Acórdão nº 8755/15.1T8VNF-J.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06-05-2021

Data de Julgamento06 Maio 2021
Número Acordão8755/15.1T8VNF-J.G1
Ano2021
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

A «X, Lda», sociedade comercial, com sede na Rua ... Peso da Régua, veio a 11-9-2020, intentar ação declarativa de verificação ulterior de créditos contra a Massa Insolvente de «Y- Artigos para o Lar, Lda», credores da massa e a insolvente, pedindo que seja reconhecido o crédito da A no montante de € 500,000,00 e graduado como privilegiado.
Alegou para o efeito (em requerimento rectificativo de 30.10.2020), em súmula que, em 2006 os sócios da insolvente «Y» deliberaram a realização de «Prestações suplementares de Capital» no montante global de 500.000,00€, e em 2011 deliberaram a partilha em vida – doação a descendentes das prestações suplementares de capital de que eram titulares os sócios naquele montante, pelo que em 23.03.2011 celebraram contrato de doação a descendentes de parte do valor de prestações suplementares de capital no montante de 200.000,00€.
Em 26 de março de 2012 celebraram um contrato promessa de dação em pagamento da dívida existente, entre a insolvente e as sócias da aqui autora, em virtude do incumprimento no pagamento das prestações suplementares de capital e para integral ou parcial pagamento, a insolvente prometeu dar em pagamento a Fração sita da Rua ….
Em 21 de fevereiro de 2014, reuniram em assembleia geral extraordinária, as sócias da reclamante para deliberar sobre a entrada e realização de prestações acessórias de capital de carácter não pecuniário e de modo gratuito, do crédito pertencente às sócias da X A./reclamante na qualidade de cedentes da devedora Y. Em 25 de março de 2014, foi realizado o contrato de prestações acessórias gratuitas com a cedência de imóvel para entrada a título de prestações acessórias gratuitas, da insolvente para a ora autora e reclamante, transmitindo a propriedade e a posse sobre o mesmo, conferindo-lhe um direito de retenção, não obstante a resolução do negócio a favor da massa insolvente, mormente por força das benfeitorias realizadas no valor de 280.000,00€, o que conjuntamente com os 200.000,00€ do contrato de cedência, perfaz os 500.000,00€ que reclama nestes autos.
Invoca por último que é com o cancelamento do registo de aquisição do imóvel a favor da autora que se inicia o prazo de três meses a que alude o artigo 146º n.2 al. b) do CIRE.

Lavrado termo de protesto a que alude o artigo 146º, nº3 CIRE e citados, a massa insolvente, os credores e a devedora para, querendo, contestarem a acção no prazo legal, e, não tendo sido deduzida oposição, foi a autora notificada para, nos termos do disposto no artigo 3º, nº3 do CPC por força do artigo 17º CIRE, se pronunciar, querendo, sobre a prescrição do direito de requerer a verificação do crédito invocado nos termos do artigo 146º, nº2, al. b) do CIRE, tendo esta, em resposta, pugnado pela tempestividade do exercício do direito.
Por decisão proferida nos autos- ref.ª elect. 171296150- em sede de saneador sentença, foi decidido declarar a preclusão, pelo decurso do prazo, do direito da A, «X, Lda» de intentar a presente acção a pedir a verificação ulterior do seu crédito aqui peticionado sobre a insolvente «Y- Artigos para o Lar, Lda.», e em consequência, absolvidas as RR do pedido.

Não se conformando com tal decisão, veio a autora «“X, Ldª”», apresentar o presente recurso, apresentando “conclusões” que são no essencial a repetição das alegações, e que dada a simplicidade da questão, de forma a evitar maior delonga na apreciação da apelação, se transcrevem:

I. O presente recurso incide sobre a sentença proferida, no âmbito da qual entendeu o douto Tribunal que a Recorrida não está em tempo de vir pedir a verificação ulterior de créditos por já terem decorrido mais de seis meses desde a declaração de insolvência.
II. Citada a Ré nos termos do disposto no art.º 228. ° do Código de Processo Civil, para contestar, querendo, a presente ação, com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo(s) Autor (es) - art.os 146.°, n.º 1 e 148.° do CIRE, a Ré não contestou, no prazo devido.
III. Resulta da Sentença ora recorrida que é julgada procedente a exceção perentória de caducidade do direito de ação, contudo, exceção nunca alegada pela contraparte ..
IV. Sucede que, a Recorrente não pode concordar com o entendimento sufragado pelo douto Tribunal a quo, porquanto a sentença recorrida incorre em violação da lei, sendo manifestamente inadequada e desatualizada em face do entendimento doutrinal e jurisprudencial português dominante, culminando num resultado contrário ao espírito legislativo, devendo, pois, ser revogada e em consequência ser declarado reconhecido o crédito reclamado.
V. A ação de verificação ulterior de créditos é uma ação de natureza autónoma ao processo de insolvência.
VI. O prazo de propositura da ação a que se refere o artigo 146. °, n.º 2, al, b) do CIRE é um prazo de caducidade de natureza substantiva cujo transcurso não é de conhecimento oficioso.
VII. Ademais, os prazos de seis meses e três meses estabelecidos na transcrita alínea b) do n.º 2 do art.º 146.° do CIRE, aplicam-se ao caso de reclamação de novos créditos, deixando, porém, tal preceito indefinida a natureza e o regime do prazo em causa.
VIII. O prazo para a propositura da ação de verificação ulterior de créditos tratando-se de prazo de caducidade, e cujo crédito se encontra em domínio não excluído da disponibilidade das partes, não é suscetível de ser apreciado oficiosamente.
IX. Devendo consequentemente a sentença recorrida ser revogada, sendo substituída por uma que declare inteiramente procedente o pedido da Recorrida.
X. Por sua vez, a caducidade só é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo SE se tratar de matéria excluída da disponibilidade das partes, pois que, não o sendo, atento ao seu n." 2, se aplica, sem mais, o previsto no art.º 303.°, segundo o qual, a procedência da mesma, dependerá, somente, da respetiva invocação por aquele a quem aproveita.
XI. Para além disso, em matéria de verificação ulterior de créditos, no processo de insolvência, não existe norma expressa ou implícita da qual se possa deduzir a possibilidade de conhecimento oficioso da caducidade do direito de instaurar a ação.
XII. Andando maio douto Tribunal a quo, quando apreciou a mencionada exceção, sem que a mesma tivesse sido invocada pelas partes a quem aproveitaria, que nem sequer contestaram o pedido deduzido pela Autor.
XIII. É que a exceção de caducidade, quando em matéria de direitos disponíveis, é insuscetível de conhecimento oficioso, é esse o entendimento na doutrina de L. Carvalho Fernandes e J. Labareda, bem como PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Salvador Costa e Luís M. Martins.
XIV. Segundo os quais, é sabido que os prazos para a proposição de ações são prazos sujeitos a caducidade, salvo referência expressa à prescrição (art,º 298.°, n.º 2, do CC). O que quer dizer que o prazo fixado no referido art.º 146.°, n.º 2, b), do CIRE é um prazo de caducidade.
XV. E, como tal, está sujeito à aplicação do regime previsto no art. ° 333. ° do CC, segundo o qual - seu n. ° 1 - a caducidade só é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, pois não o sendo - seu n.º 2 - é aplicável à caducidade o disposto no art.º 303.°, ou seja, dependerá da respetiva invocação por aquele a quem aproveita.
XVI. Acórdão Tribunal Relação do Porto de 11-09-2014 no âmbito do Proc. 1218/12.9TJVNF-AB.P1 e de 17-06-2104 no âmbito do Proc. 1218/12.9TJVNF-Q.P1, segundo os quais: "O prazo previsto no arfo o 146.°, n. o 2, al. b) do CIRE é um prazo de caducidade que não pode ser conhecido oficiosamente, por este estar previsto em matéria excluída da disponibilidade das partes, pelo que o eventual decurso daquele prazo não pode constituir fundamento de indeferimento liminar da petição inicial da ação de verificação ulterior de créditos, instaurada ao abrigo do disposto no n. o 1, daquele preceito."
XVII. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-03~2018, in Processo 674/16.0T8GMR-L.G1, onde menciona no sumário: " O Prazo previsto no art. º 146.º n. º 2 al. b) do CIRE é um prazo de caducidade que não pode ser conhecido oficiosamente, por estar previsto em matéria não excluída da disponibilidade das partes. "
XVIII. Neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 21/02/2013, processo 2981/11.0TBSTS-G.P1 (Carlos Portela), da Relação de Guimarães de 06/02/2014, processo 1551/12.0TBBRG-C.G1 (Estelita de Mendonça), da Relação de Coimbra de 25/10/2016, processo n." 600/14.1TBPBL-E.C1 (Moreira do Carmo), todos em WW\V.dgsi.pt.
XIX. Em face do supra exposto e atenta a motivação aduzida, vastamente comprovada e legal e jurisprudencialmente fundamentada, fica por demais demonstrada a incorreção da sentença proferida, tendo o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo andado mal quando apreciou oficiosamente o prazo de caducidade previsto no art.º 146.°, n.º 2, al, b) do CIRE.
XX. Decorre do que acabamos de expor que o Tribunal a quo, tendo considerado que se tratava de um prazo de caducidade, não podia conhecer oficiosamente do mesmo, devendo aguardar a sua eventual invocação, para se pronunciar.
XXI. Pensamos tratar-se de um prazo de caducidade, sujeito às normas dos art. o 298.º, n, º 2 e 333.º, n. º Z do Código Civil.
XXII. Enfermando, por essa via a decisão recorrida de erro quer na aplicação de direito, quer na aplicação de jurisprudência, não estando de encontro ao normativo legal aplicável, bem como ao entendimento jurisprudencial mais recente sobre o caso em apreço.
XXIII. Ademais, a Recorrente alegou que a constituição do seu crédito apenas se deu aquando do registo de apreensão do imóvel.
XXIV. Assim sendo e porque se está perante um direito de crédito sobre a...

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