Acórdão nº 9148/10.2YIPRT-C.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 11-07-2019

Data de Julgamento11 Julho 2019
Número Acordão9148/10.2YIPRT-C.L1-2
Ano2019
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:

I – RELATÓRIO

1 – No âmbito da acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, instaurada por GRANT THORNTON & ASSOCIADOS – SROC, LIMITADA, contra AUGUSTA – SOCIEDADE de CONSTRUÇÕES, S.A. e outros, a Autora apresentou, em 31/10/2016, requerimento com o seguinte teor:
“1. Conforme consta dos presentes autos, em 15 de Setembro de 2016, a Ré foi dissolvida e liquidada no âmbito do procedimento administrativo de dissolução e liquidação.
2. Conforme consta do documento que se anexa sob doc. n.º 1, a sociedade tem como accionistas:
J ....., com 39,46% do capital social (falecido)
M ....., com 13,65%, nif ………..
R ....., com 7,58 %, nif ……….
F ....., com 7,58 %, nif ……….
H ....., com 7,58 % (falecido)
3. Sendo que o principal acionista, entretanto falecido, é marido da segunda acionista e pai dos restantes accionistas.
4. Igualmente, conforme consta dos documentos junto aos autos designadamente as IES e os Balancetes, a sociedade detinha não só activos importantes como 2.688.292,58 €, em imóveis e, sobretudo, 10.449.815,94 €, em participações sociais em outras sociedades.
5. Sociedades que se encontram em funcionamento, designadamente a sociedade Montechoro – Empreendimentos de Investimento Turístico, S.A., entidade proprietária e exploradora do Hotel Montechoro em Albufeira, com faturação anual de 2.511.304,17 € e 224 funcionários (doc. n.º 2)
6. Participação social que foi transmitida aos sócios sem qualquer acto de liquidação que assegurasse o pagamento aos credores sociais da Ré sociedade.
7. Com a extinção da sociedade, deixa de existir a pessoa colectiva, perdendo a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta do preceituado nos artigos 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais.
8. Estas disposições normativas tratam de matérias conexas, todas elas derivadas da subsistência de relações jurídicas, depois de extinta a sociedade.
9. Ora, dispõe o art.º 162º do Código das Sociedades Comerciais que:
1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação.
10. Assim, no que diz respeito às acções pendentes em que a sociedade seja parte, as mesmas continuam (após a sua extinção), que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (sem que haja suspensão da instância, por não ser necessária a habilitação): são eles que passam a ser parte na acção, representados pelos liquidatários. E estes passam a ser considerados como representantes legais da generalidade dos sócios.
11. Ora, in casu, e nos termos do n.º 1 do art.º 151º do CSC, este papel cabe à Presidente do Conselho de Administração, M ....., nif ………. – aliás como decorre do requerimento da Ré, com a referência 6652338 de 4/03/2011.
12. Como resulta do n.º 1 do artigo 163.º “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”.
13. Significa isto que, extinta a sociedade comercial, pelo registo de encerramento da liquidação, as obrigações jurídicas que a vinculavam transitam para a esfera jurídica dos antigos sócios.
14. Portanto, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado.
15. Nestes termos, e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exa, se requer que V. Exa se digne a ordenar o prosseguimento da presente acção judicial contra os antigos accionistas da sociedade dissolvida e liquidada, nos termos dos artigos 162º e 163º do CSC, representados pela accionista M ....., nif ………, com última morada conhecida na Rua ……….. LISBOA”.
2 – Concluídos os autos, o Meritíssimo Juiz a quo proferiu, em 03/11/2016, o seguinte despacho:
“Verifico do teor da certidão da matrícula da Ré, junta aos autos, que a mesma foi encerrada, constatando-se o encerramento da liquidação (cfr. Inscrição nº 5 e 6, de 15-9- 2016).
Na referida data (15-9-2016), encontrava-se pendente, o presente processo.
A sociedade num processo comum de liquidação não pode deixar de liquidar todos os seus passivos. A ocultação de passivos e falsas declarações são crime.
Face ao exposto, notifique-se os accionistas da ré, Marília ....; Rosa …… e Fernando ……, para querendo, e no prazo de dez dias, se pronunciarem sobre o requerimento apresentado pela A., a fls. 511 e seguintes.
Notifique”.
3 – Cumprido o determinado, veio o notificado F ....., em 21/11/2016, referenciar, em súmula, o seguinte:
§ A A. alega que, conforme consta dos autos, a R. foi dissolvida e liquidada no âmbito de procedimento administrativo ;
§ Alegando, ainda, que, como supostamente consta do documento nº 1, a R. teria como accionistas J ....., M ....., H ....., e F ....., juntando como suposta prova do alegado um relatório de uma empresa Informa D & B , Lda. ;
§ Desconhece-se o valor legal probatório do relatório da sobredita empresa, o qual, lamentavelmente a A. também não indica, mas estamos certos que o mesmo é absolutamente insusceptível de provar o que quer que seja, em especial a qualidade de accionistas de uma sociedade anónima ;
§ muito embora as acções sejam coisas móveis corpóreas, as normas a atender em primeiro lugar, para a resolução da questão de saber como é que elas se transmitem, são as do Código dos Valores Mobiliários, em especial o artigo 101º, nºs 1 e 2 ;
§ No nosso ordenamento jurídico, a transmissão de acções ao portador, como é o caso, ocorre por efeito da transmissão dos respectivos títulos, conforme previsto especialmente pela lei para a transmissão das acções, ou seja ocorre legalmente quando o titular de uma acção a entrega a outrem o título representativo dessa acção ;
§ O enunciado relatório não é idóneo nem susceptível de provar quaisquer dos dados que indica, pelo que se impugna o mesmo ;
§ No caso concreto, estando em causa uma sociedade anónima, a qualidade de sócios não se encontra indicada na Conservatória do Registo Comercial, mas deve ser demonstrada pela posse dos respectivos títulos no momento da dissolução ;
§ Impugnando-se, igualmente, a indicada qualidade de sócio do ora Requerente ;
§ A Autora não junta qualquer processo de partilha, não indica qualquer processo de liquidação da R. ;
§ Limitando-se a ficcionar a identificação dos supostos accionistas da R. na altura da dissolução, a existência e a identificação do património da R. na altura da sua dissolução, a verificação de processos de inventário e de partilha e a atribuição de bens aos já ficcionados accionistas ;
§ Ademais, a indicada M ..... faleceu ;
§ O móbil da A. através do requerimento que ora se responde é tentar responsabilizar uma empresa que nada tem a ver com a R., em relação a valores cujo pagamento imputa a esta, mas fá-lo de uma forma manifestamente infundada, sem ser apoiada em qualquer critério legal, ou mesmo factual ;
§ Age em manifesta litigância de má fé, pelo que deve ser condenada a tal título, em multa e indemnização que indica.
Conclui, no sentido de indeferimento do requerido, devendo a Requerente/Autora ser condenada como litigante de má fé, em valor de indemnização não inferior a 2.000,00€ (acrescido de IVA) e em multa em valor a fixar mediante o prudente arbítrio do Tribunal.
4 – Em 06/12/2016, veio a Autora responder a tal alegação, mencionando, em resumo, que:
Ø Conforme consta dos autos, o último ano que a sociedade Ré prestou contas foi em 2008 ;
Ø Conforme consta da conta 51 do Balancete da Ré, elaborado pela Ré, a 31 de Dezembro de 2008, os titulares do capital são os indicados, onde o Requerente surge como accionista ;
Ø conforme consta do doc. n.º 8/4 junto com a Réplica, na Assembleia de Accionista, o ora Requerente, consta como accionista, e nessa qualidade deliberou e aprovou as decisões submetida à Assembleia ;
Ø de acordo com a cópia não certificada junta aos autos, a sociedade refere expressamente que a Natureza das acções é: nominativas ou ao portador…, sendo que o registo na contabilidade da sociedade dos titulares de capital, apenas ocorre com as acções nominativas ;
Ø evidenciando-se, ainda, que o Requerente não juntou o documento de conversão das referidas acções nominativas em acções ao portador, logo toda a dissertação jurídica realizada, é insuficiente ;
Ø e, no caso concreto, como houve liquidação administrativa, não houve qualquer acto formal de transmissão ;
Ø nega qualquer litigância de má fé, que antes imputa ao requerente.
Conclui, pugnando pelo prosseguimento dos autos contra os accionistas conforme requerido, e concomitantemente, devendo ser absolvida da requerida litigância de má-fé (requerimento consultado mediante acesso à plataforma citius).
5 – Após averiguação da veracidade de informações prestadas nos autos, em 27/02/2017, foi proferido o seguinte despacho:
“Os presentes autos prosseguirão para apuramento sobre o que terá sido recebido pelos accionistas e administradores, após a liquidação da sociedade Ré.
Apenas sobrevivem os accionistas Rosa .... e Fernando ……. Uma vez que apenas este último interveio nos autos, notifique-se o mesmo para juntar aos autos, cópia de habilitação de herdeiros de seus pais, ou, sendo o caso, informar de eventual renúncia à herança.
Notifique” (requerimento consultado mediante acesso à plataforma citius).
6 – Em resposta, o notificado Fernando ……., em 16/03/2017, veio esclarecer que “R .....s, F ..... e H ....., filhos de J ..... e de M………., efectivamente repudiaram às heranças destes”, juntando cópia dos repúdios (requerimento consultado mediante
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