Acórdão nº 8/08.8BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 09-05-2024

Data de Julgamento09 Maio 2024
Número Acordão8/08.8BESNT
Ano2024
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência na Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I – RELATÓRIO

M......., militar da Guarda Nacional Republicana, ora recorrente, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra uma ação administrativa especial contra o Ministério da Administração Interna e o Estado Português, representado pelo Ministério Público, recorridos, visando a “...revogação do acto de indeferimento tácito, condenando-se solidariamente os Réus – MAI e Estado Português – a pagar ao autor, a título de danos patrimoniais, o montante de € 11.151,58 e a título de danos não patrimoniais a quantia de € 28.848,72, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos...”.

A 13/07/2012 foi prolatado saneador-sentença, na qual se decidiu:

“i) Absolver a Autoridade Demandada e o Réu, Estado Português, da instância quanto ao pedido de condenação a pagar ao Autor a quantia € 28.848,72, a título de danos patrimoniais;
ii) Julgar procedente a excepção dilatória de caducidade do direito de acção, e absolver a Autoridade Demandada da instância quanto aos pedidos de revogação do acto de indeferimento e de condenação à prática de acto devido, consubstanciado no pagamento da quantia de € 11.151,28, correspondente às diferenças de progressão no escalão 4º para o 5º, suplementos de patrulha e escala, gratificação de trânsito, por proceder uma causa impeditiva do seu conhecimento (artº. 87º, nº 1, alin. a) e 89º, nº 1, alin. h), ambos do CPTA)”.

Inconformado com a decisão, recorreu o aqui recorrente, que, após vicissitudes várias, entre as quais, as decisões deste Tribunal Central Administrativo proferidas a 26/09/2014 e 10/09/2015, foi indeferida a reclamação para a conferência apresentada do referido saneador-sentença, mantendo a decisão reclamada.

***
Notificado da decisão veio o recorrente interpor o presente recurso tendo, nas respetivas alegações, formulado as conclusões que infra se reproduzem:
“...
A - A aplicação da medida coactiva penal de suspensão da actividade profissional do arguido, seguida de absolvição da prática dos crimes de referência, constitui caso de mau funcionamento do serviço de justiça;
B - Tendo determinado danos na imagem, consideração e honra do recorrente, por ter sido divulgada a decisão interlocutória penal em causa, pelo Comandante-Geral da GNR, concorde, pelo que o artigo 22.° da CRP determina que os prejuízos sejam removidos;
C - E, neste sentido, é competente para o julgamento do caso o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e não os tribunais comuns, a quem está adstrito apenas o julgamento da responsabilidade extracontratual do Estado por erro de oficio, grave, dos magistrados;
D - É que não foi articulado qualquer erro de decisão judicial, mas simplesmente pedida a reparação dos prejuízos que incluem, durante os três anos da suspensão de funções, não ter sido o recorrente abonado dos suplementos de patrulha e escala, gratificação de trânsito, bem como não ter sido desbloqueado, com referência à data de 26/04/2004, do 4.° para o 5.° escalão da escala remuneratória;
E - Errou a sentença recorrida ao remeter este aspecto da questão para o foro comum, com base no artigo 4.°/2/alíneas b) e c) ETAF, preceito que, in casu, não exclui a competência dos tribunais administrativos;
F - Depois, a p.i., sobretudo nos art.°s 60.° a 69.°, articula factos bastantes de caracterização do dano não patrimonial sofrido pelo recorrente;
G - Ao que acresce a indicação precisa, no articulado restante, dos danos materiais correspondentes ao não abono durante o tempo da suspensão dos suplementos de patrulha e escala, gratificação de trânsito, pagamento das férias ou desbloqueamento do 4.° para o 5.° escalão, que deveria ter ocorrido em 26/04/2004;
H - Quando muito, merecem aperfeiçoamento da p.i., estes aspectos do dano e modo como foram produzidos, no que diz respeito à imputação ao Senhor Tenente-General Comandante-Geral da GNR que, nesta qualidade de militar, amplificou os efeitos do despacho judicial junto da opinião pública;
I - Ora, o despacho de aperfeiçoamento não é decisão discricionária do juiz, mas o exercício de um poder/dever vinculado;
J - Neste particular, a decisão recorrida, ao não lançar mão do despacho de aperfeiçoamento, segundo o artigo 508.° CPC e, sobretudo, ao não considerar como factos relevantes de integração do dano moral aqueles que na p.i. se lhe referem expressamente, nos artigos citados em F, errou;
K - Não se justifica, portanto, a absolvição da instância do Estado, neste particular de reposição dos suplementos de patrulha e escala, gratificação de trânsito e desbloqueamento do 4.° para o 5.° escalão;
L - Mas, ainda assim, seria, no limite, caso de mero aperfeiçoamento que vincasse e vinque bem a concausalidade e derive responsabilidades em sobreposição;
M - Em suma: pelos argumentos aduzidos, deve ser revogada a sentença recorrida, quando muito (e talvez seja preferível) é devido um despacho de aperfeiçoamento da p.i., moldado no objecto de fazer arrumar as matérias indemnizatórias segundo a concausalidade e a subsidiariedade - esta, no que diz respeito ao pedido de revogação do indeferimento das reposições (na qualificação que o recorrente aqui lhe expressa e defende);
N - Neste termos, não é tematizável a preclusão do direito de acção, tanto mais que a directiva constitucional de uma tutela jurisdicional efectiva ficaria afectada, pois qualquer prazo útil deve ser contado da data do conhecimento da última decisão administrativa, ainda que esta confirme as anteriores;
T - Caso assim se não entenda, então, está a ser feita uma interpretação inconstitucional dos artigos 58.°/2/alínea b e 69.°/2 CPTA, deles estando a ser retirada uma norma, reitora da contagem do prazo, contrária ao artigo 20.° CRP;
U - De qualquer modo, ao caso presente aplica-se o artigo 69.°/1 CPTA: o n.° 2 desta disposição legal pressupõe uma consolidação do acto administrativo - imprópria, perante a falta de decisão do recurso hierárquico necessário interposto;
X - Em suma, a partir da absolvição criminal do recorrente, a medida de coacção intercalar, injustificada ab ovo, dá não só dimensão crítica, em si e por si, como se constitui na dimensão indemnizatória: rasura a excepcão.
Pede a reforma da sentença recorrida no sentido destas conclusões, ou no mais que for de suprimento, douto e necessário.
…”.
***

O recorrido Ministério da Administração Interna, notificado, apresentou contra-alegações, pronunciando-se sobre os fundamentos do recurso, formulando as seguintes conclusões:
“...
1) Nos termos do disposto na alínea c) do n.° 2 do artigo 4.° do ETAF, a jurisdição administrativa é incompetente quanto à apreciação do pedido de indemnização por danos morais; e
2) A data da interposição da presente ação judicial - 3 de janeiro de 2008 – considerando o prazo de 3 meses previsto no artigo 58.°, n.° 2, alínea b) e n.° 3 do CPTA, encontrava- se largamente ultrapassado.
Pede a improcedência do recurso.
…”.

***

O recorrido Ministério Público, em representação do Estado Português, notificado, apresentou contra-alegações, pronunciando-se sobre os fundamentos do recurso, formulando as seguintes conclusões:
“...
1) Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido nos presentes autos, em sede de reclamação para a conferência, nos termos do artigo 27.º, n.º 2 do CPTA, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro (vide art.º 15º, n.º 2 deste diploma legal), no qual, por um lado, foi julgada procedente a excepção de incompetência absoluta da jurisdição administrativa quanto ao pedido de indemnização por danos morais e, em consequência, determinada a absolvição da instância dos Réus quanto ao pedido a título de indemnização por danos não patrimoniais, e, por outro lado, foi julgada procedente a excepção dilatória de caducidade do direito de acção e, em consequência, determinada a absolvição do Ministério da Administração Interna da instância quanto aos pedidos de revogação do acto de indeferimento e de condenação à prática de acto devido, consubstanciado no pagamento da quantia de € 11.151,28.
2) Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente em sede de recurso jurisdicional, a primeira questão radica em saber se o facto de alguém ter sido objecto de medidas de coacção em processo penal, vindo depois a ser absolvido no julgamento, traduz ou não o mau funcionamento do sistema de administração da justiça.
3) Salvo melhor entendimento, a aplicação de medidas de coacção ao arguido, em processo penal, deve obedecer aos requisitos da lei penal adjectiva, sendo os pressupostos da sua aplicação aferidos em função dos concretos elementos existentes no processo na data da decisão.
4) Caso o arguido com elas se não conforme, pode impugná-las, em sede de recurso jurisdicional, ou requerer a sua alteração ou substituição.
5) A alegada - que não provada - divulgação pelo Comandante-geral da GNR das medidas de coacção aplicadas ao ora A, enquanto arguido em processo penal, não tem por virtualidade alterar a questão essencial: tais medidas têm de ser decretadas pela entidade competente e no quadro legal aplicável.
6) Na estrutura constitucional e no quadro processual penal vigente, a absolvição de um arguido, na sequência de julgamento, é um acto coerente com a pré-existência das medidas de coacção: significa apenas que, em julgamento, não se fez prova de que o arguido cometeu os factos pelos quais vinha acusado e pronunciado.
7) Consequentemente, se alguém pretende ser indemnizado por via da aplicação de medidas de coacção, por ter sido absolvido, não está a questionar o mau funcionamento do sistema de administração da Justiça, mas, eventualmente, a decisão jurisdicional que decretou tais medidas.
8) Em tal hipótese, estamos no domínio da responsabilidade extracontratual do Estado por prejuízos alegadamente decorrentes da...

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