Acórdão nº 8184/11.6TBMAI.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 17-12-2014

Data de Julgamento17 Dezembro 2014
Número Acordão8184/11.6TBMAI.P1
Ano2014
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Pc. 8184/11.6TBMAI.P1 – 2ª Secção
(apelação)
________________________________
Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Francisco Matos
Des. Maria de Jesus Pereira
* * *
Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B… instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum sumário, contra C…, D… e mulher, E…, F… e marido, G…, H… e mulher, I…, J…, K… e marido, L…, M… e marido, N…, O… e marido, P… e Q…, todos devidamente sinalizados nos autos, pedindo a condenação solidária destes a pagarem-lhe a quantia de 25.249,83€, acrescida de juros de mora a partir da citação e até efectivo e integral pagamento.
Alegou, para tal, que casou com a 1ª ré em 27/5/2000, em regime imperativo de separação de bens, que, por essa razão, foi viver com ela no imóvel identificado no art. 1º da p. i., que pertencia, em compropriedade, àquela demandada e aos demais réus, seus filhos, que esta circunstância lhe foi ocultada pela 1ª ré até à data em que lhe moveu uma acção de divórcio, que aquele imóvel – casa de habitação - estava em ruínas, que procedeu, a pedido da referida ré, à recuperação do mesmo, no que gastou a quantia total de 19.947,83€, que as obras realizadas não podem ser levantadas sem a sua destruição e desvalorização do imóvel, que, além disso, pagou ainda uma dívida que determinaria a penhora do imóvel, tendo sido apenas ressarcido de parte do que despendeu, faltando ser-lhe liquidado o valor de 5.302,00€, que as ditas importâncias monetárias foram feitas em benefício do imóvel e que os demandados ficaram com o seu património enriquecido à sua [do autor] custa .

Apesar de citados, apenas as rés C… e J… contestaram a acção.
Ambas impugnaram a essencialidade do que o autor alegou na p. i. e referiram que este sempre soube que o imóvel em questão pertencia, em compropriedade, a todos os réus e que algumas das despesas em causa foram pagas/suportadas por eles, demandados.
Pugnaram pela improcedência da acção e pela absolvição de todos os réus do pedido.

Foi dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido saneador tabelar e, por simplicidade da causa, não foram seleccionados os factos assentes nem os controvertidos.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento no termo da qual, após produção da prova, foi proferida sentença que fixou os factos provados e os não provados e que julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição dos réus do pedido, tendo condenado o autor nas custas devidas.

Inconformado com o sentenciado, interpôs o autor o recurso de apelação em apreço, cuja motivação culminou com as seguintes conclusões:
“Considerando que
1ª – A 27 de Maio de 2000 o Autor, então no estado de divorciado, e a Ré C…, então no estado de viúva, contraíram casamento civil, no regime imperativo de Separação de Bens, na Conservatória do Registo Civil da Maia, e fizeram a casa de morada de família no imóvel identificado em a) dos factos provados (pertença da Ré C… e dos demais RR.), onde passaram a ter residência permanente.
2ª – No referido imóvel ocorreu, em 2004, um incêndio, na sequência do qual foi necessário realizar obras de recuperação no imóvel, razão pela qual foi contactado o Senhor S…, tendo sido aproveitada a ocasião para realizar as obras de melhoria do imóvel.
3ª – O Autor pagou ao trolha que executou obras de construção do imóvel a quantia de € 9.369,00 (nove mil, trezentos e sessenta e nove euros) e pagou pela obra de electricidade e pichelaria o montante de € 5.950,00.
4ª – Em Abril de 2008 foram colocadas no imóvel seis fechaduras, tendo o Autor pago a quantia de € 148,83.
5ª – A matéria levada às als. l) e m) dos factos não provados mostra-se incorrectamente julgada, sendo que, face à prova pericial de fls. 254 a 262, à prova produzida em audiência de julgamento e gravada em suporte magnético, designadamente os depoimentos da Ré F… (filha da C…), gravado das 10:29:05 às 10:34:54; do Autor B…, gravado das 11:21:02 às 12:01:09 e da Testemunha S…, gravado das 14:28:32 às 14:55:21, o Tribunal «a quo» deveria ter dado como provado:
- «Que, na substituição do soalho, pintura e produtos necessários para o efeito o Autor gastou quantia não inferior a € 2.075,00»
- «Que o Autor pagou pelas portas e janelas de alumínio não menos de € 450,00 e na compra e colocação de uma bomba no poço, não menos de € 250,00».
6ª – A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem, de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido, por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou, de acordo com o preceituado pelo nº 2 do artº. 473º do C.C..
7ª – Para que se constitua uma obrigação de restituir fundada no enriquecimento, não basta que uma pessoa tenha obtido uma vantagem patrimonial à custa de outrem, sendo ainda necessário que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, quer porque nunca a houve, por não se ter verificado o escopo pretendido [conditio ob causam futuram] ou, porque, entretanto, deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento [conditio ob causam finitum], quer, finalmente, porque é inválido o negócio jurídico em que assenta.
8ª – O enriquecimento carece de causa quando o Direito o não tolera ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios jurídicos, justifique a deslocação patrimonial, hipótese em que a lei obriga a restabelecer o equilíbrio patrimonial por ele rompido, por não desejar que essa vantagem perdure, constituindo o «accipiens» no dever de restituir o recebido.
9ª – O Autor ficou empobrecido no seu património pelo valor da quantia com que financiou o pagamento das obras realizadas na casa onde a Ré habita, enquanto esta ficou enriquecida pelo menos nesse montante, porquanto ficou a ter na sua disponibilidade uma benfeitoria, resultante de uma quantia utilizada na respectiva realização, quantia essa que não lhe pertence.
10ª – O Autor, face à factualidade tida por provada e levada às als. a), j), k), l), m), n), o), p) e q) dos factos tidos por provados na fundamentação de facto da Sentença, fez prova daquela situação de enriquecimento dos RR. à sua (do Autor) custa, cumprindo o ónus que para ele decorre do artº. 342º do C. Civil.
11ª – Tendo-se provado a existência da deslocação patrimonial em favor dos RR., que a mesma foi suportada pelo Autor, e que se integrou num imóvel pertença dos RR., não trazendo nenhum benefício para o Autor, que aliás não habita, nem nunca terá qualquer direito na casa onde foram efectuadas as construções que deram origem à deslocação patrimonial, dúvidas não restam de que inexiste um suporte legal ou convencional que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o provado enriquecimento do património dos RR. à custa do correspondente empobrecimento do património do Autor, concluindo-se portanto que tal enriquecimento não tem qualquer causa justificativa, irrelevando para o efeito que o Autor tenha habitado temporária e precariamente a casa de habitação da Ré C… (também pertença dos demais RR.), onde foram executadas as ditas obras pagas pelo Autor.
12ª – A verdadeira função do Instituto do Enriquecimento sem Causa é a de reprimir o enriquecimento injustificado, quando o valor patrimonial em questão não deve pertencer àquele que dele beneficia, mas ao prejudicado, conduzindo a soluções que chocam o comum do sentimento de justiça, mas não o de compensar eventuais danos sofridos pelo empobrecido, pelo que, mostrando-se provado que o Autor dispôs pelo menos do valor de € 18.242,83 (dezoito mil, duzentos e quarenta e dois euros e oitenta e três cêntimos) do seu património para pagamento de obras na casa dos RR., correspondendo, pelo menos esse, ao valor da diminuição do seu património, é a esta quantia que o Tribunal tem de atender por força dos limites da condenação previstos no citado preceito legal.
13ª – No caso dos Autos é, por outro lado, irrelevante que o Autor tivesse ou não conhecimento, desde o início da união com a Ré C…, e quando foi com ela viver, que a casa em questão, onde o casal habitava, não era por inteiro um bem próprio da Ré C…, e que pertencia a todos os RR. em compropriedade. Isto porque, e este é um facto incontroverso, não se pode escamotear que o Autor gastou as importâncias referidas, e tidas por provadas nos Autos, com a realização de reparações, remodelações e obras numa casa, que não era sua, nem podia ser, face ao regime de casamento de separação absoluta de bens, e que pertencia à Ré C… e seus filhos, nas proporções indicadas na P.I. ... Tendo, com aquelas obras, valorizado a casa que é um bem comum dos RR., sem que estes lhe tivessem proporcionado qualquer contrapartida, nem lhe tivessem restituído os valores nela investidos.
14ª – Ao decidir nos termos da Sentença ora objecto de recurso, o Tribunal «a quo» violou o disposto nos artºs. 342º nºs 1 a 3 e 473º nºs 1 e 2 do C. Civil.
Nestes termos, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, revogando a Sentença ora objecto de recurso, e condenando os RR., solidariamente, a restituírem ao Autor a quantia de € 18.242,83 (dezoito mil, duzentos e quarenta e dois euros e oitenta e três cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, a contar da citação até efectivo e integral pagamento, Vªs. Exªs. farão, como sempre, a habitual Justiça.”.

A 1ª ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.
* * *
II. Questões a apreciar e decidir:

Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente [arts. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, aqui aplicável «ex vi» do estabelecido nos arts. 5º nº 1 e 8º desta Lei, na medida em que esta acção foi intentada depois de 01/01/2008 e a sentença foi proferida depois de 01/09/2013]
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