Acórdão nº 92/20.6BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 22-06-2023

Data de Julgamento22 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão92/20.6BCLSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I-RELATÓRIO

BANCO S…, SA, doravante abreviadamente designado por Impugnante, deduziu impugnação de decisão arbitral ao abrigo dos artigos 27.º e 28.º, nº1, alínea c), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, contra a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.º 766/2019-T, que julgou improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos períodos de 2013/01, 2013/02 e 2013/03, no valor global de €194.242,33.


***

O Impugnante termina a sua impugnação formulando as seguintes conclusões:

“ A. A presente impugnação da decisão arbitral proferida no n.º 766/2019-T é instaurada com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, ie., em omissão de pronúncia.

B. Com efeito, como devidamente especificado supra, a Impugnante, quer na petição inicial, quer nas suas alegações escritas, invocou e alicerçou ainda um outro fundamento, o de que o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA seriam, então, INCONSTITUCIONAIS caso se entendesse que aqueles artigos haviam transcrito as disposições da Sexta Directiva e que por causa deles a AT estaria legitimada, por Ofício, a regular o direito à dedução.

C. Em concreto, na petição inicial, a Impugnante convocou no artigo 177.º da petição inicial as seguintes decisões arbitrais, transcrito vários excertos (reproduzidos supra), sobre a questão suscitada: a Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 309/2017; a Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 312/2017; a Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 335/2018; a Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 581/2018.

D. Na PETIÇÃO INICIAL, no artigo 198.º, convocou a violação dos princípios constitucionais da separação de poderes (artigos 2.º e 111.º), da legalidade (artigo 112., n.º 5) e da reserva de lei (artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i), todos da Constituição da República Portuguesa (CRP). E. Já em sede de ALEGAÇÕES ESCRITAS, a Impugnante além de ter convocado os acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.º 309/2017, 312/2017, 335/2018, 581/2019, apelou ainda a outros acórdãos arbitrais que sobre a questão se pronunciaram: a decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 769/2019; a Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 854/2019 (tendo transcrito os excertos relevantes sobre a questão, como supra se transcreveu novamente).

F. Além disto, a Impugnante invocou de forma expressa a inconstitucionalidade do n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA na penúltima e última página das alegações escritas:

Com efeito, uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA permitem à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) é MATERIAL e FORMALMENTE INCONSTITUCIONAL por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP], o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n. 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da actuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP).

G. Pese embora a invocação expressa da inconstitucionalidade, nos termos acabados de referenciar, percorrida a decisão arbitral impugnada, constata-se que, quanto à mesma, nada foi referido na decisão arbitral aqui objecto de impugnação.

H. Em suma, perscrutada decisão arbitral, constata-se que o mesmo é completamente omissa quanto à questão da inconstitucionalidade suscitada pela Impugnante em momento processualmente adequado, e que, portanto, o Tribunal tinha, salvo o devido respeito, o poder-dever de conhecer.

I. Acresce que na decisão arbitral não foi relegado o conhecimento de qualquer outro fundamento invocado pela Impugnante por força do veredictum.

J. À luz da jurisprudência citada nesta impugnação, que aqui se reproduz, conclui a Impugnante que se verifica uma omissão de pronúncia sobre a questão da inconstitucionalidade suscitada.

K. No Acórdão do TCAS, de 15.09.2016, processo n.º 09210/15, foi ainda assinalado que:“O facto da questão ter sido suscitada nas alegações pré-sentenciais não obsta à pertinência e à consequente constituição do tribunal sindicado no dever de decidir a questão suscitada. É que a questão da inconstitucionalidade foi suscitada «durante o processo», tal como decorre do disposto nos artigos 280.º/1/b), da CRP e 70.º/1/b), da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com alterações posteriores”.

L. No caso sub judice, salvo o devido respeito, é assim por demais evidente que nos encontramos perante uma flagrante omissão de pronúncia.

M. Ora, resulta claro da leitura da decisão impugnada que o Tribunal Arbitral não se pronunciou quanto à questão que estava expressamente densificada no pedido arbitral e posteriormente nas respectivas alegações da Impugnante, como se transcreveu no Capítulo I, nem tão pouco a elencou nas questões decidendas.

N. Em especial, na petição inicial e nas respectivas alegações da Impugnante, o Tribunal Arbitral foi confrontado com a invocação expressa e clara da inconstitucionalidade formal e material dos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA.

O. E nem se diga que esta alegação é “tardia”, na medida em, primeiro, ela foi invocada na petição inicial e, segundo, apesar de a mesma ter sido densificada apenas nas alegações, é jurisprudência dos tribunais superiores (nomeadamente, do STA, processo n.º 0195/13 acima citado), as questões de inconstitucionalidade são de conhecimento obrigatório, desde que suscitadas antes da prolação da decisão pelo tribunal.

P. O Tribunal a quo na decisão arbitral impugnada (e pese embora se sinta a discordância com a jurisprudência do STA, como salientou o Presidente do Colectivo na declaração de voto) limita-se, apenas e só, a aderir à jurisprudência do STA, a qual não aborda (e nunca abordou em qualquer outro aresto!) a questão da inconstitucionalidade suscitada pela Impugnante nestes autos.

Q. Com efeito, ainda que se entenda que o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA habilitam à AT mitigar o pro rata, jamais os princípios constitucionais invocados pela Impugnante [princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República (165.º, n.º 1, alínea i) da CRP)] o admitem, como o princípio da legalidade (266.º, n.º 2, da CRP)

R. Ora, na decisão arbitral não se questionou, nem indagou sobre a inconstitucionalidade daqueles preceitos legais à luz daqueles princípios constitucionais, tendo-se ignorado – olimpicamente, diga-se – esta questão.

S. A relevância da apreciação da questão é também evidente (não se diga que a mesma consubstancia um mero argumento!). Até porque, como a Impugnante elencou na petição inicial e nas alegações escritas, estas precisas questões foram já apreciadas em outros acórdãos arbitrais (subscritos até pelo mesmo Árbitro que presidiu ao colectivo que subjaz a estes autos) e que lhe deram a relevância devida (julgando, pois, procedentes pedidos arbitrais com base na apreciação dessas questões).

T. Além do mais, não se pode deixar de salientar que ao não se ter pronunciado sobre a questão de inconstitucionalidade invocada, resultam infringidos os deveres de pronúncia do Tribunal Arbitral; frustando de forma inadmissível e intoleravelmente a tutela jurisdicional efectiva e o acesso aos tribunais, ambos com assento constitucional e intrínsecos à administração da justiça [cfr. n.º 2 do artigo 608.º do CPC, ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, n.º 1 do artigo 9.º da LGT, artigo 20.º e n.º 4 do artigo 268.º, ambos da CRP].

U. A questão omitida mostra-se manifestamente relevante para a boa decisão da causa (como o foi nos acórdãos arbitrais citados pela Impugnante), saindo coarctada, por conseguinte, a tutela jurisdicional efectiva e o acesso aos tribunais.

V. MAIS GRAVE AINDA: esta omissão de pronúncia (que era devida) pode vedar, por completo, o acesso da Impugnante ao Tribunal Constitucional e de aí obter, em decisivo, uma posição do órgão jurisdicional supremo em matéria de constitucionalidade. O que se afigura totalmente inadmissível num Estado de Direito.

W. Em conclusão, na esteira da jurisprudência do STA, é nula, por omissão de pronúncia, a decisão que não se pronuncie sobre questão de inconstitucionalidade, a qual, além de ser de conhecimento oficioso, foi inclusive suscitada pela Impugnante oportunamente– vide Acórdão do STA de 14-05-2014, supra mencionado.

X. Constatando-se, como se deve constatar, a omissão de pronúncia, deve este TCAS ordenar a nulidade da decisão arbitral, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 artigo 28.º do RJAT, com todas as consequências legais.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO...

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