Acórdão nº 9/14.7T8CPV.P2 de Tribunal da Relação do Porto, 09-01-2020

Data de Julgamento09 Janeiro 2020
Número Acordão9/14.7T8CPV.P2
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2020:9.14.7T8CPV.P2
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Sumário
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
B…, contribuinte fiscal n.º ………, residente no …, …, C…, contribuinte fiscal n.º ………, residente em …, D…, contribuinte fiscal n.º ………, E…, contribuinte fiscal n.º ………, F…, contribuinte fiscal n.º ……… todos residentes no …, …, Castelo de Paiva, instauraram acção judicial contra a Companhia de Seguros G…, S.A., pessoa colectiva n.º ………, com sede em Lisboa, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €42.781,00 de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por H…, acrescida de juros de mora contados à taxa legal até integral pagamento.
Alegaram para o efeito, e em síntese, que são os únicos e legais herdeiros de H…, o qual, no dia 18.12.2011, pelas 14h15m, caminhava pela berma direita da estrada municipal … no sentido de … - …; no mesmo sentido circulava o veículo automóvel seguro na ré, cujo condutor não guardava em relação à berma por onde circulava o peão distância suficiente para evitar o acidente, razão pela qual colheu o H… causando-lhe traumatismo crânio encefálico, contusões hemorrágicas frontais direitas e fractura da tíbia esquerda, que determinaram o seu óbito. Em consequência disso, H… sofreu danos de natureza não patrimonial e patrimonial e, nomeadamente, perda de rendimento da actividade agrícola que desenvolvia, despesas médicas e medicamentosas, despesas com deslocações, perda de capacidade de ganho resultante de uma incapacidade absoluta desde a data do acidente até à sua morte, sofreu dores, perturbações físico-psíquicas e todos os constrangimentos que daí lhe advieram para a sua vida e respectiva qualidade de que tinha disfrutado até à data do acidente, ansiedade e profundo desgosto de se ver confinado à cama e à cadeira de rodas necessitando de ajuda de terceiros para as actividades da vida diária.
O Centro Hospitalar …, EPE, pessoa colectiva de direito público n.º ………, com sede em …, Penafiel, requereu a sua intervenção peticionando contra a ré o reembolso, da quantia de €399,60, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de €48,17, e vincendos até integral pagamento. Alega para o efeito, em síntese, que prestou a H… os tratamentos médicos identificados nas facturas que junta, pelos preços aí consignados, de que este careceu em consequência directa a necessária do acidente de viação.
A ré contestou, impugnando a versão do acidente, atribuindo ao peão H… a culpa exclusiva do acidente que o vitimou e impugnando os danos e montantes alegadamente sofridos pelo lesado, concluindo pela improcedência da acção.
Na pendência do processo os autores ampliaram o pedido para a quantia de €132.781,65, acrescida de juros à taxa legal, passando a pedir a condenação da ré a pagar aos autores, para além do reclamado na petição inicial e em alternativa à quantia do artigo 47º da petição inicial, a quantia de € 120.000,00 a título de indemnização pelos danos sofridos, perda do direito à vida e pelo desgosto dos autores pela perda da vítima.
Após julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a ré a pagar aos autores €53.699,36 e juros de mora desde a citação até integral pagamento, a pagar à autora B… €15.000,00 e juros de mora desde a citação até integral pagamento, a pagar a cada um dos autores C…, D…, E… e F… € 7.500 e juros de mora desde a citação até integral pagamento, e a pagar ao Centro Hospitalar …, E.P.E a quantia de € 299,78 e juros de mora desde a formulação do pedido até integral pagamento.
Do assim decidido, veio a ré interpor recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. O Tribunal recorrido fez uma incorrecta apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, levando a uma menos acertada aplicação da lei, nomeadamente do artigo 570º do Código Civil.
2. Da prova produzida, nomeadamente do depoimento da testemunha I…, resultaram demonstrados, ainda que de forma parcial, os factos constantes das alíneas e) e d) dos factos não provados.
3. O LZ ficou imobilizado junto à berma, deixando do limite da mesma uma distância de 0,35 metros face ao seu rodado direito traseiro e de 0,55 metros face ao seu rodado direito da frente.
4. Por outro lado, a berma, que continuava para além do local do local onde o peão foi colhido, tinha uma largura de 0,85 metros, mais que suficiente para o trânsito de peões.
5. Mesmo encadeado pelo sol, o condutor do LZ conseguia ver a estrada à sua frente, não lhe sendo exigível que previsse que um peão, de forma inopinada, lhe cortasse caminho, como cortou.
6. O facto de o J… não ter avistado o peão a transitar na berma não foi causal do acidente, já que o LZ nunca invadiu essa berma.
7. O H… fez-se à estrada e passou a circular na via de trânsito de veículos sem acautelar que o podia fazer em segurança (não olhou sequer para trás), e num momento em que o LZ se preparava para passar por ele.
8. Por tal facto, foi impossível ao condutor do LZ evitar colher o peão.
9. Mesmo que o condutor do LZ tivesse visto o peão a transitar na berma, não havia necessidade de adoptar comportamento diferente do que aquele que teve, já que a berma continuava para além do local onde se deu o acidente, pelo que era expectável que o peão prosseguisse pela berma.
10. Era exigível ao H… que tivesse olhado para trás para perceber se podia abandonar a berma e passar a transitar na estrada sem atentar contra a sua segurança e dos demais utilizadores da mesma.
11. Se o H… não se tivesse feito à estrada, não teria sido atropelado.
12. O mesmo se diga que, caso o malogrado H… tivesse olhado para trás quando decidiu passar a circular na via de trânsito, não o teria feito, já que teria avistado o LZ e aguardado a passagem do mesmo.
13. Do depoimento da testemunha I… resultaram demonstrados, ainda que parcialmente, os factos constantes das alíneas d) e e) dos factos não provados.
14. Deve ser aditado novo ponto aos factos provados com o seguinte teor: “A vítima H…, sem nada que o fizesse prever, saiu da berma onde seguia e passou a circular no asfalto, no preciso momento em que o LZ se preparava para passar por ele”.
15. Deve ser aditado novo ponto aos factos provados com o seguinte teor: “Nada poderia ter feito o condutor do veículo ligeiro de passageiro de matrícula ..-..-LZ para evitar colher o peão”.
16. O acidente dos presentes autos é consequência da conduta perigosa e negligente do H…, que, embora tendo uma berma de quase um metro para circular, decidiu passar a circular na faixa de rodagem sem sequer atentar aos veículos que circulavam na via, dando causa ao seu próprio atropelamento.
17. Deve, como tal, e à luz do disposto no artigo 570º do Código Civil, ser a indemnização excluída, por culpa exclusiva do lesado na produção do acidente.
18. Deve ser eliminado o quantum indemnizatório arbitrado a título de dano patrimonial (ITA), por inexistência de prova e por não ter resultado demonstrado que o H… sofreu algum dano patrimonial.
19. A indemnização arbitrada pelo dano morte deve ser reduzido para € 50.000,00.
20. Quanto à quantia arbitrada para compensar o dano não patrimonial sofrido pelo H…, afigura-se manifestamente exagerada, devendo alterada para €7.500,00.
Atento o exposto, tendo ficado demonstrado que o acidente dos autos ocorreu por culpa do lesado, deverá a sentença proferida ser revogada, substituindo-se por outra que absolva a Ré do pedido, fazendo-se, assim, justiça.
Os autores responderam a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
- se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada.
- se o atropelamento do familiar dos autores ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel ou por culpa exclusiva do atropelado ou por culpa de ambos e em que medida.

III. Os factos:
Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1. A 1ª A. é viúva e os restantes são filhos de H…, falecido no dia 30 de Abril de 2012, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, na freguesia de …, concelho de Castelo de Paiva sendo os seus únicos e legais herdeiros.
2. A 18 de Dezembro de 2011, pelas 14h15m, na E.M. … no …, freguesia …, concelho de Castelo de Paiva, H… caminhava pela berma direita da estrada.
3. No mesmo sentido, circulava o veículo automóvel de passageiros de matrícula ..-..-LZ, conduzido pelo respectivo proprietário J…, no seu próprio interesse e sob a respectiva direcção efectiva.
4. Não havia trânsito em sentido contrário ao sentido de marcha do veículo e de H….
5. A faixa de rodagem tem no local a largura de 5,50 m e a berma do lado direito, atento o sentido …/… cerca de 0,85 m.
6. O estado do tempo era bom.
7. O piso asfaltado, estava seco e em bom estado de conservação.
8. O piso da berma é composto por terra.
9. A via, habitualmente, para quem nela circula apresenta boa visibilidade em cerca de 50 metros.
10. Por razão não concretamente apurada H… passou a transitar na faixa de rodagem junto à sua extremidade, no momento em que o veículo com a matrícula ..-..-LZ dele se aproximava, e acto contínuo aquele veículo foi embater com a frente direita em H….
11. O condutor do veículo com a matrícula ..-..-LZ circulava na via encadeado pelo sol e não se apercebeu da presença do peão, nem quando este circulava na berma, nem quando passou a transitar na faixa de rodagem.
12. Em consequência do embate referido em 10. H… foi projectado sobre o pára-brisas do veículo e imediatamente a seguir para a berma direita da estrada por onde havia transitado.
13. E aí ficou prostrado de face contra o solo, com a cabeça na direcção de … e as pernas na direcção de
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