Acórdão nº 8460/22.2T8LRS.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 06-06-2024
Data de Julgamento | 06 Junho 2024 |
Número Acordão | 8460/22.2T8LRS.L1-6 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação de Lisboa |
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I.– Relatório:
C…, S.A., identificada nos autos, apresentou a presente execução para pagamento de quantia certa contra L… Lda., e outros, apresentando como títulos executivos três livranças em que figura como subscritora a executada sociedade e os executados como avalistas, descrevendo no requerimento executivo os contratos que dizem respeito a cada uma das livranças.
Face ao falecimento dos executados P… e M…, no dia 18.07.2023, a exequente foi notificada da decisão de suspensão da instância, nos termos do disposto no nº. 1, al. a) do artigo 269.º do Código de Processo Civil.
Nada mais existindo nos autos, com data de 21/02/2024, foi proferido despacho que julgou deserta a instância com a consequente extinção dos autos, que na parte relevante se fundamentou no seguinte: «(…) Vem a nossa jurisprudência afirmando que não é necessária a audição prévia das partes antes da declaração de deserção – a “penalização” da inércia das partes resulta da lei, relevando, nesta sede, o “princípio da autorresponsabilização das partes”1. Vide – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/20/2021, processo 27911/18.4T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt (que remete para jurisprudência vária, no mesmo sentido).
Conforme se refere, por exemplo, no Acórdão do Tribunal de Guimarães de 05/04/2017 [processo 323/09.3TBTMC-A-G1, in www.dgsi.pt], «da leitura daquele n.º5 do artigo 281º, resulta que a deserção da instância é uma sanção que se aplica à parte que, devendo dar impulso processual, por negligência sua o não faz, determinando a paragem do processo por mais de seis meses. Nele é exigida uma omissão culposa do ónus do impulso processual, da qual resulte estarem os autos parados por mais de 6 meses, sendo evidente que, entre esta paragem e aquela omissão tem de haver um nexo de causalidade adequada».
Analisados os autos verifica-se que:
Em 18/07/2023 o Sr. Agente de execução proferiu decisão de suspensão da execução na sequência do falecimento dos executados M… e P…, tendo a exequente sido notificada da decisão na mesma data.
Até à presente data nada foi requerido pela exequente.
Conclui-se assim que a execução está, de facto, parada, há mais de seis meses, sendo de imputar à exequente omissão culposa do ónus do impulso processual.
Consequentemente, declaro a instância deserta.».
Inconformada veio a exequente recorrer, formulando as seguintes conclusões:
«A)-Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou extinta por deserção a presente ação executiva com fundamento na aplicação automática do artigo 281.º do CPC, expondo que os autos aguardavam impulso processual há mais de seis meses;
B)-A ora Apelante celebrou com os Executados L…, Lda., com M…, P…, D… e M…, no âmbito do qual os outorgantes identificados assumem a qualidade de mutuário e avalistas e, consequentemente, responsáveis solidários de todas as obrigações emergentes dos contratos;
C)-Para garantia das obrigações emergentes dos contratos foram entregues à Apelante três livranças em branco subscritas por L…, Lda. e avalizada por M…, P…, D… e M…;
D)-As livranças entregues à Apelante com os n.ºs …428, …208 e …053, que serviram de base à presente ação executiva;
E)-A 18 de julho de 2023, em consequência do falecimento dos Executados P… e M…, foi a Apelante notificada da decisão do Ilustre Agente de Execução de suspensão da instância, nos termos do disposto no nº. 1, al. a) do artigo 269.º do CPC;
F)-Nesta senda, foi enviada pela Apelante comunicação escrita ao Ilustre Agente de Execução, datada de 16.10.2023, na qual se solicitou o envio do processo de imposto de selo aberto por óbito dos Executados, com vista à identificação dos herdeiros para efeitos de promoção do incidente de habilitação de herdeiros;
G)-O Ilustre Agente de Execução nunca praticou qualquer acto com vista à obtenção da documentação que lhe foi solicitada pela ora Apelante;
H)-No ensejo do exposto, cumpre referir que, a ausência de impulso processual não se verificou por negligência da Apelante, pretendendo a mesma promover o andamento processual deduzindo o competente incidente de habilitação de herdeiros;
I)- Assim, a ausência de impulso processual à mais de seis meses não configura uma atuação negligente por parte da Apelante, não existindo assim fundamento para decretar a instância deserta.».
Não foram juntas contra alegações.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- Ocorrem ou não os pressupostos da deserção da instância executiva.
*
II.– Fundamentação:
Os factos relevantes para a decisão são os referidos e datados no relatório que antecede, cujo teor se reproduz, havendo ainda que considerar que nos autos de execução, entre a data da notificação operada pelo Agente de execução da suspensão da instância por verificação do falecimento dos executados, e o despacho que julgou deserta a instância, nada mais foi praticado ou consta dos autos.
*
III.– O Direito:
A questão essencial a decidir é saber se ocorre a deserção da instância, sustentando a recorrente que inexiste negligência que lhe possa ser imputada, pois argumenta que após a suspensão da instância por falecimento de dois dos co-executados, a mesma enviou comunicação escrita ao Agente de Execução, datada de 16.10.2023, na qual solicitou o envio do processo de imposto de selo aberto por óbito dos Executados, com vista à identificação dos herdeiros para efeitos de promoção do incidente de habilitação de herdeiros.
Alude ainda a exequente que o Agente de Execução nunca praticou qualquer acto com vista à obtenção da documentação que lhe foi solicitada, concluindo pela ausência da sua parte de uma actuação que possa configurar uma actuação negligente, concluindo que não existe, assim, fundamento para declarar a instância deserta.
Na apreciação da questão haverá que considerar a ausência total nos autos de qualquer comunicação efectuada pela exequente, ou pelo agente de execução, bem como igualmente a falta de qualquer requerimento onde fosse denunciada tal ausência de resposta.
Ora, dispõe o artigo 281º do Código de Processo Civil, relativo à deserção enquanto causa de extinção da instância ou recursos, que:
1–Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
2–O recurso considera-se deserto quando, por negligência do recorrente, esteja a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
3–Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
4–A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.
5–No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Nos termos de tal preceito, para que a deserção se tenha por verificada, haverá a necessidade de que essa circunstância se deva a uma falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes, devendo considerar-se irrelevante, para esse efeito, a falta de impulso processual que seja imputável ao agente de execução.
As omissões do agente de execução não se repercutem na posição processual do exequente, pois é a inércia deste que deve ser valorada para efeitos de deserção e não a daquele (cfr. Abrantes Geraldes; Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, in Código de Processual Civil Anotado, vol. I, 2018, 331; Ac. do TRE de 23/03/2017 no processo n.º 3133/07.9TJLSB.I.E1 disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, no caso da ação executiva, é conhecido o papel de relevo desempenhado pelo agente de execução, como se alcança designadamente do disposto no art. 719.º do CPC e dos artigos 162.º e 168.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14-09).
Como bem se alude no acórdão da Relação de Guimarães de 30/05/2018 (Proc. nº 438/08.5TBVLN.G1, in www.dgsi.pt) “ No actual regime desjudicializado do processo executivo, cabendo em regra ao agente de execução promover o seu regular andamento - actuando como profissional liberal e em nome do Tribunal que o haja nomeado -, a omissão do cumprimento de um concreto dever que lhe seja cometido para aquele efeito, não pode ser feita recair automaticamente no exequente, como incumprimento de um dever próprio de impulso processual, por o agente de execução não ser seu representante, nem por si contratado (art. 719º, nº 1 do C.P.C.).”. Logo, “só perante a comunicação que seja feita ao exequente da indevida inércia do agente de execução, se constitui o...
I.– Relatório:
C…, S.A., identificada nos autos, apresentou a presente execução para pagamento de quantia certa contra L… Lda., e outros, apresentando como títulos executivos três livranças em que figura como subscritora a executada sociedade e os executados como avalistas, descrevendo no requerimento executivo os contratos que dizem respeito a cada uma das livranças.
Face ao falecimento dos executados P… e M…, no dia 18.07.2023, a exequente foi notificada da decisão de suspensão da instância, nos termos do disposto no nº. 1, al. a) do artigo 269.º do Código de Processo Civil.
Nada mais existindo nos autos, com data de 21/02/2024, foi proferido despacho que julgou deserta a instância com a consequente extinção dos autos, que na parte relevante se fundamentou no seguinte: «(…) Vem a nossa jurisprudência afirmando que não é necessária a audição prévia das partes antes da declaração de deserção – a “penalização” da inércia das partes resulta da lei, relevando, nesta sede, o “princípio da autorresponsabilização das partes”1. Vide – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/20/2021, processo 27911/18.4T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt (que remete para jurisprudência vária, no mesmo sentido).
Conforme se refere, por exemplo, no Acórdão do Tribunal de Guimarães de 05/04/2017 [processo 323/09.3TBTMC-A-G1, in www.dgsi.pt], «da leitura daquele n.º5 do artigo 281º, resulta que a deserção da instância é uma sanção que se aplica à parte que, devendo dar impulso processual, por negligência sua o não faz, determinando a paragem do processo por mais de seis meses. Nele é exigida uma omissão culposa do ónus do impulso processual, da qual resulte estarem os autos parados por mais de 6 meses, sendo evidente que, entre esta paragem e aquela omissão tem de haver um nexo de causalidade adequada».
Analisados os autos verifica-se que:
Em 18/07/2023 o Sr. Agente de execução proferiu decisão de suspensão da execução na sequência do falecimento dos executados M… e P…, tendo a exequente sido notificada da decisão na mesma data.
Até à presente data nada foi requerido pela exequente.
Conclui-se assim que a execução está, de facto, parada, há mais de seis meses, sendo de imputar à exequente omissão culposa do ónus do impulso processual.
Consequentemente, declaro a instância deserta.».
Inconformada veio a exequente recorrer, formulando as seguintes conclusões:
«A)-Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou extinta por deserção a presente ação executiva com fundamento na aplicação automática do artigo 281.º do CPC, expondo que os autos aguardavam impulso processual há mais de seis meses;
B)-A ora Apelante celebrou com os Executados L…, Lda., com M…, P…, D… e M…, no âmbito do qual os outorgantes identificados assumem a qualidade de mutuário e avalistas e, consequentemente, responsáveis solidários de todas as obrigações emergentes dos contratos;
C)-Para garantia das obrigações emergentes dos contratos foram entregues à Apelante três livranças em branco subscritas por L…, Lda. e avalizada por M…, P…, D… e M…;
D)-As livranças entregues à Apelante com os n.ºs …428, …208 e …053, que serviram de base à presente ação executiva;
E)-A 18 de julho de 2023, em consequência do falecimento dos Executados P… e M…, foi a Apelante notificada da decisão do Ilustre Agente de Execução de suspensão da instância, nos termos do disposto no nº. 1, al. a) do artigo 269.º do CPC;
F)-Nesta senda, foi enviada pela Apelante comunicação escrita ao Ilustre Agente de Execução, datada de 16.10.2023, na qual se solicitou o envio do processo de imposto de selo aberto por óbito dos Executados, com vista à identificação dos herdeiros para efeitos de promoção do incidente de habilitação de herdeiros;
G)-O Ilustre Agente de Execução nunca praticou qualquer acto com vista à obtenção da documentação que lhe foi solicitada pela ora Apelante;
H)-No ensejo do exposto, cumpre referir que, a ausência de impulso processual não se verificou por negligência da Apelante, pretendendo a mesma promover o andamento processual deduzindo o competente incidente de habilitação de herdeiros;
I)- Assim, a ausência de impulso processual à mais de seis meses não configura uma atuação negligente por parte da Apelante, não existindo assim fundamento para decretar a instância deserta.».
Não foram juntas contra alegações.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- Ocorrem ou não os pressupostos da deserção da instância executiva.
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II.– Fundamentação:
Os factos relevantes para a decisão são os referidos e datados no relatório que antecede, cujo teor se reproduz, havendo ainda que considerar que nos autos de execução, entre a data da notificação operada pelo Agente de execução da suspensão da instância por verificação do falecimento dos executados, e o despacho que julgou deserta a instância, nada mais foi praticado ou consta dos autos.
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III.– O Direito:
A questão essencial a decidir é saber se ocorre a deserção da instância, sustentando a recorrente que inexiste negligência que lhe possa ser imputada, pois argumenta que após a suspensão da instância por falecimento de dois dos co-executados, a mesma enviou comunicação escrita ao Agente de Execução, datada de 16.10.2023, na qual solicitou o envio do processo de imposto de selo aberto por óbito dos Executados, com vista à identificação dos herdeiros para efeitos de promoção do incidente de habilitação de herdeiros.
Alude ainda a exequente que o Agente de Execução nunca praticou qualquer acto com vista à obtenção da documentação que lhe foi solicitada, concluindo pela ausência da sua parte de uma actuação que possa configurar uma actuação negligente, concluindo que não existe, assim, fundamento para declarar a instância deserta.
Na apreciação da questão haverá que considerar a ausência total nos autos de qualquer comunicação efectuada pela exequente, ou pelo agente de execução, bem como igualmente a falta de qualquer requerimento onde fosse denunciada tal ausência de resposta.
Ora, dispõe o artigo 281º do Código de Processo Civil, relativo à deserção enquanto causa de extinção da instância ou recursos, que:
1–Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
2–O recurso considera-se deserto quando, por negligência do recorrente, esteja a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
3–Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
4–A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.
5–No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Nos termos de tal preceito, para que a deserção se tenha por verificada, haverá a necessidade de que essa circunstância se deva a uma falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes, devendo considerar-se irrelevante, para esse efeito, a falta de impulso processual que seja imputável ao agente de execução.
As omissões do agente de execução não se repercutem na posição processual do exequente, pois é a inércia deste que deve ser valorada para efeitos de deserção e não a daquele (cfr. Abrantes Geraldes; Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, in Código de Processual Civil Anotado, vol. I, 2018, 331; Ac. do TRE de 23/03/2017 no processo n.º 3133/07.9TJLSB.I.E1 disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, no caso da ação executiva, é conhecido o papel de relevo desempenhado pelo agente de execução, como se alcança designadamente do disposto no art. 719.º do CPC e dos artigos 162.º e 168.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14-09).
Como bem se alude no acórdão da Relação de Guimarães de 30/05/2018 (Proc. nº 438/08.5TBVLN.G1, in www.dgsi.pt) “ No actual regime desjudicializado do processo executivo, cabendo em regra ao agente de execução promover o seu regular andamento - actuando como profissional liberal e em nome do Tribunal que o haja nomeado -, a omissão do cumprimento de um concreto dever que lhe seja cometido para aquele efeito, não pode ser feita recair automaticamente no exequente, como incumprimento de um dever próprio de impulso processual, por o agente de execução não ser seu representante, nem por si contratado (art. 719º, nº 1 do C.P.C.).”. Logo, “só perante a comunicação que seja feita ao exequente da indevida inércia do agente de execução, se constitui o...
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