Acórdão nº 90/23.8PBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06-02-2024
Data de Julgamento | 06 Fevereiro 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 90/23.8PBGMR.G1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
I RELATÓRIO
1
No processo abreviado n.º 90/23.8PBGMR.G1, do Juízo Local Criminal ... – J ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., teve lugar a audiência de julgamento, durante a qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
a) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelos art.º 3º, n.º 1 e 2 do D. L. 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros); - - -
b) aplicar desde já o perdão, nos termos da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto, perdão esse de 120 dias de multa, no que resulta na pena de 20 (vinte) dias, à taxa de 6,00€ (seis euros), o que perfaz a quantia de 120,00 euros; - - -
2
Não se tendo conformado inteiramente com o decidido, o Ministério Público interpôs o presente recurso, formulando a seguintes conclusões:
1. Por sentença proferida no dia 11.09.2023 (fls. 57 a 61), foi o arguido AA, condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelos arts. 3.º n.ºs 1 e 2 do D.L. 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros).
2. Sucede que, ao abrigo da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, veio o tribunal a quo aplicar, desde logo, um perdão de 120 (cento e vinte) dias de multa, no que resulta na pena de 20 (vinte) dias, à taxa de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 120,00 (cento e vinte euros).
3. Sucede que o perdão de penas previsto no art. 3.º n.º 2 al. a) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, apenas é aplicável às penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão, pelo que estão excluídas da aplicação do perdão aqui em causa as penas de multa aplicadas em medida superior a 120 dias de multa em substituição de penas de prisão.
4. Deste modo, nunca poderia o arguido AA beneficiar do perdão da pena que lhe foi aplicada, uma vez que foi condenado numa pena de multa superior a 120 (cento e vinte) dias, mais concretamente de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros)
5. Em conformidade com o supra exposto, foi violado o art. 3.º n.º 2 al. a) da Lei n.º 38- A/2023, de 2 de agosto.
NESTES TERMOS, e nos demais de direito aplicável, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, por conseguinte, revogar-se a decisão recorrida, por violação do art. 3.º n.º 2 al. a) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, fazendo V/Exas. inteira e sã JUSTIÇA!
3
O arguido respondeu ao recurso, propondo a sua improcedência, concluindo pelo seguinte modo:
1.º
O arguido, com a devida e justa vénia, discorda da fundamentação jurídica apresentada pelo Ministério Publico em sede de recurso.
2.º
De facto, somos do modesto entendimento, que a interpretação que o Ministério Público faz dos artigos em apreço da Lei n.º 38-A/2003 de 2 de Agosto não é conforme à constituição.
4.º
Contra a constituição e o seu artigo 13.º, n.º 1, a interpretação do Ministério aceita como constitucional a equiparação pura e dura de um perdão ou uma amnistia de 1 ano de prisão a um perdão ou a uma amnistia de 120 dias de multa (no fundo, as condenações por factos criminosos mais gravosos e com penas mais graves (365 dias de prisão) teriam um tratamento mais favorável que condutas menos graves, com penas menos graves (120 dias de multa).
5.º
Tal realidade, em quantidade e qualidade e de gravidade da pena, estabelece uma equiparação discriminatória, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional.
6.º
Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot) e é violado de forma expressa pela interpretação que o Ministério Público faz das normas em apreço.
7.º
Um ano de prisão é brutalmente superior a 120 dias de multa: a constituição não admite uma comparação direta, tendo de admitir, no mínimo, o desconto para efeito dos dias de multa como bem andou o Tribunal a quo.
8.º
Assim, só a interpretação feita pelo Tribunal a quo é conforme à constituição (ao admitir o desconto dos 120 dias legalmente fixados à pena de multa fixada que seja superior a esse limite), mormente, ao artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (aliás, o que o tribunal a quo tenta fazer é, precisamente, adotar uma interpretação minimamente conforme à constituição).
9.º
Nestes termos e nos mais de direito e sempre com o douto suprimento de VV. Exas. cumpre decretar a total improcedente do recurso em apreço.
4
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
5
Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nada foi dito pelo recorrente.
6
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
II FUNDAMENTAÇÃO
1
Objeto do recurso:
A
O perdão previsto no art.º. 3.º n.º 2 al. a) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, apenas é aplicável às penas de multa até 120 dias, a título principal ou em substituição de penas de prisão, ou é também aplicável a essas penas, ainda que superiores, devendo efetuar-se o pertinente desconto?
B
A interpretação proposta pelo recorrente em relação ao artigo 3.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 38-A/2003 de 2 de Agosto não é conforme à constituição, por violar, designadamente, o artigo 13.º, n.º 1, do diploma fundamental?
2
Decisão recorrida (excerto relevante):
Por sentença proferida no dia 11.09.2023 (fls. 57 a 61), foi o arguido AA, condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelos arts. 3.º n.ºs 1 e 2 do D.L. 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros).
Ao abrigo da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, o tribunal aplicou um perdão de 120 (cento e vinte) dias de multa, restando assim a pena de 20 (vinte) dias de multa, à taxa de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 120,00 (cento e vinte euros).
*
3 O direito.A
O que está primeiramente em causa nos presentes autos é decidir se o perdão previsto no art.º. 3.º n.º 2 al. a) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, apenas é aplicável às penas de multa até 120 dias, a título principal ou em substituição de penas de prisão, ou é também aplicável a essas penas, ainda que superiores, devendo efetuar-se o pertinente desconto.
Para o que aqui interessa, dispõe a Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, o seguinte:
Artigo 2.º
Âmbito
1 - Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º
2 - Estão igualmente abrangidas pela presente lei as:
a) Sanções acessórias relativas a contraordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5.º;
b) Sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º
Artigo 3.º
Perdão de penas
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.
2 - São ainda perdoadas:
a) As penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão;
b) A prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa;
c) A pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição; e
d) As demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.
3 - O perdão previsto no n.º 1 pode ter lugar sendo revogada a suspensão da execução da pena.
4 - Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única.
5 - O disposto no n.º 1 abrange a execução da pena em regime de permanência na habitação.
6 - O perdão previsto...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO