Acórdão nº 854/19.7T8OLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09-05-2024
Data de Julgamento | 09 Maio 2024 |
Número Acordão | 854/19.7T8OLH.E1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Processo nº 854/19.7T8OLH.E1
Tribunal Recorrido: Tribunal da Comarca ... – Juízo de Competência..., Juiz ...
Recorrentes: AA, BB e CC
Recorrida: sucessores incertos de DD (representados por defensora oficiosa) e herdeiros desconhecidos de EE (representados pelo Ministério Público)
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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,
I. RELATÓRIO.
AA, BB e CC (habilitados em substituição da Autora inicial, FF...), o primeiro viúvo e os segundos solteiros, figuram como Autores na presente ação de processo comum, na qual figuram como Réus, os sucessores incertos de DD (representados por defensora oficiosa) e os herdeiros desconhecidos de EE (representados pelo Ministério Público), peticionando os primeiros que se declare o imóvel melhor identificado nos autos adquirido por usucapião.
Para tanto, a Autora inicial alegou, em síntese, que reside na Rua ..., nº..., ... ..., desde ../../1974, uma vez que a mesma e a sua “mãe de criação” ocuparam aquele imóvel, sem qualquer título que o legitimasse, tendo posteriormente legitimado tal ocupação junto da Câmara Municipal de ... que emitiu um edital. Mais indica que a sua “mãe de criação” lhe doou verbalmente o imóvel, tendo a Autora inicial feito obras no imóvel e atuando como se o mesmo fosse sua propriedade.
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O Ministério Público apresentou contestação em representação dos herdeiros desconhecidos de EE, requerendo a observação do disposto no artigo 574º, nº4 do Código de Processo Civil.
Pelos sucessores incertos de DD não foi apresentada contestação.
Procedeu-se à realização da Audiência Final, no termo da qual veio a ser proferida sentença em cujo dispositivo pode ler-se:
“Face ao exposto, e de harmonia como o disposto nos preceitos legais que foram supra citados, julga-se a ação parcialmente improcedente e em consequência, decide-se:
- Não decretar a aquisição por usucapião, por parte dos Autores habilitados, do imóvel com o artigo matricial urbano nº ...67 da Freguesia e Concelho ..., sito na Rua ..., ... ...;
- Condenar os Autores no pagamento das Custas do Processo.”
1. O tribunal, na sua sentença considera provados factos, como a convicção de terceiros, e a própria convicção da esposa e mãe dos Recorrentes sobre a Propriedade do imóvel (domínio sobre o mesmo, o pagamento de impostos e a convicção de que era sua propriedade), não pondo em causa a idoneidade, objetividade ou a boa-fé dos depoimentos,
2. E considera não provados factos que foram ditos pelas mesmas pessoas, nos mesmos depoimentos, não se conseguindo perceber, porque não está explicado, o critério de considerar provados e uns não provados outros. – considera não provados factos que consolidariam a aquisição do imóvel por usucapião, sem se perceber porquê – limitando-se a dizer que “não foi produzida prova” – há uma ausência total de fundamentação.
3. Considera factos provados factos como a DD ser vista como a proprietária, tinha o acesso ao mesmo, limpava e pagava os impostos e depois, dá como não provado um facto importantíssimo que é o facto de a DD ter dito a FF que tinha tratado de tudo com os herdeiros de EE, e que o imóvel já era seu, e que tinha havido uma doação de DD a FF
FF – os mesmos conjuntos de factos foram ditos pelas mesmas testemunhas – os que o tribunal considera provados e os que considera não provados.
4. De maneira que os factos dados como não provados deveriam, na opinião dos Recorrentes ter sido considerados provados.
5. Para além disso, entendem os Recorrentes existir uma sucessão de posses (art.º 58 e seguintes do Recurso).
6. A posse contínua nos sucessores do falecido, independentemente da Apreensão material da coisa –
A posse adquire-se pela aceitação e segundo o art.º 1316.º do C.C., o direito de propriedade adquire-se por sucessão por morte.
7. À morte de alguém, sucedem outros que, por novação subjetiva substituem o titular falecido nas situações com relevância jurídica que aquele alguém encabeçava, ainda que, em período transitório, possa haver herança jacente – para se manter a posse, basta que haja possibilidade de a continuar.
8. Os autores Dias Ferreira e Manuel Rodrigues, entre outros, entendem que a expressão ”sucessores” referidos no art. 1255.º do Cód. Cível abrange quer os herdeiros quer os legatários, bem como é a opinião de Pires de Lima e Antunes Varela. E diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a este pertenciam.
9. O domínio e a posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, e é nesse momento que se dá a sucessão na posse, retroagindo os efeitos da aceitação ao momento da abertura da herança.
10. Relativamente ao legatário, Oliveira Ascensão (o. cit,, págs. 420 e sgts.) defende que o mesmo será possuidor desde a aceitação se, então, já detém o senhorio de facto sobre o legado, quer porque o reivindicou quer porque já era possuidor, quer porque já detinha a coisa (embora a posse fosse do de cujus). Ou também o legatário será possuidor desde a abertura da herança se ela é toda dividida em legados (cit. autor., p. 423).
Havendo sucessão na posse do herdeiro ou legatário, a posse do de cujus "continua", ipso jure e automaticamente, no sucessor. E sem, pois, necessidade de apreensão material, e até com desconhecimento da posse anterior. E a posse, em principio, não é "nova": a posse continua a ser a antiga, com todos os seus carateres, de boa ou má-fé, titulada ou não titulada, pacífica ou violenta. A boa ou má-fé que o possuidor tenha, em divergência com a situação do de cujus, equivale á boa-fé superveniente do mesmo possuidor (Pires de Lima e A. Varela, anot. 3, artigo 1255°; vide Menezes Cordeiro, A Posse, 2' ed., p. 109).
11. Todavia, se a posse "continua" no sucessor, nesta passa a haver uma modificação subjetiva, uma novação na titularidade. E, como relação de facto, passa, de facto, também a modificar-se segundo o cunho próprio do sucessor.
Assim, nada impedirá que o sucessor invoque tão-só essa "sua" posse, e com as melhorias que lhe introduziu e desde que não sejam requisitos, necessariamente, reportados à origem da posse (como a boa ou má-fé). Assim, a posse oculta pode passar a pública; a violenta, a pacífica. E, pela "aceitação", passa a beneficiar de justo título, ainda que a do de cujus a não tivesse. Bem como, para efeitos de usucapião, pode o sucessor contar, se o quiser, tão-só com essa posse e sua duração.
12. Todavia, quanto à posse "continuada" do sucessor, já a aceitação da herança ou do legado constituirão um justo título, como mais-valia adquirida na posse que ele, como sua, em senhorio de facto, continua: quer quanto ao legatário quer quanto ao herdeiro. Assim, se o sucessor quer se serve da posse do de cujus, a posse será ou não titulada conforme existia no senhorio do de cujus. Se apenas quer invocar o seu tempo de senhorio, desde que a favor dele se deu a devolução da posse, então, poderá invocar como justo título a aceitação.
Segundo o artigo 1256.°, aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor.
13. Sendo a posse um senhorio de facto, compreende-se que, mesmo tendo por base uma cedência, o senhorio factual antecessor, enquanto tal, se perca [artigo 1267.°, n° 1, c)] e nasça para o sucessor um novo senhorio [artigo 126.°, alíneas b) e c)]. Daí que o artigo 1256.° fale na posse do sucessor e na posse do antecessor: juntando aquele "á sua" "a posse do antecessor". No entanto, se existe urna ligação consequencial legítima entre ambas as posses, também se compreende que elas possam juntar-se para efeitos da contagem do tempo (da anterioridade da posse), relevante quer para efeitos de usucapião (artigo 1287.°) quer a de melhor posse [artigos 1267.°, n° 1, d), e 1278.°, n.°s 2 e 3]. A hipótese do artigo 1256.° é a de ocorrer sucessão na posse por título diverso da sucessão por morte. Pois, nesse caso, valerá o disposto no artigo 1255.° (sucessão na posse), em cujo âmbito se incluíram o herdeiro e o legatário.
14. Contrariamente a tal sucessão por morte, o sucessor na posse por título diverso tem a faculdade de se quiser, juntar à sua a posse do anterior. Ou seja, tal junção não resulta ipso jure e automática. As duas posses não têm de ser absolutamente homogéneas. Pode o que possui na qualidade de usufrutuário juntar "à sua" (posse de usufrutuário) a posse anterior dum proprietário. E um possuidor de má-fé pode juntar uma posse anterior de boa-fé, ou vice-versa, embora em todos os casos considerando-se a posse de má-fé (menor âmbito).
15. Para se configurar a hipótese da acessão do artigo 1256.°, exigem-se dois requisitos. Primeiro, que as posses respetivas sejam consecutivas. Ou seja, que não intermedeie, entre uma e outra, uma posse de terceiro de mais de um ano que faça "perder-se" a posse anterior [artigo 1267.°, n° 1, d)], ou que ao esbulho não se siga uma terceira posse de boa-fé (artigo 1281.°, n° 2). Depois, a posse atual deve, na sua génese e ab initio, ser uma "consequência legítima", à face dos valores da ordem jurídica, da perda da posse anterior.
Bastará, pois, um "vínculo" jurídico entre as duas posses (Manuel Rodrigues o. cit., p. 291): que, no Direito, na globalidade da ordem jurídica, legitime que a posse atual, ah initio e na sua génese, suceda á anterior (que se perdeu).
16. "O fundamento da sucessão das posses é a transmissão da situação jurídica das posses. À acessão das posses é indispensável a existência de um vínculo jurídico por via do qual a situação possessória haja sido regularmente transmitida ao que atualmente a invoca" (Dias Marques, Prescrição, II, p. 96). Assim será na posse consequente à expropriação ou à compra...
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