Acórdão nº 897/09.9T2AVR-G.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 04-10-2021

Data de Julgamento04 Outubro 2021
Número Acordão897/09.9T2AVR-G.P1
Ano2021
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 897/09.9T2AVR-G.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Aveiro – Juiz 2)


Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim


Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

No âmbito da liquidação apensa ao processo de insolvência em que é Insolvente B…, que corre termos sob o nº 897/09.9T2AVR no Juízo de Comércio de Aveiro, ocorreu o seguinte circunstancialismo (que se considera pertinente para a análise do recurso):
a) – o Sr. Administrador da Insolvência, no período compreendido entre 5/5/2019 e 19/6/2019, promoveu a venda mediante leilão electrónico de dois imóveis, sendo um deles o que constitui a verba nº3: Prédio Urbano – Fracção Autónoma A, correspondente a comércio, escritório e laboratório no rés- do-chão da Rua … nº ., .. e ., com área de 152m2, cave com 187,50m2 destinada a armazém e logradouro com 144,5m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 705-A, freguesia do … e inscrito na Matriz sob o artigo 4703-A (actual 3405 da União das Freguesias do … e …);

b) – encerrado tal leilão em 19/6/2019, a melhor proposta obtida para tal imóvel foi no valor de 150.001.00€ e a mesma foi apresentada pela “C…, Sociedade Unipessoal Lda.” (fls. 389 dos autos);
c) – o Sr. Administrador da Insolvência, por comunicação datada de 26/6/2019 e enviada ao Insolvente (na pessoa da sua mandatária), solicitou a este que no prazo de 8 dias informasse se era pretensão dos seus familiares exercer o direito de remição (fls. 390);

d) – por requerimento entrado a 28/6/2019, D…, filho do insolvente, comunicou aos autos que, ao abrigo do disposto nos arts. 842º e 843º, nº1 b) do CPC, pretendia exercer o direito de remição (fls. 393 a 397);

e) – a 13/9/2019, a “C…, Sociedade Unipessoal Lda.” deu entrada nos autos do seguinte requerimento (que se transcreve):

“1. O prédio Urbano constituído pela fração autónoma “A”, correspondente ao rés-do-chão da Rua … nº ., .. e ., descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n.º 705-A, freguesia do … e inscrito na matriz sob o artigo 4703-A (atual 3405 da União das Freguesias do … e …), de que é proprietário o Senhor B…, insolvente nos autos acima identificados, foi submetido a leilão eletrónico que fechou no dia 19.06.2019
(v. certidão de encerramento do leilão que se junta sob doc.1).
2. A ora Requerente apresentou, no referido leilão, a melhor proposta, com o NUP 2798252019, no valor de €150.001,00 (cento e cinquenta mil e um euros) (conforme decorre do doc.1 junto).
3. A certidão de encerramento do leilão foi emitida no próprio dia 19.06.2019.
4. No dia 26.06.2019, ou seja, 7 dias após o encerramento do leilão, o Exmo. Senhor Administrador de Insolvência no processo identificado nos autos, o Dr. E…, remeteu e-mail ao mandatário da ora Requerente informando que esta havia apresentado a melhor proposta, ficando todavia a adjudicação dependente da eventual resposta da mandatária do insolvente a uma notificação realizada nos termos dos artigos 842.º e ss. CPC (junta e-mail sob doc.2).
5. No dia 11.07.2019, ou seja, 22 dias após o encerramento do leilão eletrónico, o mandatário da ora Requerente recebeu novo e-mail remetido pelo Dr. E…, informando que havia sido exercido o direito de remição “por parte do filho do insolvente” (junta e-mail sob doc.3).
6. Consultada, na presente data, ou seja, dois meses após o alegado exercício do direito de remição e quase três meses após o encerramento do leilão, a certidão de teor do imóvel leiloado, verifica-se que o mesmo se encontra registado em nome do insolvente (v. certidão permanente com o código de acesso n.º PP-1924-20119-140601-000705).
7. Este protelamento da aquisição do imóvel pelo remidor é ilegal, como abaixo se demonstra, ditando em consequência que o bem seja de imediato adjudicado à ora Requerente, por ter sido quem apresentou a licitação mais elevada.
Com efeito,
8. De acordo com o artigo 20.º da Portaria n.º 282/2013 de 29.08 (Regulamenta vários aspectos das ações executivas cíveis), a licitação de bens a vender em processo de execução por leilão eletrónico é regulada pela identificada Portaria e pelas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma.
9. As denominadas “Regras do Sistema” foram aprovadas por Despacho da Ministra da Justiça n.º 12624/2015, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 09.11.2015.
10. O artigo 8.º/10 das Regras do Sistema estipula o seguinte: “No prazo de 10 dias contados da certificação da conclusão do leilão, o agente de execução titular do processo deve dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada.”
11. Decorre pois deste preceito que o agente de execução deve, no prazo de 10 dias, proceder às diligências necessárias para que a venda se concretize, remetendo-se no final do preceito, quanto aos demais trâmites, para a venda por proposta em carta fechada, ou seja, remetendo-se para os artigos 816.º e ss. CPC.
12. O artigo 824.º CPC, que respeita precisamente à concretização da venda mediante proposta em carta fechada, prevê o seguinte: “Aceite alguma proposta, o proponente ou preferente é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução (…) a totalidade ou a parte do preço em falta.
13. Da conjugação destes preceitos decorre a seguinte norma: nos 10 dias seguintes à certificação da conclusão do leilão, o agente de execução que presidiu ao mesmo notifica a pessoa que apresentou a licitação mais elevada para depositar, no prazo de 15 dias, o preço.
14. Ou seja, após o encerramento do leilão, a pessoa que fez a licitação mais elevada terá, no máximo, 25 dias para depositar o preço.
15. Se o licitante não cumprir a obrigação de depositar o preço, são aplicáveis as consequências previstas no artigo 825.º/1 CPC, de que resulta, inter alia, o seguinte: ou o licitante perde o direito de adquirir o bem ou o seu património é arrestado para garantir a obrigação de pagamento do preço.
16. Finalmente, completando o percurso normativo que vimos realizando, sublinha-se o disposto no artigo 843.º/2 CPC, que manda aplicar ao remidor o previsto no mencionado artigo 825.º CPC.
17. O direito de remição – supostamente exercido pelo filho do insolvente nos autos, conforme informação prestada pelo Ilustre Administrador de Insolvência – é um direito legal de preferência [v., por todos, acórdão do STJ de 09.03.2017 (Proc.º n.º 1629/13.2TBAMT.P1.S1/LOPES DO REGO)], com a particularidade de a sua titularidade estar subjetivamente determinada por lei (artigo 842.º CPC) e de prevalecer sobre qualquer outro direito de preferência (artigo 844.º/1 CPC).
18. Consequentemente, o preferente tem apenas o direito de celebrar o negócio nas mesmas condições em que o celebraria o titular da posição negocial que o preferente deseja ocupar.
19. Não pode, pois, o preferente pretender celebrar o negócio em condições mais favoráveis, as quais tanto podem configurar uma redução do preço, como uma dilação do prazo para cumprimento da obrigação de pagamento do preço (caso se trate de compra e venda), ou outras que a imaginação negocial conjeture.
20. E não pode fazê-lo porquanto desse modo estaria exercendo um direito que a lei lhe não confere, qual fosse o direito potestativo a afastar o titular primário do direito a adquirir a coisa e de seguida redefinir os termos do negócio.
21. Do exposto resulta que o filho do insolvente – que terá exercido o direito de remição, conforme informação do Ilustre Administrador de Insolvência – deveria ter depositado o preço, pelo menos, no dia 15.07.2019, ou seja, 25 dias após a conclusão do leilão.
22. É certo, todavia, que não fez esse depósito.
23. Uma vez que não fez esse depósito, é aplicável o disposto no artigo 825.º CPC (ex vi artigo 843.º/2 CPC).
24. Na perspetiva patrimonial dos credores do insolvente, é, no presente caso, irrelevante se o comprador é o filho ou a ora Requerente, pois ambos têm de pagar exatamente o mesmo preço pelo imóvel em causa.
25. Assim sendo, entende-se que, para o presente caso, a mais adequada das soluções previstas no artigo 825.º/1 CPC consiste em determinar que a venda ao remidor fique sem efeito e que a ora Requerente seja notificada para depositar de imediato o preço.
26. A ser de outro modo, com esta peculiar gestão de prazos, permite-se ao Ilustre Administrador de Insolvência que prejudique a ora Requerente e os credores do insolvente, beneficiando o remidor, que passa a dispor, ilicitamente, de um alargadíssimo prazo para cumprir as suas obrigações.

Atento o exposto, requer-se a V. Exa. que determine o Administrador de Insolvência a dar sem efeito o exercício do direito de remição exercido e a notificar o ora Requerente para depositar o preço do imóvel que licitou.”

f) – na sequência de tal requerimento, o Sr. Administrador da Insolvência, a 17/9/2019, informou aos autos:
- que em 1/7/2019 o filho do insolvente veio informá-lo que pretendia exercer o seu direito de remição, conforme aliás já tinha manifestado no seu requerimento que juntou aos autos em 28/6/2019;
- que em 9/7/2019, com vista a formalizar o negócio em causa, notificou o remidor para proceder à assinatura do contrato promessa de compra e venda e efectuar o pagamento parcial do preço (conforme documentou);
- que o remidor procedeu ao depósito do sinal do preço, no valor de 30.000,20€, em 30/7/2019, conforme extracto de conta que juntou;
- que encontrando-se reunidos todos os elementos necessários à realização da escritura pública de compra e venda, procedeu ao seu agendamento para o dia 24/09/2019, pelas14 horas, em Aveiro;
- que perante o que expôs
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