Acórdão nº 87-A/2000.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 15-04-2013
Judgment Date | 15 April 2013 |
Acordao Number | 87-A/2000.P1 |
Year | 2013 |
Court | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso de Apelação
Processo nº 87-A/2000.P1
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. Apelante- B….., residente na Suíça (…-… …, em Genève);
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. Apelado- C…….., residente no … nº …, …., em Santa Iria de Azóia.
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SUMÁRIO:
I – São internacionalmente competentes para julgar uma acção de alteração de regulação do exercício de responsabilidades parentais, no quadro de aplicação da Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961, os tribunais do país da residência habitual do menor (artigos 1º e 13º da convenção);
II – Essa atribuição de competência é porém excluída se comportar uma notória incompatibilidade com regras ou princípios de ordem pública (artigo 16º da convenção);
III – Se a acção é interposta pelo progenitor, que reside com o filho na Suíça, contra o outro progenitor, residente em Portugal, e sob a alegação de que este sempre se desinteressou pelo destino do filho, que apenas viu no dia do nascimento, não é razoável inferir que a atribuição de jurisdição à ordem jurídica suíça seja manifestamente incompatível com a ordem pública portuguesa.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
1. A instância da (nova) regulação da responsabilidade parental.
B….. requereu, no tribunal da comarca de Valpaços, contra C…., a alteração de regulação do poder paternal relativamente à filha de ambos D….., nascida no dia 2 Fev 2000.[1]
Invocou a precedente regulação, obtida por acordo e sentença homologatória, de 20 Out 2000, no mesmo tribunal; mediante a qual a criança ficou entregue ao seu cuidado, em Valpaços. O requerido, a residir nos arredores de Lisboa, nunca se interessou pela filha; e nem com ela mantém qualquer laço de afecto. Acontece que, entretanto, (a requerente) contraiu casamento e, com o marido, emigrou para a Suíça; onde se fixaram desde Ago 2010; com a D...... e um filho do casal, mais novo. O núcleo familiar, assim constituído, vive agora harmoniosamente; e a D...... integrou-se no sistema suíço de ensino. Termina a pedir que se lhe mantenha a atribuição da guarda efectiva da filha e se lhe atribua singularmente o exercício do poder paternal, com exclusão de interferência do requerido em quaisquer questões; bem como, que se elimine em absoluto o regime de visitas; e que se aumente a pensão de alimentos.
A instância da (nova) acção desenvolveu-se.
O requerido foi citado; mas não se pronunciou.
Teve lugar uma conferência;[2] e foi ordenado inquérito.
Fixou-se um regime provisório;[3] estabelecendo a residência da criança com a requerente e atribuindo-se-lhe, em exclusivo, o exercício das responsabilidades parentais; bem assim, regulando as visitas e os alimentos.
2. A questão da (in)competência internacional.
2.1. No intermédio, o Ministério Público pronunciou-se.
No essencial, invocou ter a D...... residência habitual na Suíça desde Ago 2010, assim acontecendo à data da interposição da acção; dessa forma acarretando a incompetência internacional dos tribunais portugueses e, por arrastamento, a absolvição do requerido da instância.
2.2. A requerente foi ouvida.
Disse que ela própria, como a filha, mantêm ligação com o território nacional, sendo que, quando se deslocam a Portugal e aqui permanecem, quanto mais não seja para o período de férias, é na … comarca de Valpaços que têm residência sendo que outra não se lhes conhece em território português; ainda que com a acção visou informar formalmente o requerido que a menor se encontra a residir na Suíça. Invocou, para sustentar no caso a competência internacional dos tribunais portugueses, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2010 (proc.º nº 870/09.7TBCTB.C1.S1). E terminou a pedir a declaração de competência do tribunal de Valpaços; e o seguimento do processo.
2.3. O tribunal decidiu a questão da (in)competência internacional.
Além do mais, considerou assim:
« ...
... na data em que foi instaurada a acção de alteração do exercício das responsabilidades parentais (24.05.2011) – momento relevante para efeito de determinação da competência – a menor D...... tinha e tem a sua residência habitual na Suíça, como expressamente reconhece a requerente no seu requerimento inicial ... .
...
Ora, sendo na Suíça a residência habitual da menor, na data da instauração da acção, são as autoridades daquele país, nos termos do artigo 65º, nº 1, do Código de Processo Civil, e dos artigos 1º e 13º da Convenção de Haia de 1961, as internacionalmente competentes para a acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à menor … .
… »
E a respeito do acórdão invocado do tribunal supremo:
« ...
... o incidente de alteração aí em causa foi proposto pelo progenitor que não consentiu na ida da menor para a Suíça. Aqui foi a própria requerente quem levou a menor para a Suíça, aí permanecendo com ela a residir. Esta circunstância permite afastar, na nossa óptica, a aplicação do entendimento sufragado no douto Acórdão.
De facto, o afastamento da regra da Convenção que estabelece a competência em razão da residência habitual foi determinada pelo Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 16º, ou seja, porque a sua aplicação se revelou incompatível com a ordem pública. E essa incompatibilidade emergiu do facto de a requerida nesse processo ter ido residir com a menor para a Suíça, à revelia do aí requerente, violando o dever de informação previsto no artigo 1906º do Código Civil, tendo sido proposto o incidente pelo progenitor que não consentiu na viagem para a Suíça. Ora, no caso dos autos, foi a requerente quem levou a menor para a Suíça, não se nos afigurando que a aplicação da Convenção seja contrária à ordem pública. »
Em suma; terminando a declarar “a incompetência absoluta do tribunal judicial de Valpaços, por infracção das regras de competência internacional, para conhecer da presente acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais” e “absolvendo […] o requerido da instância. ».
3. O recurso de apelação.
3.1. A requerente não se conformou com esta decisão; e apelou.
Elaborou alegação; e findou-a com as seguintes conclusões:
a) A recorrente, o recorrido e a menor são todos cidadãos de nacionalidade portuguesa, sendo que à data em que os presentes autos de alteração das responsabilidades parentais foram intentados, a primeira e a menor tinham residência permanente na Suíça e o segundo em território português, sendo que a última residência que se lhe conhece é na comarca de Valpaços;
b) A recorrente intentou os presentes autos, entre outras finalidades, com a finalidade principal de dar a conhecer, de informar formalmente o recorrido que, a menor se encontra a residir consigo na Suíça, por um lado para que, o interesse da criança fique salvaguardado no âmbito da referência parental masculina caso o seu progenitor se decida iniciá-la e, por outro lado, para cumprir formalmente, com o “dever de infor-mação” a que está obrigada nos termos do disposto no artigo 1907º, nº 6, do CC e, obter pela via judicial, o consentimento escrito para residir no estrangeiro com a menor, exibindo-o às autoridades suíças quando assim lhe exigem, dada a ausência do conhecimento do paradeiro do recorrido para obter o aludido consentimento;
c) Foram recebidos os autos pelo tribunal a quo que ordenou a citação do recorrido, proferiu despacho a designar data para realização da conferência a que alude o artigo 175º da OTM, realizou-se a aludida conferência ordenando elaboração de rela-tório socio-económico, através de carta rogatória a expedir para a justiça suíça e através da APPASSI atenta a residência da recorrente e da menor, foi exarado despacho em que provisoriamente se regularam alterações às responsabilidades parentais, tendo o aludido despacho transitado em julgado e sem que o aludido tribunal jamais tenha declarado a sua incompetência absoluta, por infração das regras de competência internacional, como
oficiosamente a tal estava legalmente obrigado;
d) Fez-se “caso julgado” quanto à competência internacional do tribunal a quo por já existir nos autos decisão proferida sobre o fundo da causa, ainda que a título provisório, ficando afastada no caso concreto a possibilidade de se suscitar, ainda que oficiosamente, em momento posterior dos autos a incompetência internacional do tribunal a quo por violação do disposto no artigo 102º, nº 1, in fine, do CPC;
e) O despacho que designou data para a realização de conferência equivale a um despacho saneador em que o tribunal não pode deixar de aferir oficiosamente da sua incompetência internacional se a mesma se verificar, sendo que, nada tendo sido referindo a este propósito, ainda que tacitamente, o tribunal a quo declarou-se competente para a acção. Tal assim deverá ser entendido porque os autos de alteração das responsabilidades parentais, enquanto processos de jurisdição voluntária têm regras próprias e tramitação diversa da do processo comum, sendo de se lhes aplicar as regras elencadas na OTM e as contempladas nos artigos 1409º e seguintes do CPC, pelo que, inexistindo nestes processos despacho saneador depois dos articulados, o despacho que designar data para a realização de conferência é o despacho em que o tribunal faz o saneamento de todas as questões que oficiosamente se possam suscitar nos autos;
f) Verificando que no caso sub judice a recorrente, a menor e o recorrido são todos cidadãos portugueses e que apenas o último residirá em território português, por respeito à teleologia inerente ao artigo 155º, nº 5, da OTM que, relativamente a menores que residem no estrangeiro, tem como última ratio o critério da residência do requerido em território português para atribuir jurisdição aos tribunais nacionais, terá que se considerar o tribunal a quo competente, como forma de salvaguarda de o recorrido, enquanto cidadão nacional a ver garantido o exercício do “direito de informação” plasmado no artigo 1907º, nº 6, do CC, o...
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