Acórdão nº 810/07.8TBETR.P2 de Tribunal da Relação do Porto, 24-10-2022

Data de Julgamento24 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão810/07.8TBETR.P2
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 810/07.8TBETR.P2 - Apelação
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Aveiro – J1

Relator: Jorge Miguel Seabra.
1º Adjunto: Juiz Desembargador Dr.ª Maria de Fátima Andrade
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Dr.ª Eugénia Cunha
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Sumário (elaborado pelo Relator):
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto,

I. RELATÓRIO:
1. Município da Murtosa, com sede no Edifício dos Paços do Concelho, ..., ..., intentou a presente acção popular contra AA, casado, residente na Quinta ..., ..., Viseu, e contra BB, divorciado, residente na Av. ..., Estarreja, pedindo:
a) a condenação dos RR. a absterem-se de praticar qualquer ato na praia do ..., em toda a zona assinalada a amarelo na planta junta como documento n.º 1 com a petição da providência cautelar apensa aos presentes autos, nomeadamente impeditivo do acesso e fruição da mesma por qualquer cidadão, nela colocando quaisquer objectos, vedando-a, impedindo a sua manutenção e arranjo pela A., realizando qualquer ato que desvirtue a utilização da mesma como praia pública e de livre acesso;
b) que seja reconhecido que a zona identificada a amarelo na planta junta como documento n.º 1 com a petição da referida providência cautelar é domínio público;
c) para a hipótese de assim se não entender, sempre deveria tal zona ser considerada como sujeita a uma servidão de uso público como praia, podendo qualquer cidadão por aí circular livremente, utilizá-la como praia, aí permanecendo, aceder à ria, não podendo aí exercer quaisquer atos que impeçam ou alterem a sua função de praia;
d) que os RR. sejam condenados, solidariamente, a pagar ao A. a quantia de €26.227,88, a que devem acrescer juros à taxa legal contados desde a citação e até integral pagamento, respeitando €1.277,88 ao montante despendido pelo A. para limpeza da praia, e €25.000,00 a título de danos morais, pela lesão ao ambiente e qualidade de vida e pela lesão do património natural e cultural, que o A. destinará exclusivamente a acções de promoção de defesa do ambiente e de lazer da população.
Articula, para o efeito, que, na freguesia ..., concelho da Murtosa, existe, desde tempos imemoriais, uma praia de areia na Beira-Ria (Ria de Aveiro) denominada de ..., junto à Casa dos Marinheiros.
Tal praia estende-se de sul para norte, iniciando-se a sul do local onde até há cerca de 15 ou mais anos esteve um bar de praia instalado num barco de pesca de arte xávega e vai até um armazém (antigo armazém da aviação naval) que existe junto à Ria para recolha de barcos e, antigamente, há mais de 40 anos, para apoio aos hidroaviões da aviação nacional, tendo a extensão e localização assinalada com a cor amarela na planta junta a folhas 7 do procedimento cautelar apenso.
Em frente à Praia e a separá-la da EN nº ..., no espaço compreendido entre o seu início, a sul, e sensivelmente a Casa dos Marinheiros, a norte, a Câmara Municipal ... construiu há mais de 30 anos um passeio em cimento com uma largura de 2,75 metros e, ao lado desse passeio, ainda existe uma berma, em terra batida, com cerca de três metros de largura que é utilizada para estacionamento de automóveis.
Desde tempos imemoriais que, nesse espaço, as pessoas armam barracas de praia, colocam guarda-sóis, estendem toalhas, deitam-se na areia, jogam, brincam e vão tomar banho na Ria, usam o passeio para passear e, ao sair da praia, para se sentarem e limparem a areia dos pés, tudo isto sem impedimento de qualquer pessoa e aos olhos de todos, na plena convicção de estarem a exercer um direito, convictos que estão num local público, sendo o acesso permitido à generalidade das pessoas.
A praia, na zona em que existe o passeio, estende-se desde a Ria até ao passeio, sendo que, todos os anos, durante a época balnear, o Município da Murtosa coloca, na praia, areia branca, procede à limpeza da praia, coloca caixotes de lixo e faz a respectiva recolha.
No dia 22/05/2007 a Câmara Municipal ... transportou 400 m3 de areia da praia oceânica para a Praia ....
Quando, no dia 23/05/2007, os seus funcionários se aprestavam para espalhar a areia na praia, foram impedidos pelos RR., tendo, ainda, no dia 24/05/2007, com o auxílio de uma máquina, arrancado os lancis dos passeios e espalhado os mesmos pela praia. Mais, ainda, no dia 26/05/2007, espalharam pela praia ramos de acácias, outra vegetação e detritos.
Os Réus serão donos de um terreno de grande extensão aí situado, mas do lado oposto da EN ..., ou seja, a poente desta, pretendendo construir em tal terreno, tendo apresentado, na Câmara Municipal, um pedido para o efeito, pedido que ainda não lhe foi deferido. Assim, procurando pressionar a Câmara, desencadearam as aludidas acções, aparecendo agora a intitularem-se donos da dita praia.

2. Os Réus, na sua contestação, excepcionaram: a) a ilegitimidade do Réu AA, por este estar desacompanhado do seu cônjuge CC; b) a ilegitimidade do A., por este, com a presente acção, não pretender defender o domínio público marítimo, mas reivindicar uma parte de uma propriedade privada para os seus munícipes.
Mais, ainda, impugnaram a factualidade alegada pelo A., defendendo que o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº ..., de que são proprietários, se estende, a nascente da EN nº ..., até à Beira-Ria (salvaguardada a zona de 11 metros do domínio hídrico) e a norte abrange também, para além de uma parte assinalada no mapa a amarelo, todo o terreno onde se encontra edificada a casa ..., desde a Beira-Ria até à EN nº ..., em espaço assinalado na aludida planta a branco e a verde.
Por outro lado, ainda, invocaram que esse seu imóvel fazia parte outrora dos baldios municipais que se estendiam por toda a costa da ..., entre a Ria e o Mar, desde Ovar a ... (artigo 43º da contestação), que esses «baldios» já antes de 1864 estavam na fruição conjunta das populações radicadas na circunscrição administrativa correspondente ao então concelho de Estarreja (artigo 44º da mesma peça), que, desses «baldios», no uso dos poderes que a CM de Estarreja detinha, foram desaforadas (isto é, transmitidas), em 1926, várias parcelas situadas na costa da ..., nelas se incluindo, a pedido de DD (representado por EE) um terreno «baldio» de que fazia parte o aludido prédio dos RR., terreno que veio assim, por aquele meio, a pertencer ao dito DD.
Posteriormente, por óbito deste último e dos seus herdeiros (FF e GG) veio o dito terreno a caber aos seus respectivos herdeiros, herdeiros esses que vieram, posteriormente, em 1968, a vender o prédio ora em causa ao aqui Réu AA, o qual, por sua vez, vendeu, em 1972, metade indivisa do mesmo imóvel ao seu irmão e também Réu BB.
Dito de outra forma, através de tal alegação, visaram os Réus demonstrar, para efeitos do preceituado no artigo 15º da Lei n.º 54/2005 de 15.11. (Lei que estabelece a titularidade dos recursos hídricos), que o prédio de que se arrogam proprietários por mor da aquisição em 1968 e 1972 era, antes de 1864, objecto de propriedade comum e que passou a integrar, desde 1926, o domínio privado, situação em que se manteve desde essa data e até hoje por força das sucessivas transmissões antes descritas.
E, assim, nesse contexto, alegaram, ainda, que há mais de 30 anos que ocupam esse imóvel com a implantação e delimitação referida, usufruindo deles à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, cultivando-os com árvores de folha perene, cortando e utilizando a sua madeira, pagando os seus impostos, na convicção de serem seus proprietários.
Por outro lado, ainda, invocaram que todos os imóveis que confrontam com o areal do ... têm como limite a nascente a Beira-Ria, apenas tendo sido divididos em duas parcelas pela construção da EN nº ... em 1955.
Em razão do comportamento da A. viram-se obrigados a interromper os trabalhos de limpeza que andavam a executar no seu prédio a nascente da EN ... e impedidos de utilizar a totalidade do seu prédio desde a decisão proferida a 06/07/2007 na providência cautelar, o que os faz sentir humilhados e envergonhados com a desconsideração perpetrada pela actuação do Autor.
Nestes termos, pugnaram pela improcedência da acção, deduzindo reconvenção, na qual pedem a final:
a) a condenação do A./Reconvindo a pagar aos RR./Reconvintes, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados, importância não inferior a €10.000,00 e, ainda, os danos patrimoniais cujo montante relegam para execução de sentença;
b) que lhes seja reconhecido o seu direito de propriedade plena sobre a totalidade do prédio situado na zona do ..., ..., ..., do concelho da Murtosa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Murtosa sob o nº ... (...) e inscrito na matriz da freguesia ..., ... sob os nºs. ..., ..., ... e ....
Peticionaram, ainda, a condenação do A., como litigante de má-fé, em indemnização no valor de € 5.000,00.

3. O A., na sua réplica, respondeu à matéria de excepção, pugnando pela sua improcedência, tendo, ainda, impugnado parcialmente a factualidade alegada pelos RR.
Terminou pela improcedência das excepções e da reconvenção deduzida.

4. Os Réus, na tréplica, mantiveram o alegado na sua contestação.

5. Nesta sequência, foi o Autor convidado a deduzir incidente de intervenção provocada relativamente a CC, incidente que veio a ser deduzido e admitido.

6. A Interveniente CC veio contestar, mantendo, no essencial, a posição já antes adoptada no processo pelos demais RR.
Termina pedindo a condenação do Autor como litigante de má-fé, em multa e numa indemnização a pagar à Interveniente, para além da pedida pelos Réus, em importância não inferior a €5.000,00.

7. Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade da A. e dos Réus, procedendo à fixação dos factos assentes e controvertidos, que foram
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