Acórdão nº 9209/19.2T8SNT.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-03-2023

Data de Julgamento23 Março 2023
Ano2023
Número Acordão9209/19.2T8SNT.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório

J.L.M.F., residente na …., veio instaurar contra C.A.C., residente ….., ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo seja a mesma julgada procedente por provada e, que, em consequência, seja a Ré condenada a reconhecer a anulação do casamento civil que celebrou com o pai do Autor, no dia 05.07.2017, na Conservatória do Registo Civil de…., conforme assento de casamento n.º …, do ano de 2017, com as legais consequências, designadamente, com o averbamento da anulação do casamento nos respetivos assentos de nascimento, bem como no respetivo assento de casamento.
A ré contestou, impugnou os factos alegados pelo autor e pediu a sua absolvição dos pedidos.
Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente por não provada a ação e absolveu a Ré de todos os pedidos.
A sentença fixou o seguinte quadro factual:
Factos Provados:
1) O autor é filho de L…. e de I….
2) O pai do autor faleceu aos 75 anos, no dia 23 de agosto de 2017, no estado de casado com a ré ….
3) A ré e o pai do autor casaram um com o outro em 5 de julho de 2017, perante a 2ª Ajudante de Conservador(a), na Conservatória do Registo Civil de …., tendo ficado consignado no respetivo assento a seguinte declaração: “Os nubentes declaram celebrar de livre vontade o seu casamento, perante a 2ª Ajudante.”.
4) À data do casamento, o pai do autor estava em condições de exercer livremente a sua vontade, que era casar com a ré.
5) O pai do autor compreendeu o sentido e alcance das declarações prestadas para formalização do casamento.
6) O pai do autor deslocou-se à Conservatória do Registo Civil de ….. de livre vontade, sabendo que ia e querendo casar.
7) O pai do autor e a ré viveram um com o outro cerca de 25 anos.
8) O autor e a sua irmã, M…., estavam de relações cortadas com L…., seu pai, e não foram ao funeral do mesmo.
9) Na data em que o casamento foi contraído, o pai do autor precisava de ajuda para comer, tomar banho, arranjar-se e vestir-se.
10) De 11 a 27 de abril de 2017 o pai do autor esteve internado no Serviço de Medicina IV do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, EPE.
11) Após esse período de internamento hospitalar, o pai do autor permaneceu em casa até entrar na Unidade de Cuidados Paliativos da Casa de Saúde de Idanha das Irmãs Hospitaleiras, em Belas, onde esteve a ser cuidado até ao seu falecimento.
Factos Não provados
a) Na data em que o casamento foi contraído o pai do autor sofria de doença de Alzheimer, encontrando-se em estado de demência avançada.
b) O primeiro registo dos sintomas ou sinais da referida doença surgiram em 29 de outubro de 2010, na consulta de Medicina III-B do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, EPE.
c) Na data desse casamento, o pai do autor estava incapaz de se lembrar de situações ocorridas poucos minutos antes.
d) Era incapaz de compreender ou utilizar a linguagem.
e) Dificilmente reconhecia amigos e família.
f) Era incapaz de reconhecer objetos que faziam parte do seu quotidiano.
g) Ficava, frequentes vezes, perturbado durante o dia e a noite.
h) Ficava frequentemente inquieto e, por vezes, agressivo.
i) Estava acamado e dependente de uma cadeira de rodas para deslocar-se, apresentando movimentos incontrolados.
j) Dependia física e emocionalmente da ré para tudo, sem prejuízo do facto provado da alínea 9).
k) Aproveitando a incapacidade do pai do autor, a ré conduziu-o, à força e contra a sua vontade, à Conservatória do Registo Civil de… para formalização do casamento.
l) Nessa ocasião era notória a demência do pai do autor.
m) Era intenção e vontade do pai do autor, desde há alguns anos, casar com a ré.
*
O Autor não se conformou com a decisão e dela recorreu, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“I. Não obstante a extensa fundamentação ou motivação da decisão sobre a matéria de facto, existem, com o devido respeito, que é muito, evidentes erros de julgamento, que não passam despercebidos.
II. Quanto aos factos julgados por provados, o Recorrente considera incorretamente julgados os seguintes factos: (…) 4) À data do casamento, o pai do autor estava em condições de exercer livremente a sua vontade, que era casar com a ré; 5) O pai do autor compreendeu o sentido e alcance das declarações prestadas para formalização do casamento; 6) O pai do autor deslocou-se à Conservatória do Registo Civil de …., de livre vontade, sabendo que ia e querendo casar.
III. Quanto à matéria de facto não provada, o Recorrente considera incorretamente julgados: a) Na data em que o casamento foi contraído o pai do autor sofria de doença de Alzheimer, encontrando-se em estado de demência avançada; b) O primeiro registo dos sintomas ou sinais da referida doença surgiram em 29 de Outubro de 2010, na consulta de Medicina III-B do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, EPE; c) Na data desse casamento, o pai do autor estava incapaz de se lembrar de situações ocorridas poucos minutos antes; d) Era incapaz de compreender ou utilizar a linguagem; e) Dificilmente reconhecia amigos e família; (…); i) Estava acamado e dependente de uma cadeira de rodas para deslocar-se, apresentando movimentos incontrolados; j) Dependia física e emocionalmente da ré para tudo; k) Aproveitando a incapacidade do pai do autor, a ré conduziu-o, à força e contra a sua vontade, à Conservatória do Registo Civil de … para formalização do casamento; l) Nessa ocasião era notória a demência do pai do autor.
IV. De acordo com o princípio da aquisição processual, ínsito no artigo 413.º, do CPC, o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, i. é, o juiz deve tomar posição sobre a globalidade da prova produzida.
V. A valoração das provas pelo juiz deve […] ser feita de forma livre e segundo a sua prudente convicção, ou seja, sem estar condicionada por critérios legais preestabelecidos ou uma escala de hierarquização ou vinculação, devendo, contudo, entender-se a decisão judicial como um “raciocínio justificativo mediante o qual o juiz mostra que a decisão se funda em bases racionais idóneas para a tornarem aceitável”.
VI. A convicção do juiz não poderá ter por base critérios arbitrários, irracionais ou ilógicos, exigindo-se precisamente que os mesmos sejam racionais, lógicos, objetivos e assentes nas regras de experiência, de modo a que possam ser explicitáveis e compreensíveis (para o próprio julgador e para terceiros) através da fundamentação da decisão.
VII. [S]e o julgador é, em regra, livre de formar a sua convicção com base em qualquer das provas produzidas (pode basear-se no depoimento de uma testemunha em detrimento de depoimento de outra ou outras ou de um documento e vice-versa), tal liberdade tem como contrapartida o dever de fundamentação, obrigando o julgador a explicitar de forma racional, lógica, objetiva e assente nas regras da experiência, a razão pela qual se baseou em determinado meio de prova e, pelo contrário, considerou outro não credível.
VIII. [D]ecidir de forma arbitrária significa fazê-lo sem justificação, não seguindo princípios lógicos, regras ou normas.
IX. [I]nserindo-se a análise crítica da prova no âmbito da fundamentação de facto da decisão e visando a mesma explicitar as razões em que se baseou a decisão judicial, é evidente que esse objetivo nunca seria atingido se tal análise fosse feita de modo completamente injustificado e, consequentemente, impercetível e incompreensível para terceiros e, eventualmente até para o próprio juiz.
X. Ao contrário dos critérios arbitrários, já os argumentos assentes na racionalidade, lógica, objetividade e regras da experiência serão, à partida, facilmente apreensíveis por qualquer destinatário, na medida em que a razão é algo de comum a todos os seres humanos.
XI. De acordo com HELENA CABRITA, os critérios em que podem assentar os argumentos ou fundamentos sobre a credibilidade das provas são: (i) a razão da ciência: ou seja, o modo ou a fonte de onde adveio o conhecimento sobre os factos atestados (…); (ii) relações familiares, de amizade ou incompatibilidade, de dependência ou inexistentes: é inegável a importância que assumem as referidas relações, pois, como é sabido, um familiar, amigo chegado ou inimigo de uma das partes poderá mais facilmente ser tentado a faltar à verdade no intuito de beneficiar ou desfavorecer esta do que uma testemunha que não conhece nenhuma das partes, mas calhou a estar presente no momento em que os factos ocorreram (…); (iii) o modo de produção da prova ou de articulação da prova produzida entre si: a este propósito, pretendemos significar, como indicador de maior credibilidade, o facto de um depoimento ser prestado de forma coerente, escorreita e espontânea, em que a testemunha apresenta uma postura serena e é capaz de oferecer um depoimento rico em pormenores, com avanços e recuos, localizando-se, movimentando-se facilmente dentro da linha temporal dos acontecimentos (por contraposição a uma testemunha que apresenta evidente e manifesta animosidade para com uma das partes e que se limita a responder às questões colocadas por monossílabos, de forma hesitante ou incoerente). Outro elemento suscetível de relevar maior credibilidade consiste, sem dúvida, no facto de os diversos meios probatórios se articularem ou conjugarem entre si (pense-se, por hipótese, numa ação em que se discutem as consequências de uma ofensa à integridade física e em que a prova testemunhal, no que concerne ao modo de produção das lesões e características das mesmas, pode ou não compatibilizar-se com os documentos – elementos clínicos – junto aos autos); (iv) a conformidade com as regras da experiência e a normalidade do acontecer: aqui está em causa a verosimilhança ou congruência da versão apresentada ou que resulta de determinado meio de prova.
XII. Na sentença sub iudicio, uma parte
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