Acórdão nº 881/18.1T8GRD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 04-05-2020
Data de Julgamento | 04 Maio 2020 |
Número Acordão | 881/18.1T8GRD.C1 |
Ano | 2020 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Arrendamento Rural
1 - A redução a escrito dum contrato de A. Rural celebrado verbalmente, numa época (1966) em que a lei não obrigava à sua redução a escrito, não é um novo contrato de arrendamento, pelo que o contraente que toma a iniciativa da sua redução a escrito não pode nele incluir, sem o acordo da parte contrária, cláusulas e conteúdos que não haviam sido combinados.
2 - Assim, nada tendo sido acordado, na data da celebração de tal contrato de A. Rural, sobre a possibilidade de realização de obras, não pode o senhorio incluir uma cláusula segundo a qual o arrendatário “não poderá realizar quaisquer obras, alterações e/ou edificações no prédio, salvo prévia autorização do proprietário e senhorio para o efeito”; e uma outra segundo a qual, findo o contrato, todas as obras e benfeitorias realizadas pelo inquilino, ainda que autorizadas pelo senhorio, ficam a fazer parte integrante do prédio arrendado, não podendo o inquilino alegar direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização ou compensação”.
3 - Procedendo assim o senhorio, é legítima e justificada a recusa do inquilino em assinar a minuta de contrato que lhe foi enviada, o que não permite dizer que a não redução a escrito do contrato não é imputável ao senhorio e, em função disto, o impede de invocar/pedir a nulidade, por vício de forma, do contrato de A. Rural.
4 - Efetivamente, a exigência da redução a escrito de todos os contratos (novos e vigentes) de A. Rural, constitui uma «formalidade ad probationem», não acarretando a não redução do arrendamento rural a escrito a automática nulidade do contrato, uma vez que se está perante uma nulidade atípica, que, para além de não poder ser de conhecimento oficioso, só pode ser invocada pela parte contratante a quem não seja imputável a sua não redução a escrito, o que – não imputabilidade – só acontece quando tal parte contratante haja tomado a iniciativa de sanar o vício da não redução a escrito e a outra parte, injustificadamente, se haja recusado a reduzi-lo a escrito.
5 – Não “cessando”, pelos efeitos da nulidade, tal contrato de A. Rural, fica prejudicado o conhecimento da reconvenção em que o inquilino haja pedido o pagamento de benfeitorias, uma vez que o direito de indemnização/restituição por benfeitorias só nasce com a cessação do contrato de arrendamento rural.
Apelação n.º 881/18.1T8GRD.C1
Comarca da Guarda – Juízo Central
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório
M (…), residente (…) em Lisboa, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra M (…) viúva, residente “(…) na (...), pedindo que se:
a) reconheça o direito de propriedade da autora sobre o prédio rústico identificado nos artigos 1º e 2º da petição inicial (prédio rústico designado “Quinta de P (...)”, descrito da Conservatória do Registo Predial da (...) sob o nº 3110 da freguesia da S (...), inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artº 3472º da freguesia e concelho da (...), com a área de 24,509400 ha, composto por terra de cultura com fruteiras, pinhal e pastagem, confrontando a norte com (…) e outros, a sul com (…) e caminho, a nascente com herdeiros de (…) e outros e a poente com (…));
b) declare que a posse da ré sobre aquele prédio é uma posse ilícita, não titulada e ilegítima;
c) condene a ré a abster-se de utilizar o referido prédio rústico e a restituí-lo de imediato à autora, totalmente livre e desocupado de pessoas e bens;
Subsidiariamente, e apenas em caso de improcedência do supra peticionado,
d) condene a ré a celebrar com a autora um contrato de arrendamento rural sobre o referido prédio rústico propriedade desta última, o qual deverá obedecer aos termos e condições constantes da minuta junta à petição inicial como doc. n.º 7.
Alegou para tal ser proprietária do prédio rústico que identificou, prédio que lhe foi transmitido por herança de seu pai, A (…) falecido em 29/10/1993, o qual, por sua vez, em finais de 1966 ou início de 1967, verbalmente, o deu de arrendamento (rural) ao cônjuge da ré, para exploração agrícola (ficando vedada a possibilidade de exercício de qualquer outra atividade para além da exploração agrícola), com a possibilidade de utilizar as edificações existentes no prédio apenas e só a título complementar, acessório ou de apoio à atividade agrícola ali desenvolvida, nomeadamente para armazenamento de produtos e/ou alfaias agrícolas; arrendamento em que ficou acordado que o arrendatário “não poderia realizar quaisquer obras, alterações e/ou edificações no prédio, salvo prévia autorização do proprietário e senhorio para o efeito”[1], sendo a renda, sempre paga, atualmente de 600,00€; arrendamento cujas “posições contratuais (tendo entretanto falecido o progenitor da A. e o cônjuge da R.) foram transmitidas para a ora A. e para a ora R., (…) mantendo-se o contrato nos precisos termos ajustados verbalmente entre as partes primitivas”[2].
Mais alegou que, passando a legislação posterior (ao momento da celebração do contrato) a exigir a forma escrita, sob pena de nulidade, enviou uma carta à ré, datada de 28 de abril de 2016, a interpelá-la “para reduzirem a escrito o acordo de arrendamento rural celebrado verbalmente entre o cônjuge da R. e o progenitor da A em 1966/1967 e que fora transmitida para ambas”[3], remetendo-lhe, para o efeito, a minuta do contrato escrito; tendo a R., em resposta, através de carta do seu mandatário de 17 de maio de 2016, exigido à A., “como condição para a aceitação da redução a escrito do acordo verbal de arrendamento rural vigente entre ambas (…) o apuramento e pagamento do valor que lhe é devido pelas benfeitorias que, ao longo dos anos, realizou no prédio arrendado”[4], recusando-se, enquanto tal “condição” não se verificar, “a celebrar por escrito qualquer contrato de arrendamento rural”; ao que a A. replicou – mantendo que sempre esteve vedada a possibilidade de realização de qualquer obra, alteração ou melhoramento no prédio arrendado, salvo obtida a prévia autorização para o efeito junto do senhorio, consentimento que nunca foi dado para a realização de qualquer obra, tanto mais que nem a R., nem o seu falecido marido, alguma vez interpelaram o pai da A. ou a A. para obtenção do consentimento para realização de qualquer obra – insistindo pela redução a escrito do contrato e concedendo à R. o prazo de 15 dias para que assinasse a minuta do contrato e lha devolvesse.
Finalmente, alegou que, decorrido tal prazo, a R. não assinou a minuta do contrato que lhe foi remetido, pelo que lhe é imputável a não redução a escrito do contrato, o que acarreta a nulidade do contrato de arrendamento rural e determina a restituição do prédio à A., livre e desocupado de pessoas e bens.
A R. contestou; por impugnação e por reconvenção, em que pediu que a A. seja condenada “a pagar à R/reconvinte, a título de enriquecimento sem causa, uma indemnização pelas benfeitorias necessárias e úteis efetuadas pela ré/reconvinte nos prédios arrendados, no valor de 169.500,00€.”
Começou por admitir a celebração do contrato de arrendamento rural referido pela A. (assim como o direito de propriedade da A. sobre o prédio em causa), a que introduziu pequenas divergências que neste momento não relevam (como o arrendamento ter sido dado, conjuntamente, a si e ao seu marido, como a data da sua celebração, que situou no dia 11/11/1966, como a identificação do arrendado, que englobaria os prédios rústicos denominados P (...), B (...) e outros prédios rústicos anexos a estes), dizendo, de relevante, que, nem aquando da celebração do contrato, nem posteriormente, os contraentes previram o que quer que fosse relativamente à realização das obras, alterações ou edificações[5]; sucedendo que, no decurso do contrato, foram realizadas inúmeras benfeitorias no arrendado (descritas no relatório que juntou), que ascendem, atualmente, ao valor de € 169.500,00, obras que “sempre agradaram ao pai da autora”[6], que “não só concordou e consentiu os arrendatários a realizarem tais benfeitorias, como ainda, antes da sua realização, sugeriu os locais onde deviam ser executadas”[7], tendo todas as obras sido executadas em vida do pai da A. (falecido em 29/10/1993) e sempre com prévia autorização do pai da A..
Assim, segundo a R., constando da minuta do contrato que lhe foi enviada pela A. que, “findo este contrato, todas as obras e benfeitorias realizadas pela segunda contratante, ainda que autorizadas pela primeira contratante, ficam a fazer parte integrante do prédio arrendado, não podendo a segunda contratante alegar direito de retenção ou exigir o pagamento de qualquer indemnização ou compensação”, é/foi legitima, por ter direito ao valor das benfeitorias realizadas (impossíveis de levantar e que valorizaram o prédio), a recusa em assinar a minuta do contrato que lhe foi enviada pela A., o que acarreta a improcedência da ação e a procedência da reconvenção.
A A. replicou, mantendo a posição processual vertida na petição inicial (de que havia sido acordado que qualquer obra carecia do consentimento/autorização do senhorio e de o senhorio não ter consentido/autorizado a realização de qualquer obra), impugnando a realização das benfeitorias alegadas pela R. e o seu valor; e concluindo pela procedência da ação e pela improcedência da reconvenção.
Admitida a reconvenção (e remetidos os autos, face ao aumento de valor processual, ao Juízo Central), foi a R. convidada a aperfeiçoá-la (a especificar as benfeitorias efetuadas, as datas e circunstâncias em que foram executadas e os valores), convite por esta aceite; tendo a A. exercido o respetivo contraditório.
Realizou-se a audiência prévia, tendo-se proferido despacho saneador – que declarou a instância regular, estado em que se mantém – e identificado o objeto do litígio e enunciado os temas da prova.
Designada e realizada a audiência...
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