Acórdão Nº 85/85 de Tribunal Constitucional, 29-05-1985

Número Acordão85/85
Número do processo95/84
Data29 Maio 1985
Classe processualSucessivo
Acórdão 85/85 vedor) requereu ao Tribunal Constitucional por ofício de 18 de Junho de 1984, a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 140º e 141º do Código Penal, na redacção dada pelo artigo 1º da Lei nº 6/84, de 11 de Maio, bem como dos artigos 2º fpires 2 0 2010-11-30T16:43:00Z 2010-11-30T16:43:00Z 2 10211 53828 . 162778 949 213 63960 11.9999

ACÓRDÃO Nº 85/85

Processo nº 95/84.

Plenário.

Relator: Conselheiro Vital Moreira.

Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:

1 — O pedido

1.1 — Objecto do pedido

O Provedor de Justiça (doravante, abreviadamente designado por Provedor) requereu ao Tribunal Constitucional por ofício de 18 de Junho de 1984, a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 140º e 141º do Código Penal, na redacção dada pelo artigo 1º da Lei nº 6/84, de 11 de Maio, bem como dos artigos 2º e 3º desta mesma lei, todos eles respeitantes à exclusão de ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez, pois tais normas violariam várias disposições da Constituição, designadamente o artigo 24ºque garante o direito à vida.

Admitido o pedido, foi a Assembleia da República solicitada, como era devido, através do seu Presidente, a pronunciar-se sobre ele, tendo-se este limitado a oferecer o «merecimento dos autos» no que concerne ao fundo da questão (ofício de 4 de Julho). Estão portanto preenchidos os requisitos para que o Tribunal se pronuncie.

1.2 — Uma questão prévia

Entretanto, no seu requerimento o Provedor suscita, a título de «questão prévia», o problema de saber se o Tribunal Constitucional pode pronunciar-se de novo sobre o assunto que lhe é agora submetido, visto que já se pronunciou sobre a questão da inconstitucionalidade das mesmas normas, em sede de fiscalização preventiva do decreto da Assembleia da República que veio a ser promulgado e publicado como Lei nº 6/84 (Acórdão nº 25/84). Sustenta o Provedor que esse facto não preclude a possibilidade de o Tribunal Constitucional vir a pronunciar-se de novo sobre a matéria.

Tem razão o Provedor na conclusão que tira. Mas não a tem quando fundamenta essa conclusão numa suposta «natureza de mero parecer» que, no seu entender, seria a do referido acórdão deste Tribunal, por ter sido produzido no contexto de fiscalização preventiva da constitucionalidade.

Argumenta assim o Provedor:

O facto de o Tribunal Constitucional se haver pronunciado preventivamente sobre o projecto não obsta, no entanto, a que uma vez promulgada e publicada a lei, possa vir a ser solicitada a fiscalização concreta da constitucionalidade dessa mesma lei. [A expressão «fiscalização concreta» é concerteza um lapso, em vez de «fiscalização sucessiva».]

Na verdade, afigura-se, com efeito, que o Acórdão inicialmente emitido tem a natureza de mero parecer, nos termos do nº 1 do artigo 278º da Constituição da República Portuguesa, nada obstando a que o Tribunal Constitucional, então, em termos de fiscalização superveniente, possa de novo apreciar e declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de uma ou mais normas da lei publicada. (Itálicos originários, salvo o da expressão «mero parecer»)

Há aqui dois equívocos que importa clarificar. Esse texto pressupõe que:

a) Os acórdãos do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização preventiva (ao menos quando não se pronunciem pela inconstitucionalidade) teriam natureza de simples parecer, e que, só por assim ser, é que o Tribunal Constitucional poderia vir de novo a pronunciar-se sobre o mesmo assunto;

b) Aparentemente, isso só aconteceria por o mencionado acórdão ter sido tirado em fiscalização preventiva, e já assim não seria se ele tivesse sido produzido em sede de fiscalização sucessiva.

Como já se demonstrou no Acórdão nº 66/84 do Tribunal Constitucional — onde o Provedor suscitava questão idêntica —, não tem qualquer fundamento válido tal suposição. Primeiro, os acórdãos do Tribunal Constitucional produzidos em sede de fiscalização preventiva não são «meros pareceres»: são decisões com natureza idêntica (embora com diversos efeitos) à dos restantes acórdãos. Quando se pronunciem pela inconstitucionalidade de um diploma (melhor: das suas normas) determinam o seu veto (designadamente pelo Presidente da República), não podendo portanto ele entrar a fazer parte da ordem jurídica, salvo no caso do artigo 279, nº 2, da Constituição (renovação da aprovação do diploma por maioria qualificada); é óbvio que se, nesse caso, o diploma vier a ser promulgado e publicado, apesar da decisão do Tribunal Constitucional, ele não é por isso menos válido, mas também o Tribunal Constitucional não fica impedido de pronunciar-se de novo, se tal se proporcionar, sobre a respectiva constitucionalidade em sede de fiscalização sucessiva.

Em segundo lugar, no caso de acórdãos que não se pronunciem pela inconstitucionalidade, o Tribunal não fica impedido de voltar a pronunciar-se sobre a mesma matéria, quer o acórdão tenha sido produzido em fiscalização preventiva, quer também o tenha sido em fiscalização sucessiva. Isso decorre directamente da natureza do controlo da constitucionalidade, que consiste em apreciar e declarar (ou não) a inconstitucionalidade, e não em declarar a constitucionalidade. Por isso, as únicas decisões do Tribunal Constitucional em matéria de controlo de constitucionalidade que impedem que a questão venha a ser novamente apreciada são as que, em fiscalização sucessiva abstracta, declarem a inconstitucionalidade; mas aí pela simples razão de que então as normas deixam de vigorar, desaparecendo portanto a possibilidade de virem a ser de novo fiscalizadas (cf. artigo 282º da Constituição).

Enfim: a «questão prévia» levantada pelo Provedor é de resolver no sentido por ele proposto, mas não pelos fundamentos aí expendidos.

Por conseguinte, nada impede a admissão do pedido do Provedor e nada obsta a que o Tribunal Constitucional dele tome conhecimento.

Cumpre apreciá-lo.

2 — A solução

2.1 — Fundamentos do pedido

Alega o Provedor que as normas questionadas são materialmente inconstitucionais, violando diversos preceitos e princípios constitucionais, nomeadamente os dos artigos 24º, 9°, alínea b), e 18º, nº 2, da Constituição.

É do seguinte teor o requerimento do Provedor, na parte que aqui interessa:

1ºAnalisando a questão de fundo, conclui-se que o artigo 140º do Código Penal, na forma constante do artigo 1º da Lei nº 6/84, de 11 de Maio, viola várias disposições da Constituição da República Portuguesa.

2ºAo despenalizar o aborto terapêutico, o aborto eugénico e o criminológico o preceito em causa viola, antes de mais, o artigo 24ºda Constituição porque exclui a ilicitude de uma conduta que se traduz na destruição de uma vida humana, que aquela disposição qualifica como inviolável.

Na verdade, no próprio Relatório do Acórdão [o já referido Acórdão nº 25/84, do Tribunal Constitucional] se reconhece que esta disposição constitucional protege toda a vida humana, incluindo a extra-uterina [sic]. Cito «Cremos, porém, que se pode e deve concluir que também essa vida humana intra-uterina está abrangida nesses preceitos e princípios que lhe subjazem» (nº VII do Acórdão).

3° Ofende também o preceituado na alínea b) do artigo 9°, pois, ao invés de garantir um direito fundamental (consignado no artigo 24º), desrespeita-o.

4° Também se tem de considerar violado o nº 2 do artigo 18ºna medida em que se restringe um direito — o direito à vida — o qual só poderia ser restringido «nos casos expressamente previstos na Constituição».

5° É certo que o mencionado nº 2 do artigo 18º, permite a restrição de direitos desde que se limite «ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» mas só no caso do aborto terapêutico, isto é, quando estão em causa a vida da grávida e do feto se enfrenta uma situação de conflito de interesses equiparados.

Nesta hipótese, porém, deverá levantar-se o problema da natureza e de função do direito penal e dos meios que deve utilizar para alcançar os fins que lhe cabe realizar.

Como pertinentemente se põe em evidência no voto de vendio do Exmo Conselheiro Fernandes Afonso (p. 2993 da 2ª série do Diário da República de 4 de Abril de 1984) «... o legislador não podia subsumir a interrupção voluntária da gravidez a causa da justificação do facto. Na verdade, tal interrupção na medida em que representa a eliminação de uma vida humana, a que, obviamente, não pode imputar-se qualquer culpa no surgir do conflito, deve considerar-se ilícita, podendo eventualmente verificar-se apenas, isso sim, a existência de estado de necessidade desculpante, de previsão do artigo 35º do Código Penal».

Acresce, como se refere ainda, no mesmo voto, «que considerando que o compromisso deontológico dos médicos lhes confere o direito de praticarem o aborto terapêutico nas condições estabelecidas no seu código deontológico, não se vislumbra a mínima razão de necessidade de estatuição de tal causa de exclusão da ilicitude do aborto».

6 ° Faltando por completo no conflito de direitos — quando exista...

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