Acórdão nº 806/19.7T8CTB-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 17-09-2019
Data de Julgamento | 17 Setembro 2019 |
Número Acordão | 806/19.7T8CTB-A.C1 |
Ano | 2019 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. Os requerentes, M..., C..., M... e A..., instauraram (em 07/04/2019) contra os requeridos, A... e M..., todos melhor identificados nos autos, o presente procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse.
Para o efeito, e em síntese, alegaram o seguinte:
Serem, sem determinação de parte ou direito, os únicos donos e legítimos possuidores do prédio rústico sito no lugar de ..., inscrito na matriz desta freguesia sob o artigo ..., com a área total de 0,880 ha, composto de parcela 1 – mato e parcela 2 – cultura arvense.
Por sua vez, os 1º. e 2º. requeridos são os únicos donos e legítimos possuidores do prédio rústico sito no lugar de ..., inscrito na matriz desta freguesia sob o artigo ..., composto de parcela 1 – mato e parcela 2 – cultura arvense.
Prédios esses que confinam entre si (numa estrema com a direção nascente poente, sendo o dos requerentes pelo seu lado sul e o dos requeridos pelo seu lado norte).
Os requerentes para acederem àquele seu prédio faziam-no por um caminho de servidão (de passagem de pé, amimais e carro/trator), que vindo da estrada, atravessa o prédio dos requeridos, com um extensão de 32 metros e com uma largura de 2,5 m.
Servidão de passagem essa, a onerar o prédio dos requeridos e em benefício daquele seu prédio, que adquiriram por usucapião.
Acontece que em meados julho de 2018 os requeridos, contra sua vontade, destruíram esse caminho de servidão, tendo ainda colocado à sua entrada um portão.
Situação essa que lhes vem causando danos de natureza patrimonial e não patrimonial, pois que os impede de ter acesso àquele seu prédio (que é encravado) e, assim, de o cultivar e dele retirar os respetivos rendimentos agrícolas.
Pelo que terminaram pedindo/requerendo a condenação dos requeridos:
a) A, no prazo de 15 dias, reporem o referido caminho, com cerca de 32 metros de comprimento e 2,75 de largura, tal como existia nivelado na sua cota antes de o terem escavado em julho de 2018, e a manter o portão permanentemente aberto ou, subsidiariamente, a entregarem uma chave aos requerentes;
b) Numa sanção pecuniária compulsória de €35,00 por cada dia de atraso na reposição e restituição de servidão.
2. Realizou-se (sem a audição prévia dos requeridos) a audiência de produção de prova (arrolada pelos requerentes).
3. Seguiu-se a prolação de sentença que, no final, decidiu julgar procedente a providência cautelar nos seguintes termos :
“a) Condenar os requeridos a:
1- no prazo de 15 dias reporem o caminho de servidão desde a estrada nacional/caminho público até ao prédio designado como o nº 8, com a largura de 2,5 metros, tal como existia nivelada na sua cota antes de o terem escavado em Julho de 2018 e entregarem 1 chave do portão de acesso aos requerentes.
2- na sanção compulsória de 20,00€ por cada dia de atraso na reposição da servidão.”
4. Notificados dessa sentença (artº. 372º e 366º, nº. 6, do CPC), os requeridos dela apelaram (fls. 38/41), tendo concluído as respetivas alegações de recurso nos seguintes termos:
I
« Verifica-se uma situação de ilegitimidade passiva, pelo que se impõe a absolvição dos requeridos da instância.
II
Ocorreu a caducidade do direito de propositura do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, caducidade que se invoca com a consequente absolvição do pedido.
III
O terreno desde a estrada nacional /caminho público até ao prédio dos requerentes é plano e transitável, permitindo a passagem de pessoas e máquinas agrícolas.
IV
O terreno foi rebatido para nível zero entre a estrada nacional/caminho público e o prédio dos requerentes.
V
Não é possível repor o caminho na sua cota anterior.
VI
Actualmente é mais fácil transitar no local onde se diz existir a servidão.
VII
Revogar a sentença na parte em que condena os requeridos a reporem o caminho de servidão desde a estrada nacional/caminho público na sua cota antes de o terem escavado.
VIII
A sentença é nula na parte em que condena os requeridos na sanção compulsória de 20.00 € por cada dia de atraso na reposição da servidão.”
5. Contra-alegaram os requerentes (fls. 44/52), pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado.
6. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
II- Fundamentação
1. Do objeto do recurso.
Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).
Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso do autor, verifica-se que as questões nelas colocadas, e que cumpre aqui apreciar, são as seguintes:
a) Da (il)egitimidade passiva;
b) Da nulidade da sentença;
c) Da caducidade do direito de propositura do procedimento cautelar;
d) Da revogação da sentença (por impossibilidade de reposição do caminho na sua quota anterior);
2. Os Factos.
O tribunal a quo deu, indiciariamente, como provados os seguintes factos:
...
3. Quanto à 1ª. questão.
Invocam os requeridos/apelantes a existência de uma situação ilegitimidade passiva, pedindo, com base nela, a sua absolvição da instância.
Para tanto alegam (como decorre do corpo das suas alegações), em síntese, ter sido a ação principal instaurada contra eles, e ainda os RR. A... e T..., não tendo, porém, estes sido demandados no presente procedimento cautelar, como se impunha, dado estar-se perante uma situação de litisconsórcio necessário, de molde a assegurar o princípio do contraditório e que a decisão possa produzir o seu efeito útil normal.
Nas suas contra-alegações, defendem os requerentes/apelados a inexistência de qualquer situação ilegitimidade passiva.
Apreciando.
A invocada ilegitimidade configura, como é sabido, uma exceção dilatória (artº. 577º, al. e), do CPC) e que, a verificar-se, levaria à absolvição da instância dos requeridos (artº. 278º, nº. 1 al. d), do CPC).
A legitimidade passiva advém do interesse direto que a parte tem em contradizer e que se exprime pelo prejuízo que para ela advenha da procedência da ação (nºs. 1 e 2 do artº. 30º do CPC).
Na falta da lei em contrário, e para efeitos da titularidade desse interesse relevante, a legitimidade (processual) dos sujeitos deve ser aferida em face da relação controvertida tal como é configurada pelo autor, em termos do pedido e da sua causa de pedir (nº. 3. artº. 30º do CPC).
O procedimento cautelar de restituição provisória de posse, de que os requerentes lançaram mão, encontra-se disciplinado no artº. 377º e ss. do CPC; o qual, por sua vez, adjetiva a norma substantiva do artº. 1279º e ss. do CC, segundo a qual, no caso de esbulho violento, o possuidor tem direito a ser restituído provisoriamente à posse.
Procedimento cautelar esse que é instrumental da ação para defesa da posse, e mais concretamente da ação de restituição de posse (artºs. 1276º e 1278º do CC), a qual, nos termos do disposto no nº. 2 do artº. 1281º do CC e em termos de legitimidade passiva, pode ser intentada não só contra os esbulhador ou os seus herdeiros, mas ainda contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho.
Posto isto, e como decorre do que se deixou expresso no Relatório inicial, os requerentes instauraram contra os requeridos o presente procedimento cautelar de restituição provisória de posse alegando, em síntese, que os mesmos, contra a sua vontade, destruíram o caminho de servidão de passagem constituída (por via da usucapião) sobre o prédio rústico dos mesmos (onerando-o) e em benefício do seu prédio, e que lhes permite o acesso a este, ou seja, e por outras palavras, esbulharam-nos (com violência) da exercício da posse dessa servidão, pedindo, em consequência, que estes fossem condenados a devolver-lhes essa posse, repondo o caminho dessa servidão no estado em que se encontrava antes dessa sua intervenção (esbulhadora) e...
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