Acórdão nº 919/10.0BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 25-06-2020
Data de Julgamento | 25 Junho 2020 |
Número Acordão | 919/10.0BELRS |
Ano | 2020 |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
I. RELATÓRIO
A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 27.09.2018, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por D….. e I…..(doravante Recorridos ou Impugnantes), que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), relativa ao ano de 2008.
O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:
“I – Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da sentenciada e portanto conduziriam a uma decisão diferente da adoptada pelo Tribunal ad quo. Como tal, somos levados a concluir pela existência resulta de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objecto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris.
II – Nos presentes autos está em causa uma liquidação de IRS, para o exercício de 2008, no montante de € 12.838,75, em que o Tribunal ad quo considerou que os impugnantes tinham comprovado a união de facto, em 2008.
III – A Fazenda não concorda com a posição da douta sentença do Tribunal ad quo porquanto a impugnante tinha entregue uma declaração de IRS, para o exercício de 2006, tedo declarado que era casada com T…... Se atendermos que a Mod. 3, para o exercício de 2006, é entregue em 2007, então, em 31/12/2008, não poderiam ter passado dois anos, requisito essencial para se considerar os impugnantes em união de facto e, consequentemente serem equiparados a casados e poderem usufruir da tributação conjunta.
IV – A questão decidenda é saber se os impugnantes provaram a sua união de facto em 2008, atendendo que não têm residência comum em 2007, 2008 e 2009, pois só em Setembro de 2009, a impugnante alterou a sua residência para a Rua….., residência do impugnante D…...
V – A Fazenda não concorda porque a alteração de residência é obrigatória e a sua não comunicação tem como cominação a ineficácia enquanto não for comunicada à AT, sendo que a ineficácia refere-se aos efeitos tributários, tal como Leite Campos et allii o mencionam nas anotações ao art.º 19.º da LGT, anotada e comentada, 4.ª Edição, 2012.
VI – Por outro lado, dos art.º 14.º do CIRS e art.º 1.º da Lei n.º 7/2001, ressalta que para se considerar em união de facto devem residir na mesma morada e assinar a Mod. 3 de IRS.
VII – Ora, os impugnantes tinham residência fiscal diferente, só tendo sido alterada a residência da impugnante para a mesma do impugnante, em 16/09/2009. Atente-se que na condição da residência ser comum para se considerar como unido de facto.
VIII – Mas, na douta sentença é mencionado que a alteração ou não de morada não tem efeito constitutivo mas sim, uma mera formalidade.
IX - Ora, pode não ser constitutivo de direitos mas, há uma obrigatoriedade declarativa, a qual foi violada pelo que, a inoponibilidade mencionada no art.º 19.º da LGT tem tão só como cominação a não aceitação da Mod. 3 enquanto a residência fiscal não for alterada.
X - Os efeitos declarativos se prendem com a certeza e segurança jurídica, dando conhecimento do acontecimento para que os seus efeitos se produzam.
XI - Ora, da leitura dos documentos emitidos pelo Registo Central de Contribuintes da AT, ressalta que o impugnante D….., entre 2000 e Janeiro de 2009, tinha o seu domicílio na Rua ….. (cfr. al. J) do probatório) e que a impugnante I….., em Setembro de 2009, tinha o seu domicílio na Rua ….. (cfr. al. L) do probatório). Assim sendo, constata-se que ambos os impugnantes não tinham o mesmo domicílio.
XII - Mas, em 06/01/2009, o impugnante D….. alterou o seu domicílio para a Rua ….. (cfr. al. K) do probatório) e que, em 16/09/2009, a impugnante I….. alterou o seu domicílio para a Rua ….. (cfr. al. M) do probatório).
XIII - Ora, em face de não haver coincidência entre os domicílios, a AT não poderia considerar a declaração Mod. 3 de 2008, a qual foi entregue até Abril de 2009, como unidos de facto.
XIV - Por outro lado, resulta do probatorio, al. N), que a impugnante I….. apresentou a Mod. 3 de IRS, para o exercício de 2006, como casada com o sujeito passivo com o NIF…...
XV - Atente-se no facto da Mod. 3 de IRS, para o exercício de 2006 ser entregue em 2007 ou até Abril, para a Cat. A, ou até Maio para a Cat. B ou F, de IRS.
XVI - O que reforça, ainda mais, que em 2008, não poderia ter-se completado o prazo de 2 anos de união de facto.
XVII - Assim, não restava outra alternativa à AT de proceder como efectivamente procedeu, em cumprimento o princípio da legalidade, não considerando a tributação conjunta dos impugnantes.
XVIII - Por outro lado, não foi contestado pelos impugnantes que a mudança de domicílio fiscal por parte da impugnante I….. apenas foi feita em 16/09/2009, isto é, no ano seguinte ao exercício aqui em causa.
XIX - Porém, mesmo que se considere apenas a lei civil, não nos parece que a situação estabelecida possa conduzir ao resultado pedido e, isto porque, se encontra documentalmente demonstrado que a impugnante, I….., na sua declaração de IRS para o exercício de 2006 como casada com T….., não tendo sido este facto contestado, pelo que se deve ter como pacificamente demonstrado, o que compromete de uma forma evidente a pretensão apresentada uma vez que o minino de dois anos igualmente na lei civil nunca poderá ser atingido em 2008.
XX - Por fim, quanto ao mencionado na prova testemunhal, a mesma não contribuiu para sustentar o pedido, pois os elementos trazidos aos autos foram no sentido de ainda não ter decorrido o prazo de dois anos exigido pela lei para que se possa considerar união de facto.
XXI - A testemunha P….., amigo de longa data, afirmou que a impugnante ficou logo grávida quando começaram a andar juntos, e ter-se deslocado à Madeira pouco depois, em 2016. Mas quando confrontado com o facto de o primeiro filho de ambos, T….., ter nascido em 11/10/2007, não ofereceu uma explicação cabal para a discrepância entre datas.
XXII - Com respeito à testemunha M….., não foi possível retirar do seu depoimento qualquer elemento que ajudasse a estabelecer, com a certeza e rigor que se exige em termos temporais, o que aqui está em causa.
XXIII - Assim sendo, não se conseguiu provar que, apesar da impugnante, para o exercício de 2006, entregue em 2007, ter declarado como casada, em 2008, não poderiam ter passado dois anos de união de facto como a impugnante pretende.
XXIV - Nos termos expostos, deve o presente recurso proceder uma vez que a impugnante não provou o que alegou, recaindo sobre ela aquele ónus, pelo que a sentença proferida enferma de erro de julgamento sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo a mesma ser revogada”.
Os Recorridos apresentaram contra-alegações, nas quais concluíram nos seguintes termos:
“1. A AT imputa à sentença recorrida error juris, referindo, no artigo 23.º das suas alegações, que "(…) se encontra documentalmente demonstrado que a impugnante, I….., na sua declaração de IRS para o exercício de 2006 como casada com T….., não tendo sido este facto contestado, pelo que se deve ter como pacificamente demonstrado, o que compromete de uma forma evidente a pretensão apresentada uma vez que o minino de dois anos igualmente na lei civil nunca poderá ser atingido em 2008".
3. De acordo com o Tribunal a quo, “[t]endo em conta que, de acordo com as regras da experiência comum, uma gravidez de termo normal decorre entre 38 a 42 semanas. Tendo ainda presente a data de nascimento do primeiro filho dos Impugnante em 11/10/2007, podemos concluir que os Impugnantes começaram a viver na mesma casa em situação análoga à dos cônjuges, em união de facto em data que não é possível determinar mas que se situa entre Setembro e a primeira quinzena de Dezembro de 2006, mostrando-se assim, provado que, a 31/12/2008, viviam em união de facto, há mais de dois anos consecutivos, nos termos previstos no artigo 1.º n.º 1 da Lei n.º 7/2001.".
4. Por outro lado,...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO