Acórdão nº 841/21.5T8ENT-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 21-06-2022

Data de Julgamento21 Junho 2022
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão841/21.5T8ENT-A.C1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(1ª SECÇÃO)




1 - RELATÓRIO


AA deduziu embargos à execução para pagamento de quantia certa que lhe move BB, alegando, em síntese:

O titulo executivo é uma sentença condenatória no pagamento de determinada quantia de 16 de Novembro de 1998; em 15 de Dezembro de 1998 foi intentada a respectiva execução; o Executado foi citado em 14 de Fevereiro de 2000; a instância foi declarada deserta, o que motivou o indeferimento do requerimento do Exequente para a renovação da instância executiva; desta forma, no dia 15 de Fevereiro de 2020 consumou-se a prescrição do crédito do Exequente, não podendo este requerer a execução da sentença; sem prescindir, os juros vencidos nos cinco anos anteriores à citação do executado encontram-se sempre prescritos; a factualidade descrita é do conhecimento do Exequente que, por isso deverá ser condenado como litigante de má-fé e responder pelos danos culposamente causados ao Embargante.


Recebidos os embargos e notificado o Exequente/Embargado para contestar, veio o mesmo aduzir que posteriormente à citação do Executado (14.02.2000) foram concretizados actos de penhora (descontos) do respectivo vencimento em 08 de Fevereiro de 2002, 05 de Abril de 2002, 12 de Junho de 2002, 7 de Agosto de 2002, 07 de Outubro de 2002, 10 de Outubro de 2002, 08 de Novembro de 2002, 13 de Novembro de 2002 e 16 de Dezembro de 2002; tal factualidade interrompeu o prazo da prescrição e é do conhecimento do Executado, que a omite, devendo por isso ser condenado como litigante de má-fé.


O Embargante respondeu à matéria de exceção e pediu a condenação do Embargado como litigante de má-fé.


O Exequente reduziu a quantia exequenda para € 15.275,00, nela englobando o montante de € 2.546,00 respeitante aos juros dos últimos 5 anos por reconhecer que estavam prescritos os que haviam sido reclamados no período precedente.


A final proferida sentença na qual se julgaram embargos de executado totalmente improcedentes, e, em consequência, se determinou o prosseguimento da execução para pagamento do capital de 12.729,00 euros, acrescido de juros vencidos até 22 de março de 2021 no montante de 2.546,00 euros e juros vincendos desde 23 de março de 2021 até integral pagamento à taxa de juros civis sucessivamente vigente, sem prejuízo dos juros à taxa de 5%/ ano, nos termos do artigo 829.º-A, n.º 4 do Código Civil, desde 22 de março de 2016 até integral pagamento.


Interposto pelo Embargante recurso de apelação, proferiu a Relação de Coimbra acórdão, pelo qual, revogando a decisão recorrida, julgou procedentes os embargos e, com fundamento na prescrição do crédito do Embargado, declarou extinta a execução para pagamento dos valores constantes do título executivo.


Agora inconformado, vem o Embargado e Exequente pedir revista do acórdão da Relação, rematando a sua alegação recursiva com as seguintes conclusões:

1ª - Na decisão proferida pela 1ª Instância fez-se uma correcta interpretação e aplicação do Direito e da Lei, designadamente dos artigos 323º e 327º do CC.

2ª - Efectivamente um prazo prescricional pode ser interrompido múltiplas vezes, o que é desde logo reconhecido pela nossa Jurisprudência mais avisada, conforme adiante se verá.

3ª - Os actos de penhora concretizados nos autos de ação executiva podem ser equiparados à citação ou notificação conforme se retira expressa e inequívocamente do disposto no Art. 323º do CC.

4ª – A referência à intenção directa ou indirecta de vir a exercer o direito a que o citado art. 323º alude no seu nº 1 traduz a regra de que bastará uma diligência judicial que seja incompatível com o desinteresse pelo direito de cuja prescrição se trate (cfr. Menezes Cordeiro, ob. Cit., T IV, p. 197).

5ª - Dos Acórdãos favoráveis à tese do recorrente :

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/504a22bfb229a47f802582730036142a?OpenDocument

• “ocorreram várias causas de interrupção da prescrição (...) nos termos das quais demonstraram os exequentes, inequivocamente, a sua intenção de exercer o seu direito de crédito”

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/2b1d41a152b699bd802583f500585bc9

• “confirmando-se o acórdão recorrido” (acórdão acima referido, em detrimento do Acórdão do STJ de 05.11.2013)

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383 2/9166eb55429093ad8025822d003ff48d?OpenDocument

As sucessivas penhoras do salário (de que sempre teria conhecimento através dos recibos de vencimento) evitariam a criação no devedor da segurança de que o credor não pretenderia mais exercer o seu direito.

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383 2/81d1884a17612fb8802586af00500c42?OpenDocument

6ª - A tese do Recorrido desconsidera em absoluto o disposto no Art. 323º do CC, que, não sendo aplicado, resultaria em grande injustiça, caso se entendesse como aquele pretende que os depósitos feitos pelo empregador são actos praticados por um terceiro, não promovidos directamente pelo titular do direito, ora, se aceitássemos este raciocínio como válido também a citação ou notificação judicial de qualquer acto, nunca poderiam interromper a prescrição, pois tratam-se de actos praticados pelo Tribunal que também é um terceiro na relação credor/devedor,

7ª - Os sucessivos actos de penhora ao interromperem o prazo prescricional, apagaram todo o tempo decorrido desde o acto de citação até à concretização da penhora, daí a sua importância.


Caso não se entendesse assim apenas a citação seria susceptível de interromper a prescrição e far-se-ia tábua rasa de todos os outros actos judiciais que decorrem da tramitação normal dum processo (in casu, executivo).

8ª - De acordo com o disposto no Art. 323º do CC o que releva é que o exercício do direito se faça através de acto com carácter judicial.

Conferir neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 290

Vide também Rita Canas da Silva, em Código Civil Anotado, Vol. I, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coord. De Ana Prata, Almedina, pág. 428.

9ª - Os factos interruptivos provêm de acto do credor, por meio de notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercício do direito, ainda que praticado por um representante, legal ou voluntária.

“O efeito interruptivo tem lugar quando o obrigado tem ou deve ter conhecimento (oficial) do exercício do direito “- AC Relação de Coimbra de 24 de Abril de 2012, em www.dgsi.pt.

10ª - A penhora é acto de carácter judicial.

Cada desconto de 1/3 do vencimento do executado expressa, não apenas uma intenção de exercer o direito, exterioriza o exercício do direito de crédito pelo exequente.

O executado tem conhecimento do exercício desse direito pelo acto judicial de penhora de 1/3 do seu vencimento.

11ª - O acto judicial de penhora de 1/3 do vencimento não se esgota num acto isolado pois renova-se por cada vencimento ou salário auferido pelo executado.

O último acto de penhora sobre o vencimento ocorreu em Outubro de 2002.

12ª - Quando a instância seja julgada deserta o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo – nº 2 do artigo 327º do CC.

Pelo que, o prazo de prescrição de 20 anos (artigos 309º e 311º do CC) começou a contar a partir de Outubro de 2002 e só se completaria em Outubro de 2022!

13ª - A execução a que os presentes autos estão apensos foi intentada em 22 de Março de 2021 e o executado foi citado em 5 de Julho de 2021 e portanto, muito antes de decorrido o referido prazo prescricional.


É assim notório que o direito de crédito do Exequente não está prescrito.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, INVOCANDO O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXCIAS VENERANDOS CONSELHEIROS, DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO A ESTE RECURSO DE REVISTA, REVOGANDO-SE O ACÓRDÃO RECORRIDO E MANTENDO-SE INCÓMULE A DECISÃO DA PRIMEIRAINSTÂNCIA, EM CONFORMIDADE ÀS ANTECEDENTES CONCLUSÕES, COMO É DE DIREITO, E DE JUSTIÇA!

Respondeu o Embargante pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

*


II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

São os seguintes os factos que vêm fixados pelas instâncias:

a) O Exequente apresentou como título executivo a sentença proferida em 16 de Novembro de 1998, no âmbito da ação ordinária n.º 151/...8, que correu termos no ... Juízo do Tribunal do Circulo e Comarca ..., que condenou AA a restituir a BB a quantia de 2.552.000$00 (contravalor 12.279,32 euros), acrescido de juros.

b) Em 15 de Dezembro de 1998 BB intentou ação executiva contra AA, a qual correu termos sob o n.º 57-A/...9, do ... Juízo do Tribunal Judicial ....

c) AA foi citado no âmbito dessa ação executiva em 14 de Fevereiro de 2000.

d) Foi ordenada a penhora de 1/3 do vencimento de AA e foram efectuados descontos no vencimento em Novembro de 2001, Março de 2002, Maio de 2002, Junho de 2002, Julho de 2002, Setembro de 2002 e Outubro de 2002.

e) Em 26 de Fevereiro de 2003 o Exequente foi notificado, além do mais, para impulsionar a execução sem prejuízo do disposto no artigo 51.º, n.º 2, al. b) do CCJ.

f) A execução de que os presentes autos são apenso foi intentada em 22 de Março de 2021 e o Executado foi citado em 05 de Julho de 2021.


*


III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

São duas as questões que vêm colocadas pelo recorrente e Embargado nas conclusões com as quais encerra a alegação da presente revista (conclusões que, como é sabido, balizam o objecto do recurso, nos termos do art.º 635, nºs 3 e 4 do CPC).

A saber:

1º - Se, apesar de a citação do Embargante/Executado operada na Execução nº 57-A/...9 do ... Juízo da ... em 14 de Fevereiro de 2000, ter interrompido o prazo de prescrição do crédito exequendo, este prazo podia voltar a ser objecto de novas e sucessivas interrupções;

2º - Se a penhora consumada no desconto do vencimento do executado operado em Outubro de 2002 na referida execução interrompeu o curso do aludido prazo,...

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