Acórdão nº 878/21.4T8ABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14-09-2023

Data de Julgamento14 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão878/21.4T8ABT.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 878/21.4T8ABT.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. AA, interessada no processo de inventário acima identificado, em que foi requerente e é cabeça-de-casal BB, notificada do despacho determinativo da partilha e das quotas ideais das interessadas proferido em 23.02.2023, apelou, finalizando a respetiva minuta recursória com as seguintes conclusões:
«1- O único bem a partilhar é a verba nº 1 — Dinheiro.
2- Os restantes bens foram objecto de uma partilha em vida e a verba nº 2 é parte integrante da verba nº 22 dos bens doados à recorrente.
3- Nenhum dos interessados pretende a restituição dos bens à massa da herança.
4- A avaliação efectuada aos bens doados violou o disposto no artigo 2109º e 2162º do Código Civil, pois teve em consideração o valor à data da perícia e não o valor à data da morte do de cujus.
Motivo, pelo qual, o Tribunal ao decidir partilhar os bens constantes das verbas 3 a 22 violou o disposto no artigo 2104º, 2109º nº 1 e 2172º todos do Código Civil, devendo, pois ser revogado o douto despacho que determinou o valor dos bens a partilhar no montante de 1004.112,04 € para um outro que fixe o valor de bens a partilhar no montante de 35.354,79 €.».

2. A cabeça-de-casal apresentou contra-alegações, concluindo que:
«1ª A relação de bens dos autos está devidamente estabilizada desde a audiência prévia de 10 de Janeiro de 2023.
2ª Os Inventariados outorgaram escritura de “DOAÇÕES”, por conta da quota disponível, e não “partilha em vida”.
3ª O bem imóvel relacionado sob a verba 2 está devidamente autonomizado e, nesse pressuposto, deve ser objecto de partilha entre os interessados.
4ª A avaliação dos bens imóveis foi requerida pelos interessados nos termos constantes da acta de audiência prévia de 23 de Fevereiro de 2022 e determinada por douto despacho que fixou os respectivos quesitos.
5ª O Tribunal não violou qualquer preceito legal, devendo manter-se o douto despacho sob recurso.
6ª A recorrente deve ser condenada em multa, enquanto litigante de má-fé».

3. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objeto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, no caso em apreço, as únicas questões que importa decidir são as de saber se a decisão recorrida enferma ou não de erro na determinação do acervo dos bens a partilhar e do respetivo valor, e se a recorrente deve ser condenada como litigante de má-fé.
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III – Fundamentos
III.1. A tramitação processual relevante para decisão das questões colocadas à apreciação deste Tribunal é a seguinte:
1. Os presentes autos de inventário tiveram início por requerimento apresentado em 11.11.2014 pela cabeça-de-casal, no cartório notarial, com vista à partilha da herança aberta, por óbito de BB e de CC.
2. Com o requerimento inicial a requerente juntou escritura lavrada em 02.07.2002, no Cartório Notarial ..., intitulada “DOAÇÕES”, na qual constam identificados vinte prédios que CC e BB, «pela presente escritura, por conta da quota disponível», declararam doar nos termos que ali especificaram, às suas filhas BB e AA, que aceitaram «as presentes doações nos termos exarados, na parte a que a cada uma respeita».
3. A cumulação de inventários foi permitida, «nos termos das alíneas a) e b) do artigo 18º do RJPI, porquanto os bens serão repartidos pelas mesmas pessoas e são heranças deixadas pelos dois cônjuges».
4. A cabeça-de-casal prestou declarações nas quais referiu que os inventariados fizeram «doações, por conta da sua quota disponível», e «que os bens a partilhar são constituídos por dinheiro e imóveis adquiridos a título oneroso, na constância do matrimónio».
5. Por requerimento apresentado em 03.12.2014, a cabeça-de-casal apresentou a relação de bens, indicando como ativo a verba um, dinheiro, então com o valor de €35.354,79, e a verba n.º 2 descrita como “Prédio urbano sito em ..., União das Freguesias de São Facundo e Vale das Mós, concelho de Abrantes, composto de casa de habitação com um piso, com a superfície coberta de 120 m2, a confrontar de Norte, Sul, Nascente e Poente com AA, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...70 da União das Freguesias de São Facundo e Vale das Mós, anteriormente inscrito sob o artigo ...98 da freguesia de São Facundo, omisso na Conservatória do Registo Predial de Abrantes, com o valor patrimonial de €5.880,00”.
6. Notificada da junção da relação de bens, a interessada AA, deduziu reclamação contra a relação de bens apresentada, aduzindo, na parte ora relevante que «A) Falta relacionar os bens doados constantes da escritura de doação – Doc. 1, lavrada aos 2/07/2012», identificando seguidamente os vinte imóveis referidos naquele documento.
Mais aduziu que «o prédio identificado na verba n.º 2 não existe como casa de habitação. É uma dependência agrícola do prédio misto identificado como verba n.º 15, dos bens doados, fica no meio do mesmo (…) Devendo a cabeça-de-casal pedir a sua eliminação como prédio urbano autónomo».
7. Notificada para o efeito, pronunciou-se a cabeça-de-casal dizendo que:
«1º A cabeça-de-casal juntou aos autos a fls. a escritura de doações celebrada no Cartório Notarial ... em 2 de Julho de 2002 e, em anexo, apresenta a relação de bens doados, para que se tenha em consideração. (…)
3º A interessada reclamante bem sabe que o prédio urbano relacionado sob a verba dois do Activo tem existência tal como vem descrito na Relação de Bens e deverá ser objecto de partilha, conforme esteve para o ser em escritura de partilha e só o não foi porque a reclamante não cumpriu com a sua parte para com a cabeça-de-casal».
E concordantemente apresentou relação de bens mantendo as verbas n.ºs 1 e 2 e adicionando o elenco dos imóveis descritos na escritura de doação.
8. Produzida a prova indicada, por decisão proferida em 22 de março de 2016 foi julgada parcialmente procedente a deduzida reclamação à relação de bens, decidindo-se:
«a) Determinar a inclusão dos bens doados na relação de bens;
b) Determinar que não sejam relacionados quaisquer bens móveis;
c) Determinar que não seja eliminada a verba dois da relação de bens».
9. Em 10.05.2016, foi proferido o seguinte despacho:
«Na sequência da mencionada decisão de 22/03/2016 e determinado o prosseguimento dos autos, deve a Relação de Bens ser corrigida em conformidade e marcada a Conferência Preparatória.
Pelo que,
A) DETERMINO que a Relação de Bens a ser considerada para efeitos de Partilha é a junta em 29/01/2016, depositada com o nº 152897, com 22 verbas, com a necessária correcção de valores, nas verbas doadas, uma vez que os valores indicados são os alores patrimoniais tributários para IMI e os a serem tomados em consideração são os valores patrimoniais tributários para IMT,
Assim, corrigem-se aqueles valores nos seguintes termos: [(…) omite-se a discriminação dos valores parcelares relativos a cada uma das verbas]
TOTAL -----------------------------------143.898,85 € (…)
B) DETERMINO a correcção do valor do Inventário:
O processo deu entrada com o valor de 5.000,01€.
Da relação de bens apresentada resulta um valor de pelo menos 143.898,85 €.
Daí que o valor do processo deverá ser corrigido, desde já, para 143.898,85 €.
II)
Não existem quaisquer outras questões susceptíveis de influir na partilha e os bens a partilhar estão determinados, pelo que, nos termos do artigo 47º do RJPI:
DESIGNO o dia (…) para a realização da conferência preparatória, a qual terá como objecto:
-Designar as verbas que devem compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um dos interessados e os valores por que devem ser adjudicados;
-Indicar as verbas ou lotes e respectivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objecto de sorteio pelos interessados;
-Acordar na venda total ou parcial dos bens do património comum e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados;
Estas diligências podem ser precedidas de avaliação, requerida pelos interessados ou oficiosamente determinada pelo Notário, destinada a possibilitar a repartição igualitária e equitativa dos bens».
10. Por requerimento apresentado na conferência preparatória, a interessada AA «requereu nos termos do número 2 do artigo 48º a avaliação dos bens a partilhar de forma a possibilitar a repartição igualitária e equitativa dos bens pelas interessadas», o qual não mereceu oposição da cabeça-de-casal, e apesar de a requerente não ter procedido ao pagamento de honorários devido, o que inviabilizaria o início da conferência, foi logo deferido por motivo de economia processual com o fundamento de que também podia ser oficiosamente determinado.
11. Na sequência de notificação para o efeito, em 08.06.2016, a cabeça-de-casal juntou relação de bens renumerada e com os valores corrigidos constantes do despacho de 10.05.2016.
12. Após notificação, a interessada AA veio apresentar nova reclamação, quanto às verbas 9, 11 e 13 e reclamar a inclusão do pagamento de benfeitorias por si efetuadas no valor de € 29.457,90, invocando que «estas benfeitorias são agora reclamadas porque foi ordenado oficiosamente a avaliação dos bens doados e as benfeitorias efetuadas estão incorporadas nos prédios e aumentaram o seu valor». Veio ainda posteriormente apresentar nova reclamação à composição da verba n.º 22, a qual veio a ser deferida por despacho constante da ata de produção de prova de
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