Acórdão nº 81/18.0PBFIG-C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 29-01-2020

Data de Julgamento29 Janeiro 2020
Número Acordão81/18.0PBFIG-C1
Ano2020
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra







Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO:

Nos autos de processo comum supra referenciados, que correram termos pelo Juízo Local Criminal da Figueira da Foz, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência foi proferida sentença decidindo nos seguintes termos:

(...)

Pelo exposto, na parcial procedência da acusação, decide-se:

1. Absolver o arguido A., em autoria material e sob a forma consumada, pela prática de um crime de crime agravada [1], na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 153.º e 155.º n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal na pessoa de (…).

2. Condenar o arguido A, em autoria material e sob a forma consumada, pela prática de um crime agravada[2], previsto e punido pelo artigo 153.º e 155.º n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pessoa de (…), numa pena de 14 (catorze) meses prisão.

3. Determinar a suspensão da execução da pena referida em 2), nos termos do artigo 50.º do Código Penal, pelo mesmo período, com regime de prova, assente em plano de reinserção social a elaborar e supervisionar pela DGRSP a incidir nas vertentes mais convenientes para a ressocialização do arguido em que se contemplem acções tendo em vista a sua abstinência de estupefacientes e de postura activa de colocação profissional e à regra de conduta da continuidade do seu tratamento psiquiátrico, frequentando com regularidade as consultas de psiquiatria e cumprindo a terapêutica prescrita, com o apoio e fiscalização da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (artigos 50º, 52.º n.º 3, e n.º 4 e 53.º, e 54º, do Código Penal).

(…)

Inconformado, recorre o arguido, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões:

1. Foi o ora Recorrente condenado, na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução, pela prática de um pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.º e 155.º n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pessoa de (…).

2. Ora, entende o Arguido que deveria ter sido absolvido da prática de tal crime.

3. Uma vez que, foram julgados como provados e não provados os seguintes factos: - No dia 31-01-2018, pelas 11h55, na Farmácia (…), sita no Largo (…), n.º (…), (…), área deste concelho e comarca, o arguido A. disse, em voz alta e com foros de seriedade, para o ofendido (…), id. a fls. 17: “Vou ao carro buscar uma navalha e corto-te o pescoço”. - As referidas palavras, proferidas pelo arguido e dirigida ao ofendido (…), foram-no de molde a perturbar este nos seus sentimentos de segurança e liberdade, provocando-lhe o receio de que o arguido concretizasse a ameaça feita, nomeadamente que o atingisse fisicamente de forma grave ou até que o matasse. - O arguido agiu, bem sabendo que aquelas palavras assim proferidas, nas descritas circunstâncias, provocariam no ofendido, uma perturbação nos seus sentimentos de segurança e liberdade. - O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, na sua conduta acima descrita. - Bem sabia também que a sua descrita actuação lhe implicava responsabilidade criminal.

4. Face ao teor dos factos provados, e face ao teor da prova testemunhal, composta pelo Depoimento dos Ofendidos (…) e (…) e ainda da testemunha (…).

5. Diremos nós que, jamais estarão preenchidos os pressupostos do crime de ameaça, e muito menos, do crime de ameaça agravada, p. e p. pelas disposições conjugas dos artigos 153 nº 1 e 155º n.º 1 al. a), todos do Código Penal.

6. Porquanto, Estabelece o art.º 153º do Código Penal, que quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação, ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.

7. Exige-se pois que, para este tipo de crime se verifique, a promessa de um mal futuro que constitua um crime e que essa promessa seja adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do visado.

8. Implicando, por isso o conhecimento da ameaça por parte do sujeito passivo, não importando já porque forma chega ao seu conhecimento.

9. Assim, para constituir o crime de ameaça, a expressão proferida tem de prenunciar ou como refere o Acórdão da Relação do Porto, de 12-12-1984, em Coletânea de Jurisprudência, Tomo II, página 291, anunciar um grave e injusto dano, necessariamente futuro.

10. E anunciar a prática de um mal, no futuro, é que é ameaçar.

11. Como se refere no Comentário Conimbricense do Código penal, tomo I, PAG. 342-343, “são três as características essenciais do conceito de ameaça: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente… o mal tem de ser futuro. Isto significa que o mal objeto da ameaça não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coação, entre ameaça (de violência) e violência. Assim por exemplo haverá ameaça quando alguém afirma: “hei dei-te matar”. Já se tratará de violência, quando alguém afirma: “vou-te matar já”.”

12. Trata-se todavia de um crime de perigo e não de um crime de resultado, uma vez que não se exige que em concreto se tenha provocado o medo ou inquietação.

13. Na análise do critério de adequação da ameaça a provocar o referido medo ou inquietação terá que ter-se em conta que este apesar de ter em conta as características individuais do ameaçado e designadamente as suas características psíquicas e mentais, não nos poderemos afastar do conceito do homem comum e consequentemente aferir se nas circunstâncias em que foi efetuada e tendo em conta a personalidade do agente teria a capacidade de intimidar qualquer pessoa.

14. Concluímos, pois, que o mal alegadamente verbalizado pela Arguido, não é futuro mas eminente, configurando a prática de um ato de execução de um crime que o agente acabou por desistir de levar a cabo (vd., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25 de Setembro 2002 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de Janeiro de 2006, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

15. Assim sendo, e face à factualidade descrita, a conduta alegadamente praticada pela Arguido, não é anúncio de um mal futuro, pelo que não integra o tipo do crime de ameaça. Pelo que se conclui que deverá o Arguido ser Absolvido, da prática do crime pelo qual foi condenado.

16. Foi o ora Recorrente condenado na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução sujeita a deveres e regras de conduta.

17. Não se conforma o Recorrente, nem se poderia de modo algum, conformar, com a Douta Decisão proferida, no que tange à pena concretamente aplicada. Uma vez que, no entendimento do ora Recorrente a mesma ser manifestamente excessiva, tendo em conta as penas aplicadas em casos semelhantes e o seu grau de culpa.

18. De facto, o Arguido reconhece a gravidade da conduta levada a cabo nos presentes autos.

19. Contudo, não podemos olvidar, que os factos decorreram durante um período turbulento da vida do Arguido, tal como o Arguido e o próprio ofendido referiram em sede de julgamento.

20. Aliás o Ofendido referiu, conhecer o Arguido há muitos e nunca ter tido qualquer problema com este, tendo conhecimento que naquela altura aquele não estava bem e consumia excessivamente, medicamentos, álcool e drogas.

21. O Recorrente, não olvida os seus já antecedentes criminais, constantes do seu CRC, junto aos presentes autos, contudo a prática desses mesmos factos remontam aos anos de 2002, 2003, 2008 e 2011. Ou seja, crimes cometidos há mais de 10 anos, à exceção do praticado em 2011, há mais de cinco anos.

22. Os demais crimes de ameaça e extorsão, uns já transitados e outros não, remontam todos ao mesmo período turbulento da vida do Arguido.

23. Acresce que, todas as penas (à exceção destas últimas) aplicadas ao Arguido se encontram já extintas pelo cumprimento.

24. Assim, a prevenção geral positiva traduz-se na confiança que a sociedade precisa de manter na vigência da norma, é o mínimo exigível da pena, ora no presente caso do ora Recorrente, ainda, que as necessidades de prevenção geral positiva, possam ser consideradas elevadas, tendo em conta que o grau de ilicitude dos factos.

25. Pois à data dos factos, e pelo menos no que toca ao Recorrente, este encontrava-se com problemas de adição.

26. Atualmente o Arguido, encontra-se a seguir tratamento psiquiátrico, procura inserção laboral, e encontra-se a estudar.

27. Deste modo, as necessidades de prevenção quer geral quer especial, ainda que sejam elevadas, encontravam-se fortemente diminuídas.

28. Mais acresce que pela Ofendida foi referido, nunca mais, ter ocorrido qualquer episódio. A medida da pena, não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa.

29. Ora, no modesto entendimento do Recorrente, tal limite foi claramente e grosseiramente ultrapassado, nas penas parcelares e na pena única que concretamente foram aplicadas ao ora Recorrente 14 meses de prisão.

30. Face ao supra exposto, o Arguido ora Recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos ora em apreço, esta não poderá ser em caso algum superior a 6 meses de...

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