Acórdão nº 908/18.7T8PDL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 12-01-2021
Judgment Date | 12 January 2021 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA. |
Procedure Type | REVISTA |
Acordao Number | 908/18.7T8PDL.L1.S1 |
Court | Supremo Tribunal de Justiça |
Processo n. 908/18.7T8PDL.L1.S1
Recorrente: ZURICH – Companhia de Seguros de Vida S.A.
Recorridos: AA e Outros
I. RELATÓRIO
1. AA, BB, CC e DD, residentes em ..., ..., intentaram ação declarativa comum contra Zurich-Companhia de Seguros de Vida, SA, pedindo que esta fosse condenada a pagar ao Banco Santander Totta, SA o montante ainda em dívida e respetivos juros, referentes ao empréstimo contraído pelo 1º autor e pela mulher junto daquele banco, segurado pela ré, e que a ré não pagou, apesar de ter falecido a mulher que era segurada. Para tal alegam ser herdeiros de EE, a qual, juntamente com o seu marido, o 1º Autor, contratou com a Ré segurar o contrato de empréstimo da quantia de 240.000,00€. Porém, tendo aquela falecido, a Ré não fez o pagamento das quantias mutuadas ao Santander.
2. A ré contestou, alegando que à data do óbito há muito que o contrato de seguro se encontrava resolvido por falta de pagamento de prémio, e que, de qualquer forma, o sinistro nunca fora participado.
3. Foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido.
4. Os autores recorrem da sentença, impugnando alguns pontos da decisão da matéria de facto bem como a decisão da improcedência da ação. A ré contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.
5. O Tribunal da Relação de Lisboa, depois de alterar alguns pontos da matéria de facto, julgou nos seguintes termos:
“julga-se o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida que se substitui por esta, que condena a ré a pagar ao Banco Santander Totta, SA o montante ainda em dívida, à data da petição inicial, e respetivos juros de mora, referentes ao empréstimo contraído pelo 1º autor e pela mulher junto daquele banco (então Banif).”
6. Inconformada, a ré interpôs o presente recurso de revista em cujas alegações formulou as extensas conclusões que se transcrevem:
«1. Os Recorridos intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum contra a ora Recorrente, peticionando que esta fosse condenada a pagar ao Banco Santander Totta, S.A., o montante ainda em dívida, e respetivos juros, referentes ao empréstimo contraído pelo 1º Autor e pela falecida esposa, EE, junto da referida instituição bancária.
2. Para tal, alegam ser herdeiros de EE, a qual, juntamente com o seu marido, o 1º Autor, em 16/12/2013, contrataram com a Ré um contrato de seguro ramo vida, denominado “Solução Crédito Habitação ZVida II”, titulado pela apólice ..…12, no qual o Autor figurava como tomador do seguro e pessoa segura 1, EE como Pessoa Segura 2 e o então Banco Internacional do Funchal S.A. como beneficiário Irrevogável.
3. Nos termos do referido contrato, em caso de morte de uma das pessoas seguras a Recorrente obrigava-se – e caso não se verificasse nenhuma exclusão nos termos das condições gerais do contrato – a pagar ao beneficiário irrevogável o valor ainda por liquidar no âmbito do mútuo bancário celebrado entre o Autor e o beneficiário irrevogável até ao limite do capital seguro de € 226.433,00 (duzentos e vinte e seis mil, quatrocentos e trinta e três euros).
4. A Recorrente contestou, alegando, por um lado o total desconhecimento do sinistro uma vez que o mesmo nunca foi participado pelo Recorrido e que por esse motivo nunca foi feita a apreciação ao sinistro no que respeita a eventuais exclusões e, bem assim, que o contrato de seguro, à data do sinistro já se encontrava resolvido por falta de pagamento dos prémios de seguro.
5. Depois de realizado o julgamento, o tribunal de 1.ª instância julgou a ação improcedente, por não provada:
“Assim, e tendo o Autor e a sua falecida esposa deixado de pagar o prémio de seguro (obrigação também consagrada no artigo 202.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro), e tendo a segurado interpelando-os para tal, sob pena de resolução do contrato, bem como avisado o beneficiário irrevogável, teremos de concluir pela validade da resolução efetuado. Nem tem sentido a alegação do Autor que desconhecia tal resolução, uma vez que, após a comunicação remetida pela seguradora, deixou de pagar os prémios mensais do seguro, tendo estado mais de um ano sem efetuar qualquer pagamento a este título. Pelo exposto, e tendo a Ré provado ter observado todos os procedimentos legais junto do tomador de seguros, dando-lhe conta da falta de pagamento de prémio, e tendo interpelado o beneficiário irrevogável, terá a presente ação de ser julgada improcedente. Mesmo que assim não se entendesse, a presente ação sempre seria improcedente por o sinistro não ter sido participado à Ré, não lhe tendo sido entregue qualquer um dos documentos previstos na cláusula 29.º das condições gerais do contrato de seguro, a saber, certidão de nascimento da falecida, documento comprovativo do montante em dívida, certificado de óbito e relatório médico (aliás, nem na própria ação o Autor juntou tais documentos, com exceção da certidão de nascimento). Efetivamente, e conforme decorre do artigo 100º, n.1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, a verificação do sinistro deve ser comunicada ao segurador pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo beneficiário, no prazo fixado no contrato ou, na falta deste, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento, acrescentando o n.2 que na participação devem ser explicitadas as circunstâncias da verificação do sinistro, as eventuais causas da sua ocorrência e respetivas consequências. Aqui chegados, verificamos que, para além do contrato de seguro estar resolvido há mais de um ano aquando da ocorrência do sinistro, também o mesmo nunca foi comunicado à seguradora, impedindo-a de solicitar as informações que entendesse por relevantes, pelo que a presente ação está destinada ao fracasso”.
6. Inconformados com a sentença proferida, os autores apresentam recurso, tendo o Tribunal da Relação dado provimento ao mesmo, decidindo pela ineficácia da resolução contratual operada pela Recorrente uma vez que a mesma não fez prova quer do envio da carta quer da sua receção por parte do Autor.
7. Motivo pelo qual o contrato estava em vigor à data do sinistro.
8. Quanto à participação do mesmo, entendeu o Tribunal que a mesma foi válida, pelo que a Recorrente está obrigada ao pagamento do sinistro.
9. Concluindo: “Julga-se procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida que se substitui por esta que condena a Ré a pagar ao Banco Santander Totta S.A., o montante ainda em dívida à data da petição inicial e respetivos juros de mora, referentes ao empréstimo contraído pelo 1.º autor e pela mulher junto daquele banco (então Banif)”.
10. Ora, com o devido respeito, que é muito, a Recorrente não pode aceitar esta decisão porque a mesma resulta numa incorreta apreciação e aplicação aos factos, do disposto no contrato de seguro e nas suas condições gerais, do disposto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro e, bem assim, no Código Civil.
A. Do contrato de seguro e a sua resolução:
11. Conforme resulta provado, em 16.12.2013 o Recorrido e a mulher celebraram com a Recorrente um contrato de seguro Vida, denominado Solução Crédito Habitação ZVida II, titulado pela apólice …12, no qual o Autor figurava tomador do seguro e pessoa segura 1, a mulher como pessoa segura 2 e, como beneficiário irrevogável figurava o Banif – Banco Internacional do Funchal S.A, atualmente o Banco Santander Totta.
12. O contrato de seguro regula-se pelas condições gerais, especiais e particulares da apólice, não proibidas por lei, resultantes do mero consenso entre as partes, e pelo regime do contrato de seguro, com os limites nele indicados e os decorrentes da lei geral e, subsidiariamente, pelas disposições da lei comercial e da lei civil.
13. Como contrapartida pela transferência do risco, o Recorrido, enquanto tomador do contrato, obrigou-se ao pagamento do prémio de seguro, resultando provado que a partir de Janeiro de 2015 não mais pagou qualquer prémio,
14. Entendendo o Tribunal a quo, e ao contrário do defendido pela Recorrente e pelo tribunal de 1.ª instância, que esse pagamento foi imputado ao recibo de Janeiro de 2015, e não ao mais antigo de Dezembro de 2014.
15. Não obstante o alegado pela Recorrente quanto à imputação do recibo, entendeu o Tribunal a quo considerar ineficaz a resolução operada pela Ré através da carta remetida ao Autor em 30.12.2014 e ficcionou que o contrato estava válido à data do sinistro.
16. Condenando a Recorrente ao pagamento “ao Banco Santander Totta o montante ainda em dívida à data da petição inicial e respetivos juros de mora, referentes ao empréstimo contraído pelo 1.º autor e pela mulher junto daquele banco (então Banif)”.
17. Pelo que, aqui chegados, importa perceber, face a esta ficção assumida pelo Tribunal a quo de que o contrato estava em vigor à data do sinistro se, por um lado, houve efetiva comunicação do sinistro por parte do Recorrido e, por outro se a Recorrente, face ao estabelecido nas condições gerais do contrato e às leis gerais de direito está obrigada a assumir o sinistro e pagar ao beneficiário irrevogável um valor que não se mostra sequer alegado e muito menos liquidado.
18. Não obstante os Recorridos tenham impugnado os documentos e alegado que não tinham recebido as cartas, a verdade é que não alegaram a falsidade de documentos nos termos previstos no art. 444.º e seguintes do CPC.
19. Pelo que não pode o Tribunal a quo tecer considerações - que certamente condicionaram todo o seu entendimento sobre o processo sub judicie – sobre autenticidade dos documentos, chegando mesmo a equacionar a possibilidade de a Recorrente os ter redigido em data posterior!
20. Não tendo os Recorridos alegando esta falsidade, a Recorrente vê-se na situação de se ver coartada no seu direito do contraditório - previsto no artigo 448.º do CPC - quanto a este novo facto que lhe é imputado, pasme-se, não pela contraparte, mas sim pelo Tribunal a quo.
...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO