Acórdão nº 88/08.6BEPDL de Tribunal Central Administrativo Sul, 15-04-2021
Data de Julgamento | 15 Abril 2021 |
Número Acordão | 88/08.6BEPDL |
Ano | 2021 |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
I- Relatório
S............, S.A., deduziu impugnação judicial contra o acto de liquidação do encargo de produção de açúcar, aplicável à quota de açúcar atribuída na campanha de comercialização de 2007/2008, no valor de € 119.436,00 pedindo a anulação do mesmo. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, por sentença datada de 14 de Novembro de 2019, julgou a acção totalmente improcedente. A impugnante interpôs recurso contra a sentença, alegando nos termos seguintes:
«1.a) O presente recurso tem por objeto a douta sentença de 14.11.2019, e restringe-se à parte da sentença que considerou improcedente a questão da prescrição dos encargos de produção de açúcar, das campanhas de 2007/2008, 2008/2009 e 2009/2010, no valor cada de €119.436,00;
2.a) E, em consequência, não declarou a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide;
3.a) Solicita-se ao Tribunal ad quem a reapreciação da aplicação do direito, por forma a evitar a consagração de um entendimento que permite que o recorrido IFAP goze de um prazo de 20 anos para diligenciar pela cobrança de um encargo à produção;
4.a) A razão desta falta de conformação prende-se com o facto de o Tribunal a quo ter optado por seguir as normas genéricas dos artigos 326.º e 327.º do Código Civil, quanto aos factos interruptivos da prescrição, em prejuízo da previsão do n.º 5 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária: o prazo de prescrição legal suspende-se «enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida» [ênfase aditado];
5.a) Bem como, por a sentença ter sufragado um entendimento jurisprudencial que tem por base situações de facto distintas da atual: qual seja a existência sempre de processos de execução fiscal em curso, ou seja a existência de dívidas exequendas, situação que não ocorreu in casu;
6.a) Conforme reconhecido na sentença: «são conhecidos os ofícios de liquidação dos encargos de produção de açúcar, as datas de notificação dos mesmos e as datas de apresentação das impugnações judiciais (cfr. 5), 6), 10), 11), 15) e 16));
7.a) Em concreto, e conforme expresso nos ofícios de liquidação, o pagamento dos encargos de produção era devido para as campanhas 07/08, 08/09 e 09/10 respetivamente até finais dos meses de fevereiro de 2008, de 2009 e de 2010 (cfr. 7, 10 e 15);
8.a) Mercê do efeito de interrupção do prazo prescricional por via da impugnação judicial, nos termos do artigo 49.º, n.º 1 da LGT, os novos prazos de prescrição começaram-se a contar a partir de 29.05.2008, 20.04.2009 e 31.05.2010 (cfr. 8, 13 e 17);
9.a) Sabe-se, também, que a entidade demandada não instaurou o processo de execução fiscal, com vista à cobrança de tais montantes (cfr. 19) e 21))», a fls.20;
10.a) Ou seja, o Tribunal também deu como provado que o recorrido IFAP não promoveu a cobrança coerciva através de processo de execução fiscal: não existe dívida exequenda;
11.a) Na ausência de cobrança coerciva, também, naturalmente não foi prestada qualquer garantia idónea, nos termos do artigo 169.º e 199.º do CPPT;
12.a) O próprio recorrido IFAP reconhece que «3.5 (...) certo é que pela circunstância de, sobre as mesmas, não ter sido ainda proferida decisão judicial transitada em julgado, não se vislumbra daí um qualquer impedimento legal que obste à tomada de todos os procedimentos e diligências de cobrança (e respetivos juros) envolvendo não só os referentes às campanhas impugnadas judicialmente, como também os das demais campanhas» (cfr. 21);
13.a) Também foi provado que o recorrido IFAP reteve à ora recorrente € 265.006,50 (cfr. 19), relativo a outros processos que nada tinham que ver com os encargos da produção do açúcar, sem o consentimento ou conhecimento da ora recorrente (cfr. 20);
14.a) Quanto ao prazo de prescrição da dívida tributária - oito anos, nos termos do artigo 48.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e às normas do artigo 49.º, n.os 1 e 3 também da LGT, não existem divergências de interpretação - daí a atenção da ora recorrente em considerar a data de interposição das impugnações como início do novo prazo prescricional;
15.a) O cerne do atual recurso é a aplicação - ou melhor, a falta de aplicação nos presentes autos - da disciplina constante do artigo 49.º, n.º 4, alínea b), da LGT:
16.a) O prazo de prescrição legal para se considerar suspenso até decisão definitiva ou transitada em julgado exige que no processo de impugnação (como também o seria numa reclamação, recurso ou oposição), esteja suspensa a cobrança da dívida;
17.a) O que não aconteceu no caso concreto, pois sempre ao longo de todo o período, o IFAP deve - e inclusivamente utilizou - a possibilidade de ser ressarcido;
18.a) Assim, tal como vem consagrado na sentença, o recorrido IFAP poderia ter diligenciado pela cobrança coerciva em qualquer momento entre 01.03.2008 (uma vez terminado o prazo de pagamento voluntário) e 18.12.2027 (8 anos a contar do trânsito em julgado da presente ação de impugnação);
19.a) Ou seja, permitir-se-ia que, durante praticamente 20 anos, estivesse no poder dispositivo da entidade decidir de execução da dívida ou da permanência em inércia, sendo inclusivamente beneficiada, quanto a esse último comportamento, com o recebimento de juros de mora quanto mais significativos quanto maior for a demora na cobrança do crédito;
20.a) Ora, este entendimento contraria o regime da prescrição tal como foi estabelecido e configura um desequilíbrio desproporcional entre ambas as partes, com uma quebra grave das garantias dos sujeitos passivos;
21.a) A situação que o legislador protege, no sentido de “congelar”/suspender o prazo de prescrição até trânsito em julgado da decisão definitiva que ponha termo ao processo, não é a presente. A suspensão do prazo de prescrição ocorre quando - e por - existir também a corresponde suspensão da cobrança da dívida;
22.a) O regime jurídico está pensado com um verdadeiro sistema de check and balance, porquanto permite ao sujeito passivo acionar os meios de garantia que a lei coloca à sua disposição - reclamação, impugnação, recurso ou oposição - desde que se encontre assegurada a suspensão da cobrança da dívida, não prejudicando, assim, o corresponde direito da entidade pública;
23.a) Por outras palavras, estando a entidade pública impedida ou impossibilitada de proceder à cobrança do crédito em determinados períodos, os mesmos não relevam para efeitos de contagem do prazo de prescrição, sob pena de conceder um benefício injustificado ao sujeito passivo, já que o prazo útil, em que a entidade pública poderia efetivamente cobrar a dívida, seria substancialmente reduzido em relação ao que a lei prevê;
24.a) O sentido da lei tem que ser interpretado, concedendo ao recorrido IFAP um prazo de cobrança coerciva que terminou a 29.05.2016, pois só assim é dado cumprimento e sentido útil à parte final do n.º 4, alínea b), do artigo 49.º da LGT;
25.a) O Tribunal a quo aplicou, ao invés e sem explicar a razão desta prioridade, as normas de caráter geral, previstas nos artigos 326.º e 327.º do Código Civil;
26.a) Com o devido respeito, entende o ora Recorrente que o Tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação e aplicação do direito, ao considerar, a fls 20 e 21, os n.os 1, 2 (já revogada) e 3 do artigo 49.º da LGT, mas nada diz quanto ao n.º 4, que consistiu no argumento legal, central, aduzido pelo ora Recorrente;
27.a) A lei não salvaguarda os interesses da entidade pública quando a mesma não se encontra impedida ou impossibilitada de proceder à cobrança do crédito;
28.a) Por outro lado, todos os acórdãos mencionados na sentença - acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.05.2017, tirado no processo n.º 0452/17, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.03.2019, tirado no processo n.º 01437/18.4BELRS, mas também outros como o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.09.2017, tirado no processo n.º 01067/16, tirado no processo n.º 01035/18.2BEAVR - assentam na existência de uma quantia em execução fiscal;
29.a) Sendo aí correto o entendimento segundo o qual o efeito duradouro da prescrição obsta a que corra novo prazo de prescrição enquanto se mantiver pendente o respetivo processo;
30.a) Não se logrou encontrar na jurisprudência uma situação em que a entidade pública não tenha efetuado a execução fiscal para cobrança do seu crédito. Contudo, os seguintes arrestos reforçam o entendimento de apenas existir suspensão da interrupção quando existe efeito suspensivo no processo executivo: acórdãos do STA de 12.10.2016, tirado no Proc.º 0935/16 e de 08.05.2013, tirado no Proc.º 0629/13;
31.a) Entendimento que também é sufragado pela doutrina. Neste sentido Sérgio Gonçalves do Cabo «A administração fiscal só é penalizada sempre que a paragem do processo lhe seja imputável» (Nota sobre a prescrição de obrigações tributárias, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano III, n.º 3 (Outono 2010), pp.269-290).;
32.a) Em conclusão, verifica-se que, em 29.05.2016, 20.04.2017 e 31.05.2018, ocorreu a prescrição do pagamento dos encargos de produção relativos, respetivamente, às campanhas 07/08, 08/09 e 09/10, uma vez que não ocorreu suspensão da cobrança das dívidas, prerrogativa necessária para conferir suspensão ao prazo de prescrição.
33.a) Pelo exposto e com o devido respeito, a sentença proferida pelo Tribunal a quo enferma de uma errada interpretação e aplicação do direito, mais precisamente do artigo 49.º, n.º 4, alínea b), da LGT. // Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, com o reconhecimento da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.»
X
O recorrido IFAP apresentou contra-alegações, conforme segue:
«1a Os presentes autos respeitam a 3 Impugnações Judiciais, instauradas pela S............ contra o...
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