Acórdão nº 9139/09.6TCLRS.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 15-05-2012
Data de Julgamento | 15 Maio 2012 |
Número Acordão | 9139/09.6TCLRS.L1-7 |
Ano | 2012 |
Órgão | Tribunal da Relação de Lisboa |
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1.
1.1. A… propôs em 24 de Novembro de 2009 acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra B..., pedindo que fosse decretado o divórcio e, em consequência, dissolvido o casamento que o une à ré.
Alegou, em síntese, o comportamento conflituoso e hostil da esposa bem como as suas constantes cedências na promoção da harmonia familiar; que nos anos de 1984, de 1995 /96 e, mais recentemente, em Janeiro de 2009, sofreu acidentes de trabalho e suportou lesões, que a ré encarou (em todas as situações) sempre com frieza e indiferença. Que a ré manipula os filhos do casal contra o pai. Que o ameaça de agressão e de morte. Além disso, que a hostilidade da ré levou à inexistência de qualquer relação com familiares. E, por fim, que o casal, vivendo na mesma casa, não partilha a mesa, nem a cama, e mora em andares separados dela, desde Fevereiro de 2008. A ré vem violando os deveres conjugais de assistência, cooperação, respeito e débito conjugal. Em suma, há uma absoluta impossibilidade de se vir a manter alguma vida em comum.
1.2. Realizou-se tentativa de conciliação dos cônjuges; que se frustrou.
A ré apresentou contestação. Disse, em suma, que os factos alegados pelo autor não são verdadeiros; que, portanto, não existe qualquer fundamento que lhe seja imputável, e com virtualidade de poder dissolver o casamento.
2. A instância declaratória desenvolveu-se.
Foi proferida sentença final, em 19 de Setembro de 2011; a qual julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido; constando nela, além do mais, os seguintes trechos:
« (…)
… face ao que ficou provado e na ausência de qualquer outro facto (cuja prova incumbia ao autor …), resta concluir que ficou por provar que a ré tenha praticado (por acção ou omissão) qualquer facto que consubstancie a violação de deveres conjugais, bem como, que ficou por provar a existência de factos que mostrem a ruptura definitiva do casamento.
Por outro lado, …, não se verifica a previsão dos artigos 1781º, alínea a), e 1782º, nº 1, do Código Civil, ou seja, a ocorrência de ruptura da vida em comum, própria do estado de casado (…) pelo período de tempo que a lei prevê: um ano consecutivo.
Na verdade, in casu, a separação de facto existente entre autor e ré verifica-se há menos de um ano consecutivo (…) atendendo à data relevante para o efeito: 24 de Novembro de 2009 (data de instauração desta acção …), pelo que, não se encontra preenchido o requisito exigido no citado preceito legal, não podendo, pois, a presente acção proceder com este fundamento.
(…) »
3.
3.1. O autor inconformou-se e interpôs recurso de apelação; permitindo, as suas alegações de recurso, formular estas sínteses conclusivas:
i. Entre apelante e apelada deixou de existir, faz algum tempo, uma união típica do casamento; ambos odeiam-se e ameaçam-se de morte com frequência;
ii. Há verdadeira ruptura da vida conjugal, em cuja base se encontra a falta de afecto recíproco, de respeito, de consideração, de solidariedade e de cooperação;
iii. Apelante e apelada não coabitam, não dormem na mesma cama, nem tomam as refeições juntos, pelo menos, desde 2009;
iv. O apelante tem vontade firme de se divorciar da apelada;
v. À data da prolação da sentença, havia decorrido mais de um ano sobre a data da separação do casal; logo, o tribunal “a quo” devia ter decretado o divórcio com base nessa separação, desde 2009;
vi. A violação dos deveres conjugais é inequívoca e irreversível;
vii. A ruptura da vida conjugal, que se mostra, é grave e constitui fundamento de divórcio (artigo 1781º, alíneas a) e d), do Código Civil);
viii. Em suma, a sentença apelada deve ser alterada e o divórcio decretado.
3.2. A ré respondeu; propugnando o acerto da sentença.
4. Delimitação do objecto do recurso.
Sempre vimos entendendo que o segmento dispositivo da sentença que seja desfavorável ao recorrente circunscreve o objecto do recurso; que depois aquele, ao alegar, ainda pode restringir (artigo 684º, nº 2, final, e nº 3, do Código de Processo Civil).
Na hipótese dos autos é intuitivo o assunto decidendo.
Trata-se de apurar, no quadro dos factos provados, se está enquadrado algum fundamento que permita o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges; e, em particular, o estabelecido no artigo 1781º, alínea a), do Código Civil.
Vejamos então.
II – Fundamentos
1. É a seguinte a matéria de facto que foi dada como provada pelo tribunal “a quo”:
i. A(…) e B(…) contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, um com o outro, no dia 21 de Maio de 1977 (doc fls. 24 a 25) – alínea a) matéria assente.
ii. Entre 1995 / 1996, o autor sofreu um acidente, tendo ficado ferido na perna – resposta ao quesito 1º da base instrutória.
iii. Em data não concretamente determinada do ano de 2009, o autor teve um acidente de trabalho – resposta ao quesito 6º da base instrutória.
iv. Nesta sequência, o autor sofreu de incapacidade profissional duran-te um período de tempo não concretamente determinado – resposta ao quesito 7º da base instrutória.
v. Desde data não concretamente determinada do ano de 2009, autor e ré não dormem na mesma cama, não tomam as refeições juntos e moram em an-dares separados da mesma casa – resposta ao quesito 13º da base instrutória.
2. O mérito do recurso.
2.1. Enquadramento preliminar.
Estamos em contexto de divórcio litigioso ou, na terminologia da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro,[1] de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges; cuja disciplina de direito material se contém, primordialmente e ao que mais aqui importa, nos artigos 1773º,...
I – Relatório
1.
1.1. A… propôs em 24 de Novembro de 2009 acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra B..., pedindo que fosse decretado o divórcio e, em consequência, dissolvido o casamento que o une à ré.
Alegou, em síntese, o comportamento conflituoso e hostil da esposa bem como as suas constantes cedências na promoção da harmonia familiar; que nos anos de 1984, de 1995 /96 e, mais recentemente, em Janeiro de 2009, sofreu acidentes de trabalho e suportou lesões, que a ré encarou (em todas as situações) sempre com frieza e indiferença. Que a ré manipula os filhos do casal contra o pai. Que o ameaça de agressão e de morte. Além disso, que a hostilidade da ré levou à inexistência de qualquer relação com familiares. E, por fim, que o casal, vivendo na mesma casa, não partilha a mesa, nem a cama, e mora em andares separados dela, desde Fevereiro de 2008. A ré vem violando os deveres conjugais de assistência, cooperação, respeito e débito conjugal. Em suma, há uma absoluta impossibilidade de se vir a manter alguma vida em comum.
1.2. Realizou-se tentativa de conciliação dos cônjuges; que se frustrou.
A ré apresentou contestação. Disse, em suma, que os factos alegados pelo autor não são verdadeiros; que, portanto, não existe qualquer fundamento que lhe seja imputável, e com virtualidade de poder dissolver o casamento.
2. A instância declaratória desenvolveu-se.
Foi proferida sentença final, em 19 de Setembro de 2011; a qual julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido; constando nela, além do mais, os seguintes trechos:
« (…)
… face ao que ficou provado e na ausência de qualquer outro facto (cuja prova incumbia ao autor …), resta concluir que ficou por provar que a ré tenha praticado (por acção ou omissão) qualquer facto que consubstancie a violação de deveres conjugais, bem como, que ficou por provar a existência de factos que mostrem a ruptura definitiva do casamento.
Por outro lado, …, não se verifica a previsão dos artigos 1781º, alínea a), e 1782º, nº 1, do Código Civil, ou seja, a ocorrência de ruptura da vida em comum, própria do estado de casado (…) pelo período de tempo que a lei prevê: um ano consecutivo.
Na verdade, in casu, a separação de facto existente entre autor e ré verifica-se há menos de um ano consecutivo (…) atendendo à data relevante para o efeito: 24 de Novembro de 2009 (data de instauração desta acção …), pelo que, não se encontra preenchido o requisito exigido no citado preceito legal, não podendo, pois, a presente acção proceder com este fundamento.
(…) »
3.
3.1. O autor inconformou-se e interpôs recurso de apelação; permitindo, as suas alegações de recurso, formular estas sínteses conclusivas:
i. Entre apelante e apelada deixou de existir, faz algum tempo, uma união típica do casamento; ambos odeiam-se e ameaçam-se de morte com frequência;
ii. Há verdadeira ruptura da vida conjugal, em cuja base se encontra a falta de afecto recíproco, de respeito, de consideração, de solidariedade e de cooperação;
iii. Apelante e apelada não coabitam, não dormem na mesma cama, nem tomam as refeições juntos, pelo menos, desde 2009;
iv. O apelante tem vontade firme de se divorciar da apelada;
v. À data da prolação da sentença, havia decorrido mais de um ano sobre a data da separação do casal; logo, o tribunal “a quo” devia ter decretado o divórcio com base nessa separação, desde 2009;
vi. A violação dos deveres conjugais é inequívoca e irreversível;
vii. A ruptura da vida conjugal, que se mostra, é grave e constitui fundamento de divórcio (artigo 1781º, alíneas a) e d), do Código Civil);
viii. Em suma, a sentença apelada deve ser alterada e o divórcio decretado.
3.2. A ré respondeu; propugnando o acerto da sentença.
4. Delimitação do objecto do recurso.
Sempre vimos entendendo que o segmento dispositivo da sentença que seja desfavorável ao recorrente circunscreve o objecto do recurso; que depois aquele, ao alegar, ainda pode restringir (artigo 684º, nº 2, final, e nº 3, do Código de Processo Civil).
Na hipótese dos autos é intuitivo o assunto decidendo.
Trata-se de apurar, no quadro dos factos provados, se está enquadrado algum fundamento que permita o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges; e, em particular, o estabelecido no artigo 1781º, alínea a), do Código Civil.
Vejamos então.
II – Fundamentos
1. É a seguinte a matéria de facto que foi dada como provada pelo tribunal “a quo”:
i. A(…) e B(…) contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, um com o outro, no dia 21 de Maio de 1977 (doc fls. 24 a 25) – alínea a) matéria assente.
ii. Entre 1995 / 1996, o autor sofreu um acidente, tendo ficado ferido na perna – resposta ao quesito 1º da base instrutória.
iii. Em data não concretamente determinada do ano de 2009, o autor teve um acidente de trabalho – resposta ao quesito 6º da base instrutória.
iv. Nesta sequência, o autor sofreu de incapacidade profissional duran-te um período de tempo não concretamente determinado – resposta ao quesito 7º da base instrutória.
v. Desde data não concretamente determinada do ano de 2009, autor e ré não dormem na mesma cama, não tomam as refeições juntos e moram em an-dares separados da mesma casa – resposta ao quesito 13º da base instrutória.
2. O mérito do recurso.
2.1. Enquadramento preliminar.
Estamos em contexto de divórcio litigioso ou, na terminologia da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro,[1] de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges; cuja disciplina de direito material se contém, primordialmente e ao que mais aqui importa, nos artigos 1773º,...
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