Acórdão Nº 817/24 de Tribunal Constitucional, 13-11-2024

Número Acordão817/24
Número do processo548/24
Data13 Novembro 2024
Classe processualRecurso

ACÓRDÃO Nº 817/2024

Processo n.º 548/2024

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e a Massa Insolvente do B., S.A., foi interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua redação atual (Lei do Tribunal Constitucional [LTC]).

2. O ora recorrente foi condenado, por acórdão proferido pelo tribunal de 1.ª instância datado de 14 de maio de 2021, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão; pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado na pena de 6 (seis) anos de prisão e pela prática de um crime de branqueamento, na pena de 6 (seis) anos de prisão. Em cúmulo jurídico das três penas parcelares aplicadas, foi condenado na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou as penas aplicadas.

Outra vez inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão datado de 19 de dezembro de 2023, rejeitou o recurso interposto «no que respeita a todas as questões de direito subjetivo e adjetivo, penal e cível, relativamente aos quais se verifica dupla conforme — artºs 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f), ambos do CPP e 671.º n.º 3 do CPC aplicável ex vi do art.º 4.º do CPP» e julgou o recurso improcedente «no que respeita à medida da pena única, assim se confirmando o acórdão recorrido».

No dia 4 de janeiro de 2024, o recorrente arguiu a nulidade e a irregularidade processual deste último acórdão (fls. 14703ss). Por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 31 de janeiro de 2024, foi a reclamação indeferida.

3. O recorrente interpôs então o presente recurso para o Tribunal Constitucional, identificando 14 questões de constitucionalidade, impugnando quer o acórdão datado de 19 de dezembro de 2023, quer o acórdão datado de 31 de janeiro de 2024.

4. Os autos subiram ao Tribunal Constitucional no dia 29 de maio de 2024 (fls. 14846).

Através da Decisão Sumária n.º 350/2024, datada de 1 de junho de 2024, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC:

a) Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de o acórdão do Tribunal da Relação, confirmativo de decisão condenatória da 1.ª instância que tenha aplicado pena de prisão efetiva inferior a oito anos, não admitir recurso do Arguido para o STJ quanto à questão da violação do caso julgado/“ne bis in idem”, apenas invocada pelo mesmo em sede de recurso, em casos em que a Relação apreciando-a (enquanto primeira e única jurisdição a fazê-lo), a julgue improcedente;

b) Não julgar inconstitucional a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão;

c) Não tomar conhecimento das restantes questões enunciadas.

5. Inconformado com tal decisão, o recorrente reclamou para a Conferência, em longa peça processual com 201 páginas (fls. 14879 a 14979). Através do Acórdão n.º 643/2024, decidiu-se indeferir a reclamação.

6. Notificado deste Acórdão, veio o recorrente, em 14 de outubro de 2024, arguir a nulidade desta decisão, através de peça processual com 121 páginas (fls. 15088-15148).

Tendo tal ato sido praticado fora do prazo, a secretaria notificou o reclamante, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 139.º do Código de Processo Civil, para proceder ao pagamento da multa, o que veio a ocorrer no dia 28 de outubro de 2024.

Da longa reclamação deduzida, extrai-se a seguinte argumentação:

«(…)

No caso da primeira norma o que o Recorrente diretamente requereu ao TC foi que emitisse um juízo de (in)constitucionalidade quanto à restrição normativa operada quanto ao direito ao recurso (o único) quanto à questão da violação do “ne bis in idem” em casos em que a Relação seja o primeiro (e único) Tribunal a apreciar tal questão.

Não se está, por isso, sejamos claros, perante um caso de “dupla conforme” quanto a esta questão inovadoramente apreciada pela Relação.

Assim, no entendimento do Recorrente o douto Acórdão proferido partiu, parece-nos, de um evidente falso pressuposto, afirmado “o próprio reclamante reconhece não estar aqui em causa um problema de constitucionalidade, razão pela qual declara que «o que por vez se discute (...) é se a questão do “ne bis in idem”, pela sua estrutural importância, é merecedora de um segundo grau de recurso e de um triplo grau de jurisdição, não por exigência do artigo 32º, n.º 1, do CRP, mas (ao nível do direito infraconstitucional) por aplicação subsidiária do regime do processo civil» (fls. 14915v), invocando depois argumentos no sentido de se dever admitir tal recurso com base nas normas do Código de Processo Civil (fls. 14916-14921). Trata-se, evidentemente, de questão que extravasa a competência deste Tribunal, a quem não compete determinar a melhor interpretação do direito infraconstitucional mas, ao invés, apreciar a compatibilidade de normas com a Constituição.”

De facto, não tendo sido a questão do “ne bis in idem” apreciada pelo Tribunal de 1.a Instância, jamais se poderia dizer que, no caso da primeira norma, se discute a existência de “segundo grau de recurso e de um triplo grau de jurisdição”, quando é evidente que o que se discute é se tem, ou não, de existir (por imposição constitucional) um grau de recurso, equivalente a um duplo grau de jurisdição.

Sucede que, por via do errado enquadramento da referência (diferenciadora) que o Recorrente fez à, por vezes feita, discussão infraconstitucional sobre a existência de “segundo grau de recurso e de um triplo grau de jurisdição”, deixou-se no douto Acórdão ora reclamado de apreciar aquela outra que realmente constitui o cerne do recurso quanto à primeira norma.

Questão que consiste em saber se, sim ou não, e com base em que valores constitucionais, autoriza a Constituição de República Portuguesa que não haja, quanto à questão do ne bis in idem,nenhum grau de recurso, podendo a respetiva apreciação ser feita por um único grau de jurisdição, solução que resulta da primeira norma.

Ora, sobre a questão em causa, não basta, no entender do Recorrente, que o Tribunal convoque uma jurisprudência anteriormente proferida pelo TC, confessadamente quanto a questão diversa, que se sabe ser relativa à possibilidade de alteração da matéria de facto em sede de recurso, já que aí existiram dois graus de recurso sobre a matéria de facto, ou à nulidade da decisão proferida em sede de recurso.

Efetivamente, no caso da primeira norma o que o legislador denega ao Arguido em processo penal um único grau de recurso sobre a violação de um princípio constitucional e com a tutela constitucional do caso julgado, que o Tribunal não nega que se enquadra no regime dos direitos, liberdades e garantias expresso no artigo 18.º da CRP.

Donde, para que o Tribunal se pronuncie sobre a constitucionalidade da norma em causa não basta que se venha, com base em jurisprudência que se sabe ser relativa a questão diversa está sob análise, a afirmar que Razão pela qual, parafraseando o mesmo aresto, nada impõe que se leve a autonomização da questão da violação de caso julgado tão longe que seja constitucionalmente exigível a existência de um 2º grau de jurisdição especificamente para esta questão”.

Tal afirmação, refira-se, com natural ressalva do devido respeito, que é muito, consubstancia um juízo conclusivo que teria necessariamente de ser precedido da verificação do cumprimento dos apertados critérios que resultam do n.º 2, do artigo 18.º da CRP ou, no mínimo, de estar feita na jurisprudência que se invoca com referência ao princípio “ne bis in idem”...

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