e efectiva entrega. absolvendo-os do demais peticionado;
- condenar os réus no pagamento das custas do processo.»
Inconformados, os réus apelaram do assim decidido, tendo finalizado as alegações com trinta e nove prolixas e repetitivas conclusões, o que não satisfaz minimamente a enunciação sintética ou abreviada dos fundamentos do recurso, tal como exige o disposto no artigo 639º, nº 1, do CPC, e, por isso, não serão aqui transcritas.
Das mesmas conclusões resulta que as questões a decidir se prendem com a alegada nulidade da sentença, a invocação atempada da situação de invalidez do réu marido e o poder-dever do Tribunal a quo solicitar oficiosamente à Segurança Social comprovativo da incapacidade do réu.
A autora contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões essenciais a decidir, como acima se deixou antever, consubstanciam-se em saber:
- se o saneador/sentença enferma de nulidade;
- se a oposição do réus à comunicação do anterior proprietário do locado de fazer transitar o contrato de arrendamento em causa para o NRAU, com a consequente atualização da renda, pode considerar-se efetuada nos termos legalmente previstos;
- se o Tribunal a quo devia ter ordenado a realização de diligências no sentido de apurar o concreto grau de invalidez do réu marido.
Como questão prévia importará, em primeiro lugar, decidir sobre a admissibilidade dos documentos que os recorrentes juntaram com as respetivas alegações.
III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Embora na decisão recorrida não se tenha feito uma descrição em separado dos factos provados, resulta da respetiva fundamentação que foram tidos em consideração os seguintes factos:
1 - A autora é proprietária da fração designada pela letra B inscrita na matriz sob o artigo … da freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, descrita na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o número …, correspondente ao rés-do-chão direito, para habitação, com acesso pelo n.º … da Rua … , em Pinhal Novo.
2 - Aquando da aquisição da fração, a mesma encontrava-se arrendada ao réu CC por contrato de arrendamento, celebrado em 14 de Janeiro de 1977, com o então proprietário Luiz Domingos Roque, sendo o valor da renda mensal de € 30,70 (trinta euros e setenta cêntimos).
3 - Por comunicação remetida em carta registada com aviso de receção em 14-12-2012, e recebida em 17-12-2012, o então proprietário da fração EE comunicou ao réu a sua intenção de proceder à transição do contrato de arrendamento em causa para o novo regime do arrendamento (NRAU), ao abrigo do disposto no artigo 30.º e seguintes da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14 de Agosto, com a indicação do valor do locado e envio da caderneta predial, tendo proposto que o contrato passasse a ser com prazo certo e a duração de 5 anos e o valor da renda de 2.076,00€ anuais (173€ mensais), nos termos do documento n.º 4, junto com a p.i..
4 - O réu respondeu, por comunicação em carta registada com aviso de receção datada de 10 de Janeiro de 2013, tendo alegado quanto à transição do contrato para o NRAU:
“1 - Transição do contrato para o Regime do NRAU - Oponho-me que o contrato de arrendamento em vigor seja submetido ao NRAU, devendo manter-se inalterado o regime que até agora lhe tem sido aplicado, o que faço nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4, alínea b) e n.º 5 do art.º 31º, n.º 4 do art.º 32. e art.º 36.º, todos da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto; para tanto, invoco e comprovo (Cfr. copia da declaração de rendimentos onde consta a pensão de invalidez que segue em anexo) que tenho uma incapacidade e tenho no locado a minha residência permanente; Mais informo que solicitei junto do Delegado medio o comprovativo de invalidez.”
5 - O réu juntou com a missiva o documento constante de fls. 13 vº, emitido pelo ISS, I.P. - Centro Nacional de Pensões, datado de 12.01.2012, que identifica o réu como beneficiário de uma pensão de invalidez e velhice no valor anual de 3.449,04 EUR.
6 – Por carta registada datada de 08-02-2013, e recebida em 11-02-2013, o então proprietário e senhorio, comunicou ao réu, além do mais, que o contrato tinha transitado para o NRAU passando a ter a duração de 5 anos com inicio em 1 de Fevereiro de 2013 e termo em 31 de Janeiro de 2018 dado que o réu não alegou ter uma incapacidade superior a 60%, não comprovou ter uma incapacidade superior a 60% e não comprovou que pediu qualquer documento a atestar que tinha uma incapacidade e superior a 60% (cfr. fls. 15-16).
7 - O réu respondeu através de carta registada com aviso de receção, datada de 18.02.2013, do seguinte teor:
«(…).
No seguimento das missivas anteriormente enviadas e da V. comunicação de 8 de Fevereiro de 2013, venho remeter o comprovativo em como foi solicitado junto do agrupamento de centros de saúde de Setúbal-Palmela junta médica para Avaliação de incapacidade conforme referido em comunicação anterior.
Mais informa que se encontra reformado por invalidez pela segurança social desde 2006, desconhecendo o grau de incapacidade, e como nunca foi necessário aferir tal incapacidade, não fo a mesma solicitada junto da entidade competente, só o fazendo neste momento.»
8 – Com a referida carta juntou o réu uma declaração datada de 14.02.2013, comprovativa de que o mesmo havia solicitado no Agrupamento de Centros de Saúde de Setúbal e Palmela uma junta médica para obtenção do atestado médico de Incapacidade multiusos, e que o mesmo aguardava a respetiva marcação (cfr. fls. 18).
9 - Por meio de carta registada com aviso de receção enviada em 26 de Junho de 2017 e recebida em 28-06-2017, a autora comunicou aos réus que, nos termos e para os efeitos do vertido no artigo 1097.° do Código Civil, que se opunha à renovação do contrato de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO