Acórdão nº 803/13.6T2OBR-D.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 27-01-2020
Data de Julgamento | 27 Janeiro 2020 |
Número Acordão | 803/13.6T2OBR-D.P1 |
Ano | 2020 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Processo n.º 803/13.6T2OBR-D.P1
Recorrente – B…
Recorrido – C…
Relator: José Eusébio Almeida;
Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.
2 - O requerente, em abono da sua pretensão, veio alegar que o filho vai iniciar, no ano letivo 2018/2019, a frequência do ensino básico e que pretende que tal suceda no Colégio E…, em …, que ficou em 29.º lugar no ranking de todas as escolas nacionais e que é também frequentado pela sua enteada, com quem o D… brinca nos fins de semana, ferias e datas festivas em que está com o pai. Refere ainda que que assumira os transportes do filho de Águeda (para onde a requerida o transportara) para o Colégio e vice-versa e, bem assim, os custos correspondentes á inscrição e frequência daquele estabelecimento de ensino e, por outro lado, que não conseguiu convencer a requerida das vantagens de o filho frequentar um colégio privado, onde as crianças são acompanhadas de uma forma mais próxima, atendendo a que as turmas são mais pequenas.
3 – Citada, a requerida veio, a 9 de julho de 2018, apresentar alegações e pugnar pela improcedência da pretensão. Para tanto, alegou, em síntese, que inscreveu o filho na escola básica F…, onde o mesmo já foi admitido, não concordando que o mesmo frequente a pretendida instituiçaÞo de ensino privado. Refere também que o colégio onde o requerente pretende inscrever o filho dista cerca de 30 quilómetros do local de trabalho da requerida e 40 quilómetros da residência desta e do filho, dizendo que essas tais distâncias implicam uma alteraçaÞo significativa nas rotinas do D…, a nível de logística, do contexto social e dos horários.
4 - E, a 9 de setembro de 2018, a requerida veio expor, requerendo a tramitação urgente do processo, que “o cerne dos presentes autos á a dissidência no que á escola de ensino básico a ser frequentada pelo D…, no próximo ano letivo concerne. Considerando que o menor foi matriculado e aceite num colégio privado pelo Requerente, bem como foi matriculado e aceite num estabelecimento de ensino publico pela Requerida, e atento que as partes ainda não lograram chegar acordo sobre a escola a ser frequentada pelo menor no ano letivo que terá o seu inicio na terceira semana de setembro, é urgente e absolutamente necessária a intervençaÞo do Tribunal para assegurar a defesa dos melhores interesses do menor”.
5 - Realizou-se a conferência a que alude o artigo 35 n.º 1 aplicável por força do disposto no artigo 44 n.º 2 do RGPTC no âmbito da qual não foi possível a obtençaÞo de acordo dos progenitores e, em face da urgência da decisão e tendo os progenitores declarado manter as alegações anteriormente apresentadas, bem como os respetivos requerimentos probatórios, foi logo designada data para realizaçaÞo da audiência de discussão e julgamento.
6 - Procedeu-se á realização da audiência de discussão e julgamento, nos termos que as atas documentam e a criança foi ouvida.
7 – Foi proferida sentença com o seguinte “DISPOSITIVO: Em face do exposto:
a) decido que a criança D… passe a frequentar o estabelecimento de ensino privado Colégio E…, em …, sendo tal frequência custeada, na integra, pelo pai, que assegurará também o transporte do filho de e para casa da mãe, o que não poderá suceder após as 18 horas;
b) fica prejudicada a apreciaçaÞo da questão relativa á alteração da morada da criança de F… para Albergaria-a-Velha, por inutilidade superveniente da lide.
Custas em partes iguais.”
“i.
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9 – O recorrido respondeu ao recurso,
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10 – Também o Ministério Público respondeu ao recurso, transcrevemos:
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11 – O recurso foi recebido nos termos legais, atribuindo-se ao mesmo o efeito meramente devolutivo: “Por estar em tempo, ter legitimidade e a sentença ser recorrível, admito o recurso interposto pelo requerido. O recurso é de apelação, sobe de imediato nos próprios autos e tem efeito meramente devolutivo e não suspensivo, uma vez que a criança já se encontra, atualmente, a frequentar o novo colégio e os progenitores deram, entretanto, entrada de um acordo de alteraçaÞo da regulaçaÞo do exercício das responsabilidades parentais do filho onde prevêem uma residência alternada, não fazendo assim qualquer sentido, no superior interesse da criança, estar novamente e durante a pendência do presente recurso a mudá-lo, novamente, de estabelecimento de ensino (art. 32 n.º 1 a 4 do Regime Geral do Processo Tutelar Ciìvel (RGPTC) aprovado pela Lei n.º 141/2015 de 08/09, alterado pela Lei n.º 24/2017 de 24/05, art. 629 n.º 1, 630 n.º 1 “a contrario”, 631 n.º 1, 638 n.º 7, 644 n.º 1 al. a) e 645 n.º 1 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 33 do RGPTC).
12 – Nesta Relação, por impossibilidade do primeiro Desembargador relator, o processo veio a ser redistribuído uma primeira vez e novamente redistribuído por ter entendido o novo Desembargador relator que o processo não podia, atenta a sua natureza urgente, ser-lhe a si distribuído[3].
13 – Tendo em conta o tempo decorrido desde a instauração foi proferido despacho pelo relator[4] no sentido de as partes, querendo, se pronunciarem sobre qualquer circunstância tida por conveniente e, em resposta, requerente e requerida mantiveram as posições anteriormente assumidas no recurso.
15 – Nada se alterou ao despacho que recebeu o recurso, mantendo-se, desse modo, o efeito devolutivo da apelação, e o processo correu Vistos. Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.
16 – O objeto da apelação, atentas as conclusões apresentadas pela recorrente, consiste em saber se a sentença padece de nulidade e se a decisão sobre a matéria deve ser alterada, em que sentido e com que consequências, concretamente se a sentença deve ser revogada, passando a criança a frequentar o estabelecimento de ensino público, como a apelante pretende e sustenta.
18 – Como a apelante recorda – e nenhuma razão há para o infirmar – o dever de fundamentar as decisões judiciais decorre da própria Constituição (artigo 205, n.º 1), ainda que a Lei Fundamental defira à lei a forma de cumprimento desse dever jurídico[6] e, em consonância, o artigo 607 do CPC, no seu n.º 3 fala dos fundamentos da sentença e no seu n.º 4, com maior incidência sobre a decisão relativa à matéria de facto, refere que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas...”.
19 – Importa dizer, no entanto, que a inobservância do dever de fundamentação, em moldes que traduzam uma nulidade da sentença, há de corresponder uma absoluta e evidente falta de fundamentação e não ocorre nos casos em que a fundamentação apenas se revela escassa ou deficiente[7].
20 – No caso presente, basta uma rápida leitura da motivação da decisão sobre a matéria de facto – a que aqui está em causa – que sumariamente transcrevemos,[8] – para percebermos que a sentença não padece da nulidade invocada pela apelante, porquanto, independentemente de um ponto ou outro poder ter uma motivação mais explicativa, os fundamentos da sentença encontram-se especificados.
21 – Em conformidade com o antes referido, entendemos que não ocorre a nulidade de sentença invocada pela recorrente.
23 - O preceito, na redação dada pelo novo CPC (em contraponto, desde logo, com o artigo 712 do CPC anterior) clarifica e reforça os poderes da Relação[9], ou alarga e melhora esses poderes[10], impondo um dever de alteração da decisão sobre a matéria de facto, reunidos que estejam os respetivos pressupostos legais, e de acordo com a sua própria convicção[11], em autonomia decisória[12], desde que o impugnante tenha cumprido o ónus imposto pelo artigo 640 do CPC[13].
24 - O normativo acabado de referir, como decorre das várias alíneas do seu n.º 1, impõe ao recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto que especifique “Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” e “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”...
Recorrente – B…
Recorrido – C…
Relator: José Eusébio Almeida;
Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I- Relatório
1 - C… instaurou, a 25 de junho de 2018, a presente açaÞo tutelar comum, ao abrigo do disposto no artigo 44 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), demandando B…, por haver desacordo entre ambos quanto á frequência ou não pelo filho menor D… de um concreto estabelecimento de ensino privado, em lugar do estabelecimento de ensino público e porque a requerida pretende mudar de residência e termina pedindo que seja permitida a inscriçaÞo do filho de ambos no Colégio E…, em …, e que não seja permitida a sua mudança de residência[1].2 - O requerente, em abono da sua pretensão, veio alegar que o filho vai iniciar, no ano letivo 2018/2019, a frequência do ensino básico e que pretende que tal suceda no Colégio E…, em …, que ficou em 29.º lugar no ranking de todas as escolas nacionais e que é também frequentado pela sua enteada, com quem o D… brinca nos fins de semana, ferias e datas festivas em que está com o pai. Refere ainda que que assumira os transportes do filho de Águeda (para onde a requerida o transportara) para o Colégio e vice-versa e, bem assim, os custos correspondentes á inscrição e frequência daquele estabelecimento de ensino e, por outro lado, que não conseguiu convencer a requerida das vantagens de o filho frequentar um colégio privado, onde as crianças são acompanhadas de uma forma mais próxima, atendendo a que as turmas são mais pequenas.
3 – Citada, a requerida veio, a 9 de julho de 2018, apresentar alegações e pugnar pela improcedência da pretensão. Para tanto, alegou, em síntese, que inscreveu o filho na escola básica F…, onde o mesmo já foi admitido, não concordando que o mesmo frequente a pretendida instituiçaÞo de ensino privado. Refere também que o colégio onde o requerente pretende inscrever o filho dista cerca de 30 quilómetros do local de trabalho da requerida e 40 quilómetros da residência desta e do filho, dizendo que essas tais distâncias implicam uma alteraçaÞo significativa nas rotinas do D…, a nível de logística, do contexto social e dos horários.
4 - E, a 9 de setembro de 2018, a requerida veio expor, requerendo a tramitação urgente do processo, que “o cerne dos presentes autos á a dissidência no que á escola de ensino básico a ser frequentada pelo D…, no próximo ano letivo concerne. Considerando que o menor foi matriculado e aceite num colégio privado pelo Requerente, bem como foi matriculado e aceite num estabelecimento de ensino publico pela Requerida, e atento que as partes ainda não lograram chegar acordo sobre a escola a ser frequentada pelo menor no ano letivo que terá o seu inicio na terceira semana de setembro, é urgente e absolutamente necessária a intervençaÞo do Tribunal para assegurar a defesa dos melhores interesses do menor”.
5 - Realizou-se a conferência a que alude o artigo 35 n.º 1 aplicável por força do disposto no artigo 44 n.º 2 do RGPTC no âmbito da qual não foi possível a obtençaÞo de acordo dos progenitores e, em face da urgência da decisão e tendo os progenitores declarado manter as alegações anteriormente apresentadas, bem como os respetivos requerimentos probatórios, foi logo designada data para realizaçaÞo da audiência de discussão e julgamento.
6 - Procedeu-se á realização da audiência de discussão e julgamento, nos termos que as atas documentam e a criança foi ouvida.
7 – Foi proferida sentença com o seguinte “DISPOSITIVO: Em face do exposto:
a) decido que a criança D… passe a frequentar o estabelecimento de ensino privado Colégio E…, em …, sendo tal frequência custeada, na integra, pelo pai, que assegurará também o transporte do filho de e para casa da mãe, o que não poderá suceder após as 18 horas;
b) fica prejudicada a apreciaçaÞo da questão relativa á alteração da morada da criança de F… para Albergaria-a-Velha, por inutilidade superveniente da lide.
Custas em partes iguais.”
II - Do Recurso
8 - Inconformada com o decidido, a requerida veio apelar, impugnando a decisão sobre a matéria de facto e discordando da aplicação do Direito. Pretendendo a revogação da decisão apelada, formula as seguintes Conclusões[2]:“i.
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9 – O recorrido respondeu ao recurso,
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10 – Também o Ministério Público respondeu ao recurso, transcrevemos:
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11 – O recurso foi recebido nos termos legais, atribuindo-se ao mesmo o efeito meramente devolutivo: “Por estar em tempo, ter legitimidade e a sentença ser recorrível, admito o recurso interposto pelo requerido. O recurso é de apelação, sobe de imediato nos próprios autos e tem efeito meramente devolutivo e não suspensivo, uma vez que a criança já se encontra, atualmente, a frequentar o novo colégio e os progenitores deram, entretanto, entrada de um acordo de alteraçaÞo da regulaçaÞo do exercício das responsabilidades parentais do filho onde prevêem uma residência alternada, não fazendo assim qualquer sentido, no superior interesse da criança, estar novamente e durante a pendência do presente recurso a mudá-lo, novamente, de estabelecimento de ensino (art. 32 n.º 1 a 4 do Regime Geral do Processo Tutelar Ciìvel (RGPTC) aprovado pela Lei n.º 141/2015 de 08/09, alterado pela Lei n.º 24/2017 de 24/05, art. 629 n.º 1, 630 n.º 1 “a contrario”, 631 n.º 1, 638 n.º 7, 644 n.º 1 al. a) e 645 n.º 1 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 33 do RGPTC).
12 – Nesta Relação, por impossibilidade do primeiro Desembargador relator, o processo veio a ser redistribuído uma primeira vez e novamente redistribuído por ter entendido o novo Desembargador relator que o processo não podia, atenta a sua natureza urgente, ser-lhe a si distribuído[3].
13 – Tendo em conta o tempo decorrido desde a instauração foi proferido despacho pelo relator[4] no sentido de as partes, querendo, se pronunciarem sobre qualquer circunstância tida por conveniente e, em resposta, requerente e requerida mantiveram as posições anteriormente assumidas no recurso.
15 – Nada se alterou ao despacho que recebeu o recurso, mantendo-se, desse modo, o efeito devolutivo da apelação, e o processo correu Vistos. Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.
16 – O objeto da apelação, atentas as conclusões apresentadas pela recorrente, consiste em saber se a sentença padece de nulidade e se a decisão sobre a matéria deve ser alterada, em que sentido e com que consequências, concretamente se a sentença deve ser revogada, passando a criança a frequentar o estabelecimento de ensino público, como a apelante pretende e sustenta.
III – Fundamentação
III.I – Da invocada nulidade da sentença
17 - Em vários pontos das suas conclusões[5], mas sempre referindo-se à motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, a recorrente sustenta a nulidade da sentença, invocando o disposto no artigo 615, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que, segundo este normativo, “É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.III.I – Da invocada nulidade da sentença
18 – Como a apelante recorda – e nenhuma razão há para o infirmar – o dever de fundamentar as decisões judiciais decorre da própria Constituição (artigo 205, n.º 1), ainda que a Lei Fundamental defira à lei a forma de cumprimento desse dever jurídico[6] e, em consonância, o artigo 607 do CPC, no seu n.º 3 fala dos fundamentos da sentença e no seu n.º 4, com maior incidência sobre a decisão relativa à matéria de facto, refere que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas...”.
19 – Importa dizer, no entanto, que a inobservância do dever de fundamentação, em moldes que traduzam uma nulidade da sentença, há de corresponder uma absoluta e evidente falta de fundamentação e não ocorre nos casos em que a fundamentação apenas se revela escassa ou deficiente[7].
20 – No caso presente, basta uma rápida leitura da motivação da decisão sobre a matéria de facto – a que aqui está em causa – que sumariamente transcrevemos,[8] – para percebermos que a sentença não padece da nulidade invocada pela apelante, porquanto, independentemente de um ponto ou outro poder ter uma motivação mais explicativa, os fundamentos da sentença encontram-se especificados.
21 – Em conformidade com o antes referido, entendemos que não ocorre a nulidade de sentença invocada pela recorrente.
III.II - Fundamentação de facto
III.II.I – Da impugnação da matéria de facto
22 - Como decorre do disposto no artigo 662, n.º 1 do CPC, A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.III.II.I – Da impugnação da matéria de facto
23 - O preceito, na redação dada pelo novo CPC (em contraponto, desde logo, com o artigo 712 do CPC anterior) clarifica e reforça os poderes da Relação[9], ou alarga e melhora esses poderes[10], impondo um dever de alteração da decisão sobre a matéria de facto, reunidos que estejam os respetivos pressupostos legais, e de acordo com a sua própria convicção[11], em autonomia decisória[12], desde que o impugnante tenha cumprido o ónus imposto pelo artigo 640 do CPC[13].
24 - O normativo acabado de referir, como decorre das várias alíneas do seu n.º 1, impõe ao recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto que especifique “Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” e “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”...
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