Acórdão Nº 839/22 de Tribunal Constitucional, 20-12-2022

Número Acordão839/22
Número do processo831/22
Data20 Dezembro 2022
Classe processualReclamação

ACÓRDÃO Nº 839/2022

Processo n.º 831/2022

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. A. e B., credores em processo de insolvência e aqui reclamantes, “não se conformando com a sentença, em que viram reconhecido o seu crédito reclamado sobre as verbas 63, 65 e 66, passar a subordinado” (como consta do acórdão a seguir mencionado), vieram recorrer dessa sentença para o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), colmatando esse recurso com as seguintes conclusões:

“1. Todos os credores reclamantes neste apenso, viram os seus créditos serem reconhecidos pelo Ex.mo Senhor Administrador Judicial, que considerou tais créditos como privilegiados e concedeu a todos eles, uma vez que estavam na posse dos imóveis, o direito de retenção sobre os mesmos no sentido de serem pagos ou poderem concretizar os negócios prometidos, de uma forma definitiva através de escritura pública.

2. A douta sentença reconhece o benefício desses créditos, e reconheceu e validou dando como provado que em todos os casos existiram contratos de promessa de compra e venda com tradição do imóvel. Por força da prova documental junta aos autos, nomeadamente os contratos promessa de compra e venda, faturação de água e luz, comprovativos dos pagamentos, através de cheques e de transferências bancárias, contratos de arrendamento, etc., tudo isto devidamente documentado.

3. Em momento algum das audiências de julgamento que foram realizadas, foi posto em causa a legalidade e a veracidade dos contratos promessa de compra e venda, tendo toda essa documentação sido confirmada por todas as testemunhas que foram ouvidas por estarem envolvidas na elaboração dos referidos contratos.

4. Tanto assim é, que foi reconhecido na douta sentença todos os contratos promessa de compra e venda discutidos nestes autos. Incluindo os dois contratos promessa de compra e venda celebrados entre a sociedade insolvente e os aqui recorrentes.

5. Na douta sentença é reconhecido a todos os seus créditos, sendo pois reconhecido o direito subjacente, que é o reconhecimento dos contratos promessa de compra e venda anteriormente celebrados.

6. Não podendo pois o reconhecido crédito dos recorrentes, ser qualificado como subordinado, uma vez que, os contratos promessa de compra e venda foram reconhecidos, foram dados como provados, e por força destes o direito a que o crédito seja considerado privilegiado e consequentemente que ocorra o direito de retenção. Direito esse reconhecido na douta sentença.

7. Os artigos 48º e 49º do CIRE, impõem vários requisitos para que sejam aplicáveis, não se verificando esses requisitos, estas disposições legais não podem ser aplicáveis.

8. No caso concreto os ascendentes são havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular, alínea b) do n.º 1 do artigo 49º do CIRE.

9. Ora, a insolvência destes autos reporta-se a uma pessoa coletiva, e nesse sentido não pode ter aplicação o referido artigo.

10. O n.º 2 do artigo 49º do CIRE, especifica nas suas alíneas de a) a d), as pessoas que são havidas como especialmente relacionados com o devedor pessoa coletiva.

11. Situação essas em que os aqui recorrentes não se enquadram em nenhuma dessas alíneas.

12. Outro requisito imposto nas normas legais, é que para além dos créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor (o que não é o caso dos recorrentes destes autos), impõe como requisito cumulativo, que esses bens que originaram o crédito tenham sido transmitidos nos 2 anos anteriores ao início do processo de insolvência, o que também não é o caso dos presentes autos.

13. Como se viu os aqui recorrentes são pais de dois gerentes da sociedade insolvente, no entanto, esses dois gerentes nunca praticaram nenhum ato de transmissão, esses atos foram praticados por outros que não estes à data em que os contratos foram celebrados. Não tendo pois qualquer participação nos referidos contratos.

14. Quanto aos atos de transmissão das verbas 63, 65 e 66, respetivamente fração autónoma identificada pelas letras “AH”, fração autónoma identificada pelas letras “BF” e fração autónoma identificada pala letra “G”, tratando-se de um T1, que se encontra arrendado, de um T2, casa de morada de família dos recorrentes e de uma garagem.

15. Estes contratos foram celebrados respetivamente em 23/12/2004, e em 26/02/2009.

16. Tendo em conta que a declaração de insolvência nestes autos ocorreu em 2014, fica assente que o primeiro contrato foi realizado 10 anos antes da declaração de insolvência e o segundo contrato promessa de compra e venda foi realizado 5 anos antes da declaração de insolvência da pessoa coletiva.

17. Quem é que ia adivinhar com 10 anos de antecedência e com 5 anos de antecedência que uma sociedade financeiramente saudável e estável no mundo dos negócios ia ser declarada insolvente muitos anos depois.

18. A douta sentença considerou que os recorrentes eram pessoas especialmente relacionadas com o devedor, sem qualquer tipo de prova invocando apenas a certidão de nascimento.

19. E com base, apenas dessa certidão, ordena que o crédito privilegiado passe a crédito subordinado sem qualquer justificação legal, uma vez que, não explica o porquê de serem pessoas especialmente relacionadas com o devedor, nem explica ou demonstra que os atos de transmissão tinham ocorrido nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.

20. O Tribunal a quo, veio decidir sem qualquer fundamentação de facto ou de direito que comprove o relacionamento e que comprove que os créditos devam passar a subordinados.

21. O Tribunal a quo, mesmo na hipotética interpretação de que o facto de ser pai é suficiente para se considerar pessoa especialmente relacionada com o devedor, não considerou que para tal ocorrer o ato tinha que ser praticado nos 2 anos anteriores ao início do processo de insolvência.

22. Nenhum ato de transmissão dos aqui recorrentes com a insolvente ocorreu ou foi praticado nos 2 anos anteriores ao início do processo de insolvência. Faltando-lhe este requisito temporal só por si, até porque a norma é expressa relativamente a isso, não é de aplicar aos aqui recorrentes o disposto nesses dois artigos, 48º e 49º do CIRE.

23. A douta sentença reconhece o crédito reclamado, sobre as verbas 63, 65 e 66, mas ordena que esse crédito deixe de ser privilegiado para passar a subordinado, sem qualquer suporte legal.

24. No sentido do entendimento dos ora recorrentes, temos o acórdão do TRE, de 28/04/2010, no processo n.º 1672/07.0TBLLE-A-EI, «os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor não poderão ser considerados como créditos subordinados se, não obstante tal, beneficiarem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência, devendo antes serem tidos e classificados como privilegiados».

25. Este facto dos credores beneficiarem de créditos privilegiados e de gozarem do direito de retenção, resulta diretamente da Lei, e isso em momento algum foi posto em causa ao longo do julgamento, daí os recorrentes não se conformarem com o porquê destes terem um tratamento diferenciado em relação aos restantes credores também aqui reclamantes.

26. A situação dos aqui recorrentes emerge de um direito subjacente e de circunstâncias iguais à dos restantes credores.

27. Se a intenção da sociedade devedora fosse beneficiar dos aqui recorrentes, então teriam feito os contratos definitivos, isto é as respetivas escrituras de compra e venda.

28. Os aqui recorrentes entendem que a interpretação dada pelo Tribunal a quo, ao texto do artigo 48º alínea a), conjugado com o artigo 49º n.º 1 alínea b) e n.º 2 alínea d), de que pelo facto de alguém ser ascendente dos representantes da pessoa coletiva devedora, é facto bastante sem mais nada para considerar que o crédito por estas reclamado é um crédito subordinado.

29. Ora, salvo melhor opinião, esta interpretação merece um juízo de censura jurídico constitucional, por parte deste douto Tribunal, uma vez que, viola nomeadamente os artigos, 9º alínea b) 13º n.º 1, 16º n.º 2, 18º n.º 1 e 2, 20º, 62ºn.º 1 e 65º n.º 1, todos da CRP.

30. Porque se requer a Vºs Exºs, que se dignem declarar a inconstitucionalidade dos artigos 48º alínea a) e 49º n.º 1 alínea b) e n.º 2 alínea d), ambos do CIRE, quando interpretados no sentido que lhes foi dado na douta sentença.

31. A douta sentença apresenta-se totalmente omissa quanto ao direito de retenção que foi atribuído aos aqui recorrentes.

32. Os recorrentes com a douta decisão serão espoliados dos dinheiros que pouparam ao longo das suas vidas, e que aplicaram na aquisição dos imóveis destes autos, verbas 63, 65 e 66.

33. O direito de retenção permite viver na sua residência habitual de casa de morada de família até ao seu fim de vida, pagando obviamente os montantes em falta à massa falida.

34. No entanto, como o Tribunal não se pronunciou e apenas se reportou à qualificação do crédito, os recorrentes ficam na dúvida.

35. Estes entendem que continuam a possuir o direito de retenção sobre os referidos imóveis, até porque, o crédito não foi posto em causa e foi reconhecido na douta sentença, sendo esta omissa quanto ao restante.

36. Caso Vªs Exªs assim não entendam,...

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