Acórdão nº 90/19.2T8LLE.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 10-05-2021
Data de Julgamento | 10 Maio 2021 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA. |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 90/19.2T8LLE.E1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Processo n.º 90/19.2T8LLE.E1.S1
Revista
Tribunal recorrido: Tribunal da Relação ….
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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):
I - RELATÓRIO
Imorolux - Sociedade Imobiliária, Lda. demandou, pelo Juízo Local Cível …. e em autos de ação declarativa com processo na forma comum, a Administração do Condomínio do Edifício “….” (sito na Avenida …), representada por Letraconcreta, Lda.
Pediu que fosse “ordenada pelo Tribunal a demolição da rampa de acesso à fração “E” e a reposição da escada que no local da mesma existia”.
Alegou para o efeito, em síntese, que é dona, entre outras, da fração desse edifício designada pela letra “B”.
Duas das quatro janelas dessa fração estão tapadas (emparedadas) por uma rampa de acesso de uso exclusivo á fração “E” (onde funciona o estabelecimento denominado “Clínica Internacional …..”), rampa essa que foi levantada na fachada do prédio em substituição de escadas que ali existiam e que davam acesso a essa fração “E”.
Com tal obra inovatória, que afeta a iluminação e a ventilação da fração da Autora, foi alterada a fachada do edifício.
Tal situação já ocorria quando comprou a dita fração, o que até achou estranho, mas nunca conjeturou a hipótese dessas janelas terem sido tapadas por uma alteração da fachada do edifício, ao arrepio e com violação da lei e do título constitutivo da propriedade horizontal.
Porém, posteriormente veio a tomar conhecimento que a eliminação das escadas e a construção da rampa foram realizadas abusivamente pela Administração do Condomínio, em violação do projeto de arquitetura do edifício.
Razão pela qual se impõe o decretamento dos efeitos que reclama na presente ação.
Contestou a Ré, concluindo pela improcedência da ação.
Disse, em síntese, que a obra em causa era indispensável e urgente, tendo sido executada para eliminar uma situação de perigo iminente decorrente de uma fissura no último degrau da escada ali existente, bem como para adaptar o local às exigências legais relativas ao acesso à fração “E” de pessoas com mobilidade reduzida.
Mais invocou a caducidade do direito de ação e o exercício abusivo do direito por parte da Autora.
Aquando da audiência prévia (fls. 95 e 96) esclareceu a Autora que, tal como constava da petição inicial, a ação visava demandar a Administração do Condomínio …, representada por Letraconcreta, Lda.
Na sequência, e em sede de despacho saneador, foi proferido despacho onde se disse que resultava inequívoco que a Autora pretendia demandar o Condomínio do prédio, representado pela sua administradora Letraconcreta, Lda. Mais se disse que se entendia que estava em causa um mero erro de identificação do réu, determinando-se a sua correção e passando a figurar como réu o “Condomínio …, representado pelo Administrador”. Disse-se ainda que, em consequência, não se verificava uma situação de ilegitimidade passiva.
Seguindo o processo seus devidos termos, veio, a final, a ser proferida sentença que condenou o Réu nos efeitos peticionados.
Justcare - Clínica Internacional ….., Lda., condómina da dita fração “E”, interpôs recurso contra o assim decidido.
Defendeu, além do mais, que a entidade que foi demandada, a Administradora do Condomínio, era parte ilegítima, sendo que era contra os demais condóminos que a ação devia ter sido dirigida.
Na Relação …. foi decidido que a ação, atentos os efeitos que com ela se pretendiam obter, havia de ter sido dirigida contra os diversos condóminos, de sorte que ocorria uma situação de incapacidade judiciária da entidade demandada.
Em consequência foi a sentença revogada e o Réu absolvido da instância.
É agora a vez da Autora, insatisfeita com o decidido, pedir revista.
Da respetiva alegação extrai as seguintes conclusões:
A) O acórdão recorrido alterou a decisão do Tribunal de 1ª Instância, tendo absolvido o Réu da instância, razão, pela qual, é admissível recurso de revista para esse Alto Tribunal, atento o disposto no n.º 1 do artigo 671º do C. P. Civil.
B) A primeira questão que se levanta é a de saber se o Tribunal da Relação podia ou não conhecer em sede de recurso da suscitada “ilegitimidade” passiva.
C) O Tribunal da Relação entendeu que sim, porquanto «não fora arguida ao longo do processo nem conhecida oficiosamente pelo tribunal a quo», tendo sido suscitada pela primeira vez em sede de recurso, «Já que antes apenas foi invocada a divergência na identificação do R. entre o formulário citius e a p.i., tendo o tribunal recorrido decidido que tal situação se reconduz a mero erro de identificação do R. e não a uma situação de ilegitimidade passiva, ordenando a rectificação e proferido despacho saneador genérico ou tabelar», razão, pela qual, defende não ter sido a questão da ilegitimidade passiva decidida nos autos por decisão transitada em julgado, «uma vez que o despacho saneador tabelar ou genérico quanto à verificação dos pressupostos processuais não constitui caso julgado formal em relação às questões concretamente apreciadas (n.º 3 do art.º 595.º do CPC).
D) Concordamos com o acórdão recorrido quando refere que «o tribunal de recurso pode “conhecer de questões novas, ou seja, não levantadas no tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado” e que essas questões podem referir-se “à relação processual (vg. a quase totalidade das exceções dilatórias, nos termos do art.º 495.º (atualmente art.º 578.º)”».
E) No caso em apreço, salvo o devido respeito por opinião contrária, o Tribunal “a quo” apreciou, concretamente, a questão da legitimidade das partes, no despacho saneador.
F) Em tal despacho saneador é referido expressamente que em sede de «Contestação, veio o Réu arguir a desconformidade entre o teor do formulário e o teor da petição inicial o que, no seu entender, poderia configurar uma situação de ilegitimidade passiva. (…) determina-se a sua correção, passando a figurar como Réu “Condomínio …. representado pelo Administrador” (Ac. TRL, de 19.01.2011, proc. 234/ 09.2TTLRS, disponível em www.dgsi.pt). Pelo que não se verifica uma situação de ilegitimidade passiva. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente patrocinadas. 4 Não existem quaisquer exceções dilatórias, nulidades ou outras questões prévias que cumpra neste momento conhecer, relegando-se para sede de sentença, após produção de prova, a apreciação da exceção de caducidade.»
G) Apesar da questão da ilegitimidade passiva ter sido suscitada, na sequência da “divergência na identificação do R. entre o formulário citius e a p.i.,” acabou por obrigar o Tribunal de 1ª Instância a apreciar a questão da legitimidade do Réu, razão, pela qual, o despacho saneador, quanto a tal questão, fez caso julgado formal, pelo que estava o Tribunal da Relação impedido de apreciar novamente a questão da legitimidade do Réu.
H) Mas ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá que a Ré é parte legitima na Acão. Vejamos:
I) É à Autora, quem cabe, por natureza, delimitar o objeto da Acão e o seu âmbito subjetivo.
J) Na Acão em apreço, a Autora, ora Recorrente, formulou o pedido de demolição da rampa existente e a reposição das escadas que no lugar da mesma existiam, contra o condomínio “.....”, representado pela administração do condomínio, conforme resultou provado no n.º 5 dos factos dados como provados,
K) Se como a Autora referiu na petição inicial e foi provado pela sentença recorrida, que quem construiu a rampa foi a administração do condomínio e com tal obra prejudicou a linha arquitetónica do prédio, alterando a fachada do mesmo – vide facto n.º 5) dos Factos Provados na sentença -, será evidente que, a Ré tem legitimidade passiva para a Acão em referência, atento o disposto, conjugadamente, nos artigos 1436º, al. f) e l) e 1437º, n.º 2 do Código Civil.
L) Na verdade: trata-se unicamente de repor a fachada do prédio que, por atuação abusiva e unilateral da administração do condomínio, foi alterada com o consequente emparedamento de duas janelas da fração B de que a ora Respondente é proprietária, prejudicando, com tal ato, a linha arquitetónica do prédio.
M) Tal obra foi realizada pela Administração do Condomínio, razão, pela qual, em 8 de Agosto de 2018, foi remetido um ofício pela Divisão de Fiscalização da Câmara Municipal…. à Administração de Condomínio do Edifício ..... com vista à legalização da obra – vide factos n.ºs 10 a 20 dos Factos Provados.
N) Na verdade: (…) A fachada do prédio constitui uma parte comum do edifício e por isso é compropriedade dos condóminos, artigos 1420º, nº 1 e 1421º, nº 1, alínea a) do Código Civil, sendo este de carácter imperativo. O artigo 1425.º do referido Código, sobre a epígrafe Inovações, dispõe que “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio. (…) Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.” (…) Mas, segundo o n.º 7 do mesmo artigo, não é permitida a introdução de inovações em coisas comuns já existentes suscetíveis de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.
O) Ora, conforme se retira da factualidade provada, o condomínio, sob a égide da administração à data, construiu, no final do ano de 2010, uma rampa de acesso, em substituição de uma das duas escadas existentes na fachada do prédio. E, na esteira da doutrina acima citada bem como da própria letra da lei (cfr. art. 1425.º, n.º3, alínea a), é indiscutível que tal obra configura uma inovação. Assim, a obra em questão, que nem sequer foi licenciada pela Câmara Municipal de ....., não pode deixar de ser legalmente qualificada como inovação, que...
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