Acórdão nº 8263/19.1T8SNT-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 28-09-2021
Data de Julgamento | 28 Setembro 2021 |
Case Outcome | NEGADA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 8263/19.1T8SNT-A.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
Na execução para pagamento de quantia certa instaurada por EAM – Évora Asset Management, S.A., veio a executada, AA, deduzir oposição por meio de embargos de executado, alegando que:
Foi celebrado um contrato de mútuo com a sociedade Frutas Sobrinho, S.A..
Para garantia do bom e pontual pagamento de todas e quaisquer responsabilidades assumidas, BB constituiu uma hipoteca voluntária sobre o prédio misto, sito em ….........., n.º…..., descrito na CRP ..... sob o n.º ….23.
A mutuária Frutas Sobrinho S.A. foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 10557/16........
A Caixa Económica Montepio Geral, detentora dos créditos à data, aí reclamou o seu crédito, que foi reconhecido pelo administrador da insolvência.
No mesmo sentido, em 15/12/2015, os proprietários do imóvel anteriormente referido foram declarados insolventes no âmbito do processo n.º 7031/15......., a correr termos no Juízo de Comércio ......
A Exequente, detentora dos créditos à data, reclamou o seu crédito, que foi reconhecido pelo administrador da insolvência.
A mesma Exequente apresentou proposta de adjudicação do referido bem, no valor de €552.500,00, que efectivamente lhe foi adjudicado.
A venda foi formalizada por escritura pública de compra e venda outorgada a 08/07/2019.
Ora, tendo o credor hipotecário reclamado nesse processo de insolvência o seu crédito, visando obter o pagamento com o tratamento preferencial que lhe assiste, e adquirido o referido bem, viu extinguir-se a garantia com a venda do mesmo.
A sua preferência transferiu-se para a aquisição do produto da venda, razão pela qual não pode agora a Exequente arrogar-se a titularidade da garantia já extinta, para afectar um direito da Executada, terceira em relação à obrigação exequenda.
Concluiu, pedindo a extinção da execução.
Contestou a Exequente, alegando, em resumo, que:
A hipoteca voluntária registada a favor da Exequente sobre o prédio misto, sito em ....., descrito na Conservatória do Registo Predial ..... sob o nº …23, foi constituída por BB e por CC, ambos insolventes no âmbito do processo nº 7031/15........
A hipoteca foi registada sobre a propriedade plena desse imóvel, inicialmente a favor do Finibanco, S.A. e, posteriormente, após 3 cessões, a favor da ora Exequente, EAM, S.A..
A Exequente apresentou, nos ditos autos de insolvência nº 7031/15......., proposta para adjudicação do imóvel aqui em causa, quanto à nua propriedade.
Nunca poderia ter adquirido a propriedade plena do imóvel, dado só ter sido apreendida a favor daqueles autos a nua propriedade desse imóvel.
O direito de usufruto foi constituído a favor da aqui Executada, AA.
Daí que a penhora registada nos presentes autos tenha incidido, única e exclusivamente, sobre esse direito de usufruto.
A posição jurídica conferida à Exequente pela garantia hipotecária continua a subsistir, quanto ao direito de usufruto, visto a adjudicação efectuada pela ora Exequente nos autos de insolvência nº 7031/15....... ter sido somente quanto à nua propriedade.
Concluiu pela improcedência dos embargos.
Considerando o Tribunal que os autos reuniam os elementos necessários ao conhecimento do mérito, proferiu saneador-sentença, julgando a oposição procedente.
Inconformada, recorreu a Exequente/embargada.
No Tribunal da Relação …, foi proferido acórdão em que se julgou a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e, consequentemente, julgando improcedentes os embargos.
Inconformada, desta vez, a Embargante, recorreu para este Supremo Tribunal, concluindo as suas alegações pela seguinte forma:
«1. Não estamos perante o registo de duas hipotecas, uma quanto à nua propriedade e outra quanto ao usufruto, mas sim perante o registo de uma única hipoteca que incidiu sobre a totalidade do prédio – AP. 76, de 2006.02.10.
2. Havendo um único registo de hipoteca e, posteriormente, o cancelamento desse mesmo registo, dúvidas não podem restar de que não se mantém qualquer garantia eficaz sobre o imóvel, nem mesmo sobre o usufruto do mesmo.
3. É evidente que a hipoteca não se pode dividir como se refere na tese acolhida pelo Tribunal a quo, pois aqui passamos a encarar uma hipoteca sobre a nua propriedade, e outra hipoteca sobre o usufruto, tendo a primeira sido extinta com a venda do imóvel em sede de processo de insolvência, e mantendo-se a segunda.
4. É justamente esta a premissa erada do Tribunal a quo que, apesar de invocar o princípio da indivisibilidade da hipoteca, acolhe uma tese que acaba por violar de forma expressa.
5. A Caixa Económica Montepio Geral, detentora dos créditos à data da insolvência, aí reclamou o seu crédito, tendo o mesmo sido reconhecido pelo Administrador da Insolvência.
6. Apesar de a recorrente/exequente inicialmente ter informado que não tinha interesse na adjudicação, posteriormente apresentou proposta de adjudicação pelo referido bem, no valor de 552.500,00 €, pelo que o mesmo lhe foi adjudicado.
7. Tendo o credor hipotecário reclamado nesse processo de insolvência o seu crédito, visando obter o pagamento com o tratamento preferencial que lhe assiste, e adquirido o referido bem, viu extinguir-se esta sua garantia com a venda do mesmo – artigo 824.º n.º 2 do Código Civil.
8. A sua preferência transferiu-se para a aquisição do produto da venda.
9. Havendo razões para cancelar o registo de hipoteca em virtude da venda em sede de processo de insolvência, é evidente que tal leva à obrigatoriedade de cancelamento também quanto ao usufruto, pois trata-se da mesma hipoteca, por sinal, indivisível.
10. Não pode a recorrente arrogar-se à titularidade da garantia já extinta (e que não pode ser dividida, como o Tribunal a quo faz crer ao considerar que passa a incidir apenas quanto ao usufruto), para afetar um direito da recorrida, terceira em relação à obrigação exequenda.
11. Ainda que assim não se entendesse, não se poderia aceitar a rectificação ao título executivo como pretende a recorrente, na medida em que (i) não há dúvidas de que não havia título aquando da entrada da presente execução e (ii) aceitar tal alteração registral e consequentemente revogar a decisão recorrida com fundamento na mesma consistiria numa clara violação do princípio constitucional da segurança jurídica, que expressamente se invoca.»
Termina, dizendo que deve ser revogado o acórdão, considerando-se procedentes os embargos.
Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção da decisão impugnada.
*
Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, assumem-se como questões a apreciar, in casu, as de saber se:
- diversamente do decidido pela Relação, se deve entender que foi cancelada a hipoteca (desde logo, por força do princípio da indivisibilidade que a caracteriza) sobre o imóvel identificado, incluindo nesse cancelamento o usufruto de que beneficia a Recorrente/embargante, o que lhe retira legitimidade para ser demandada na execução, ao abrigo do disposto no art. 54º, nº 2, do CPC;
- se deve considerar que há uma “rectificação ao título executivo” que consubstancia uma clara violação do princípio constitucional da segurança jurídica.
II
As instâncias deram por provados os seguintes factos:
II.1. Matéria elencada na sentença:
«1. Por Contrato de Cessão de Créditos, assinado em 02 de Novembro de 2017, a CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL cedeu, entre outros, o crédito identificado com a referência .........672, que detinha sobre a mutuária Frutas Sobrinho, S.A. (entretanto, insolvente), incluindo todas as garantias acessórias, à HEFESTO STC S.A. (NIPC 507450531).
2. A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes ao crédito cedido, designadamente a hipoteca constituída sobre o imóvel dado de garantia, no caso, o imóvel descrito na CRP ..... sob o nº ….23.
3. Por Contrato de Cessão de Créditos, assinado em 02 de Novembro de 2017, a HEFESTO STC S.A. vendeu, entre outros, o crédito identificado com a referência .........672, que detinha sobre a referida mutuária e todas as garantias acessórias a ele inerente, à EAM – ÉVORA ASSET MANAGEMENT, S.A.
4. A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes ao crédito cedido, designadamente a hipoteca constituída sobre o imóvel dado de garantia, no caso, o imóvel descrito na CRP ..... sob o nº ….23
5. No dia 02 de Novembro de 2009, a mutuária Frutas Sobrinho, S.A., NIPC 502095504, no âmbito da sua insolvência que correu com o nº 28648/09......., requereu junto do IAPMEI um procedimento extra judicial de conciliação.
6. Nesse momento, foi proposto um plano genérico de pagamento em 8 anos, após período de carência de 18 meses.
7. Relativamente ao credor Finibanco S.A., foram reconhecidos como fazendo parte do plano Processo: 8263/19.1T8SNT-A.L1 de pagamentos, os seguintes valores em dívida: - € 10.082,95, peticionado no processo executivo nº 21061/10.......; - €34.908,96, peticionado no processo executivo nº 23735/10.......; - €688.200,21, peticionado no processo executivo nº 23733/10.......; - € 92.047,69, peticionado no processo executivo nº 21078/10.......;
8. O plano de pagamentos apresentado pela mutuária Frutas Sobrinho. S.A. foi homologado, por sentença, conclusa a 14 de Julho de 2011.
9. Por escritura outorgada no Cartório Notarial ….. a cargo da Notária DD, exarada de fls. 33 a 38 do Livro 130-B, o Finibanco, S.A. trespassou à CEMG o “estabelecimento comercial que constitui a universalidade de activos (intangíveis e fixos tangíveis) e passivos, nomeadamente contratos de depósito, contratos de mútuo, e, de uma forma geral, a totalidade dos direitos e obrigações de que é titular o trespassante no âmbito da sua actividade bancária”.
10. De entre as obrigações transmitidas do Finibanco à CE Montepio Geral, e segundo a referida escritura, “estão...
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