Acórdão nº 812/17.6T8PNF.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça, 04-07-2023
Data de Julgamento | 04 Julho 2023 |
Case Outcome | CONCEDIDA A REVISTA |
Classe processual | RECURSO DE REVISÃO |
Número Acordão | 812/17.6T8PNF.S1-A |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:
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A CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DEVALE DO SOUSA E BAIXO TÂMEGA, CRL, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 627º, n.º 2, 696º, al. b), e 697º, nº 5, do Código de Processo Civil, interpor RECURSO DE REVISÃO, do acórdão que viesse a ser proferido nos autos principais pelo Supremo Tribunal de Justiça (como. de resto. já foi) contra os ali Autores AA, e mulher, BB, residentes em ....
No requerimento de interposição, a recorrente sintetizou a respectiva alegação com as seguintes conclusões:
“1.ª- O fundamento do presente recurso extraordinário de revisão é o previsto no artigo 696.º, alínea b), do Código de Processo Civil, mais concretamente, a falsidade do depoimento que o Autor, ora Recorrido, prestou em sede de declarações de parte e que determinou a decisão de condenação da Recorrente “a satisfazer aos AA. a quantia global de 82.412,39 EUR (oitenta e dois mil, quatrocentos e doze euros e trinta e nove cêntimos)”, correspondendo € 72.412,39 a indemnização por danos patrimoniais e € 10.000,00 por danos não patrimoniais.
2.ª- Foi exclusivamente com base nas declarações de parte do Recorrido que foi considerado provado que, à data do assalto ocorrido no estabelecimento bancário da Recorrente, encontravam-se, dentro do cofre que os Recorridos tinham locado à Recorrente, os bens mencionados na alínea DDD) da matéria dada como assente nos autos principais, a que foi atribuído o valor de € 72.412,39, os quais teriam sido retirados e levados pelos assaltantes, de acordo com a alínea EEE).
3.ª- No processo n.º 1210/18.0..., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal de ..., Juiz ..., foi proferida sentença que, julgando procedente, por provada, a acusação do Ministério Público, condenou o aqui Recorrido pela prática de um crime de falsidade de depoimento agravado, previsto nos artigos 359.º, n.º 1, e 361.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão, sendo que o depoimento em causa foi o prestado pelo Recorrido nos presentes autos.
4.ª-Nesse processo-crime o Recorrido foi também condenado pela prática de um crime de falsificação de um documento que foi utilizado para corroborar o aludido depoimento, sendo que a mencionada sentença criminal foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que transitou em julgado em 25.11.2021.
5.ª- Nos autos principais, o Tribunal da Relação do Porto julgou totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente e confirmou a sentença do Tribunal da Primeira Instância.
6.ª- Deste acórdão, a Recorrente interpôs recurso de revista “normal”, com fundamento em violação da lei do processo, e, subsidiariamente, revista excecional, sendo que a primeira foi negada e a segunda foi admitida, por douto acórdão da Formação a que se refere o n.º 3 do art.º 672.º, datado de 29.09.2020.
7.ª- Este recurso de revista excecional não foi ainda julgado, mas, salvo melhor opinião, caso o Supremo Tribunal de Justiça o venha a julgar improcedente, será o acórdão deste Tribunal “a decisão a rever”, tendo em conta que o recurso extraordinário de revisão visa a rescisão de uma decisão transitada em julgado e que é entendimento generalizado o de que as decisões das instâncias inferiores, ainda que confirmadas por um tribunal superior, não transitam em julgado.
8.ª- E será do Supremo Tribunal de Justiça a competência para conhecer do recurso de revisão da decisão que vier a ser proferida, na hipótese de vir a confirmar o acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
9.ª- Tendo a decisão que condenou o Recorrido pela prática de um crime de falsidade de depoimento agravado transitado em julgado em 25.11.2021, está a decorrer o prazo de60 dias previsto na lei para interpor recurso de revisão, pelo que o mesmo é interposto ao abrigo da norma do artigo 697.º, n.º 5.
10.ª- Na sentença proferida nos autos principais, que o Tribunal da Relação do Porto confirmou, foi dado como provado que à data do assalto, os Recorridos tinham colocado no cofre os bens mencionados na alínea DDD) dos factos aí dados como provados, como se referiu, apenas com base nas declarações de parte do Autor, ora Recorrido, que foi a única pessoa que acedeu ao cofre alugado pelos Autores (e acedeu muitas vezes ao longo de 7 anos).
11.ª- Simplesmente, a decisão proferida no aludido processo-crime que foi instaurado contra o aqui Recorrido constitui um elemento sólido (e definitivo) de que este prestou um depoimento falso na audiência final dos autos principais.
12.ª- A circunstância de os factos concretos que foram considerados no processo-crime — relacionados com a alegada existência de dinheiro no cofre — não terem sido dados como provados na ação cível, não invalida que aquela decisão afaste, de modo claro e direto, os fundamentos em que se basearam as decisões proferidas nos autos principais.
13.ª- Estas decisões (sentença da Primeira Instância cível e acórdão da Relação) entenderam que, apesar de o Recorrido ser a única pessoa que poderia depor sobre que concretos bens estariam no cofre, à data do assalto, sendo, por isso, verdadeiramente “o dono” dos factos — tendo em conta que a Recorrente desconhecia o que os clientes colocavam ou retiravam dos respetivos cofres —, e ainda saber ele que, quantos mais bens aí estivessem colocados (ou ele referisse que estavam), maior seria a indemnização a atribuir aos Autores, tal não o impediria de ser honesto e de dizer a verdade, até por estar sob juramento e perante uma autoridade judicial.
14.ª- Na sentença da Primeira Instância, que a Relação confirmou, mencionou-se que “o julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório”.
15.ª- O certo, porém, é que no processo cível, apenas foi valorada a declaração e não a pessoa do Recorrido.
16.ª- E essa valoração das declarações de parte teve apenas em conta a conformidade das declarações de parte com elementos que as instâncias consideraram constituir “prova de corroboração/confirmação periférica”, como o teor da participação criminal feita pelos Recorridos, as fotografias juntas aos autos, além de outros.
17.ª- Após a prolação das decisões cíveis foi proferida a já referida sentença criminal que, não só considerou que o Recorrido declarou falsamente que visitou o cofre no início de novembro de 2012 e que então depositou uma quantia no cofre locado à Recorrente, tendo inclusivamente, ficado “demonstrado que tal depósito não foi feito”, como que o Recorrido revelou possuir uma “personalidade indiferente às regras que dirigem a Justiça” e ser capaz de falsear “factos que sabia serem essenciais para a decisão da causa e para a procedência de parte do seu pedido”.
18.ª- Ora, o facto de o Tribunal Criminal ter condenado o Recorrido pela prática de um crime de falsidade de depoimento agravado, com um elevado grau de ilicitude, com dolo directo, com um “motivo vil” qual seja a de “obtenção de um avultado valor económico às custas da assistente”, aqui Recorrente, e que esse objetivo de enriquecimento foi tentado mediante a utilização de uma ação judicial e com a intenção de iludir o tribunal e, para mais, com suporte num documento “fabricado”, torna premente que, na decisão dos presentes autos, seja (agora) valorada “a pessoa da parte”.
19.ª- E o conhecimento, decorrente do processo crime, de que Recorrido não teve pejo em inventar uma narrativa para aparentar que tinha dinheiro no cofre, utilizar um documento fabricado, e dispor-se a prestar declarações sobre os factos que sabia serem falsos, tudo para, enganando o Tribunal, se locupletar à custa da Recorrente, leva a que o resultado da aplicação das regras de probabilidade lógica e dos juízos de verosimilhança vá em sentido contrário ao que foi decidido nas instâncias cíveis.
20.ª- De facto, a decisão criminal demonstra a postura adotada pelo Recorrido perante a circunstância do assalto quanto às vantagens que dele poderia retirar, a ligeireza com que decidiu manipular meios de prova, diretos ou periféricos, e, bem assim, que a sua conduta posterior revelou “falta de posicionamento crítico relativamente à sua ilicitude”.
21.ª- O que permite, se não impõe, que as declarações de parte do Recorrido e os mencionados “elementos”, de natureza probatória, ou outra, referidos na sentença cível, sejam valorados “a outros olhos” e com base numa diferente perspetiva, o que implica a eliminação ou pelo menos a alteração dos aludidos factos, de forma direta quanto a um deles, e, quanto a todos, com apelo a regras de experiência e de senso comum que diminuem o grau de probabilidade que lhes foi inicialmente atribuído.
22.ª- O confronto entre a versão do Recorrido apresentada na audiência final cível e o teor da sentença proferida no processo crime, não afasta apenas a probabilidade ou verosimilhança de os “Diversos objectos em ouro”, referidos no último ponto da alínea DDD), se encontrarem no cofre na data do assalto mas torna tal hipótese absolutamente impossível, uma vez que quanto àpretensavisita em que Recorrido alega ter colocado tais bens no cofre foi dada como provado na sentença criminal que a mesma não existiu (pontos 29 e 30 dos factos provados).
23.ª- A decisão criminal afasta também a relevância, para o grau de probabilidade lógica prevalecente da convicção do julgador, dos elementos de que as instâncias cíveis se valeram para dar como provada a existência destes e dos restantes bens (barras de ouro e moedas de ouro), e que são: o teor da participação criminal de fls. 18, as fotografias, o facto de se as ter tirado, os documentos de fls. 27 a 37 relativos às moedas; e o depoimento de uma testemunha sobre a aquisição pelo Recorrido das barras de ouro.
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