Acórdão nº 899/20.7T8STB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 16-11-2021
Data de Julgamento | 16 Novembro 2021 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 899/20.7T8STB.E1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam na Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:
*
FF intentou acção de simples apreciação contra AA, BB e CC, na qualidade de titulares da herança indivisa aberta por óbito de seus pais DD e EE pedindo que fosse declarado que a oposição à renovação do contrato declarada pelos RR apenas se poderá reportar ao período de renovação do contrato com termo em 11 de Março de 2026, pelo que só a partir dessa data a oposição à renovação poderá ter o efeito de cessação do contrato de arrendamento rural que celebrou com os antecessores dos réus, com início em 11 de Março de 1993, teve a duração de 10 anos e três renovações obrigatórias.
Alegam que os réus por notificação judicial avulsa efectivada em 6 de Setembro de 2008 manifestara a intenção de fazer cessar o contrato mediante oposição à renovação, com efeitos no dia 11 de Março de 2020, sendo que nesta data não ocorre o termo de qualquer prazo de renovação, mas apenas em 11 de Março de 2026.
Contestaram os réus sustentado que a última renovação terminava em 11 de Maio de 2020.
Conhecendo do mérito da causa, o tribunal a quo decidiu julgar a acção improcedente por não provada, declarando que a última renovação terminou em 11 de Março de 2020 e que os RR se opuseram tempestivamente, pelo que o contrato de arrendamento rural cessou.
De tal sentença apelou o autor mas sem sucesso, dado que a Relação manteve o entendimento da sentença da 1ª instância. Sustentou, também sem sucesso, a ofensa da autoridade do caso julgado formado pela sentença proferida no Tribunal Judicial ..., dado que a Relação considerou que essa sentença considerou apenas não válida a denúncia efectuada pelos RR com efeitos a partir de Março de 2006.
Transcrevamos para melhor entendimento, o seguinte excerto do acórdão da Relação:
“Cumpre apreciar, tendo em conta as questões colocadas pelo apelante.
O contrato de arrendamento rural sub judice foi celebrado ao abrigo do art. 29° n°3 da Lei 46/90 de 22 de Agosto, lei que procedeu à alteração da Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases da Reforma Agrária), cujo objeto teve em vista, por um lado o redimensionamento das unidades de exploração agrícola e o destino das áreas expropriadas e nacionalizadas nos termos do art. 97° da Constituição, e, por outro, estabelecer os princípios gerais relativos ao uso dos solos agrícolas e ao fomento hidroagrícola.
Na prossecução deste objetivo a atribuição de reservas, mediante a verificação de determinados circunstancialismos, foi sujeita à prévia celebração de contratos de arrendamento rural entre os beneficiários do direito de exploração e os titulares do direito de reserva.
Para isso o art. 29 n° 3 al. a) da Lei 46/90 de 22 de Agosto veio estabelecer uma duração mínima dos contratos de 10 anos e o direito a três renovações de 3 anos cada. Referindo expressamente a al. d) da mesma norma que os direitos e deveres do arrendatário são os decorrentes da legislação relativa ao arrendamento rural, sem prejuízo de outra situação mais favorável já adquirida.
Desta forma, os contratos celebrados ao abrigo da Lei 46/90 de 22 de Agosto ficavam, naqueles termos, abrangidos pelo DL. 385/88 de 25 de Outubro, lei do arrendamento rural ao tempo.
No caso sub judice decorrido o prazo inicial de 10 anos estipulado no contrato e quando se iniciava a primeira das três renovações obrigatórias estipuladas no mesmo, ou seja, em 11 de Março de 2003, encontrava-se em vigor o Dec-Lei n° 524/99 de 10 de Dezembro o qual alterou o n°3 do art° 5o do DL. 385/88 de 25 de Outubro (LAR), que estipulava o período de três anos para a renovação dos contratos, alargando este período de renovação para um mínimo de cinco anos.
Vejamos então a implicação de tal alteração nos contratos celebrados no âmbito da Lei 46/90 de 22 de Agosto, como é o caso dos autos.
O preâmbulo do referido diploma refere: "...Há-de, porém, ter-se em conta que uma das condições impostas aos agricultores para a obtenção de ajudas comparticipadas pela União Europeia é o compromisso de assegurarem o exercício da atividade agrícola na exploração durante, pelo menos, cinco anos..."
Significa tal premissa, que não alargar a alteração dos prazos previstos no DL 524/99 de 10 de Dezembro aos contratos celebrados no âmbito da Lei 46/90 de 22 de Agosto, seria eventualmente privar esses agricultores ao recurso das ajudas da União Europeia, quando a referida ai. d) no n°3 do art. 29° daquela Lei expressamente regula que "... os direitos e deveres do arrendatário são os decorrentes da legislação relativa ao arrendamento rural, sem prejuízo de outra situação mais favorável já adquirida"
Ademais, resulta do próprio DL n° 524/99, de 10 de Dezembro - que procedeu à alteração do n° 3 do artigo 5.° da LAR - no seu artigo 2.°, o seguinte:
"A alteração introduzida no n° 3 do artigo 5 o do Decreto-Lei n° 385/88 de 25 de Outubro, aplica-se aos contratos em visor à data do início da vigência do presente diploma, não se aplicando, porém, aos períodos de renovação em curso. " (sublinhado nosso)
Ora da análise do mencionado normativo legal conclui-se, por um lado, que a alteração introduzida ao n° 3 do artigo 5.° da LAR aplica-se aos contratos que à data do início de vigência do diploma se encontravam em vigor, ressalvados, é certo, os períodos de renovação que se encontrassem em curso
E dúvidas não existem que o alargamento do prazo de renovação do contrato, por períodos sucessivos de 5 anos, concedido pelo DL 524/99 de 10 de Dezembro, constitui uma situação mais favorável ao arrendatário do contrato celebrado ao abrigo Lei 46/90 de 22 de Agosto.
Ora nos presentes autos, o contrato de arrendamento foi celebrado por um prazo de 10 anos, com três renovações obrigatórias de três anos.
Uma vez que o contrato se iniciou em 11 de Março de 1993, em 11 de Março de 2003, decurso do prazo de dez anos, já o DL n° 524/99, de 10 de Dezembro estava em vigor, ou seja, no momento em que o n° 3 do artigo 5.° da LAR passou a ter a nova redacção que determinou o alargamento dos períodos de renovação para cinco anos, não estava em curso qualquer prazo de renovação do contrato. Tendo ficado acordado no contrato que este, decorridos dez anos, observaria três renovações obrigatórias, e na medida em que o novo período de renovação de cinco anos introduzido pelo supra referido diploma legal tem aplicação, como acima se deixou expresso, para os prazos de renovação futuros, é inquestionável que a primeira renovação obrigatória com inicio em Março de 2003 passou para o período temporal de cinco anos.
Nesta conformidade, nos termos das disposições conjugadas do art. 2º do DL 524/99 de 10 de Dezembro, o alargamento do prazo introduzido no n°3 do art. 5º do DL 385/88 de 25 de Outubro é aplicável ao contrato sub judice.
Donde em 11-03-2003 iniciou-se a primeira renovação obrigatória do contrato por um período de cinco anos e em 11-03-2008 a segunda renovação obrigatória a qual terminou em 11-03-2013.
Porém, quando o contrato atingiu o terminus da segunda renovação obrigatória, iniciando-se a terceira e última renovação das três renovações obrigatórias encontrava-se em vigor o DL n° 294/2009 de 13 de Outubro.
Este diploma legal que revogou a Lei do Arrendamento Rural vigente, ampliou, no seu artigo 9.°, o período de renovação dos contratos para um mínimo de sete anos.
E no seu artigo 39.°, este último diploma legal, estipula um regime de aplicação semelhante ao adoptado no Dec. Lei n° 524/99, podendo ler-se na alínea a) do n° 2, que o seu regime se aplica aos contratos de arrendamento, existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, de acordo com os seguintes princípios:
«a) O novo regime apenas se aplica aos contratos existentes a partir do fim do prazo do contrato, ou da sua renovação, em curso».
O que era o caso dos autos, uma vez que o fim do prazo de renovação ocorreu em 11/03/2013.
O diploma estabelece no seu artigo 41.° que, «Os contratos de arrendamento rural existentes à data de entrada em vigor do presente decreto-lei devem, no momento da sua renovação, ser alterados em conformidade com o mesmo.».
Instituindo, novamente, um regime mais favorável ao arrendatário do que o primitivamente definido, mutatis mutandis, são plenamente válidas as considerações acima reproduzidas no que concerne à aplicação do artigo 5.° do D.L. 385/88, de 25.10, pelo D.L. 524/99, de 10.12.
Destarte, por força da entrada em vigor do artigo 9.° do Dec. Lei N° 294/2009 de 13 de outubro, a última renovação obrigatória do contrato de arrendamento rural sub judice tem a duração obrigatória de sete anos.
Assim, em 11/03/2013 iniciou-se a última, das três obrigatórias renovações do contrato de arrendamento rural celebrado entre o A. e os antecessores dos RR., neste caso por um período de sete anos, o qual terminou em 11/03/2020.
Consequentemente a notificação judicial avulsa efetivada ao A. em 06-09-2018 comunicando a oposição dos réus à renovação automática do contrato de arrendamento celebrado, fazendo-o cessar por oposição à sua renovação e requerendo a devolução da parcela livre de pessoas e bens, ónus ou encargos na data da cessação em 11-03-2020, só pode ser considerada válida, nenhuma censura ou reparo merecendo o decidido, já que a celebração do contrato de arrendamento ao abrigo do artigo 29.° da Lei n.°49/90, de 22.08, não atribui a este contrato um regime especial incompatível com a alteração do artigo 5.° do RAR, nem se descortina qualquer ofensa à autoridade do caso julgado.
A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objecto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. Ora na acção que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..... sob o n° 74/05..., foi tão só...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO