Acórdão nº 798/20.0T8SXL.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 13-10-2020

Data de Julgamento13 Outubro 2020
Número Acordão798/20.0T8SXL.L1-7
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
1. A [ Carla …] intentou o presente procedimento cautelar de arrolamento contra B [Carlos ….] , referindo que o faz ao abrigo do disposto no art. 403º do CPC e como incidente do processo de inventário nº 4469/2016, que corre seus termos no Cartório Notarial, Dra. Sara …. – Seixal, requerendo o arrolamento de bens móveis, de viaturas automóveis, de saldos de contas bancárias e de jóias.
2. Foi proferido despacho de aperfeiçoamento, o qual termina com a notificação da requerente para “aperfeiçoar a PI, concretizando o actual perigo de extravio, dissipação ou ocultação, justificando ainda da razão pela qual nestes últimos anos tal perigo não existiu a ponto de mover a A. a agir judicialmente de forma cautelar”.
3. Apresentou a requerente novo requerimento, que o tribunal recorrido entendeu não responder ao solicitado, tendo sido apresentado novo requerimento no qual se defende a aplicação do disposto no art. 409º do CPC aos presentes autos.
4. Foi então proferido despacho, indeferindo liminarmente a providência requerida.
5. É deste despacho que a Requerente recorre, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1. Por sentença de 7 de Dezembro de 2015, foi declarado dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado entre requerente e requerido, transitado em julgado em 26.1.2016, tendo, na sequência, dado origem ao processo de inventário com vista à partilha dos bens comuns do extinto casal, que corre termos pelo Cartório Notarial da Notária Dr.ª Sara …., no Seixal, processo nº 4469/2016.
2. O casamento contraído entre requerente e requerido considera-se celebrado sob o regime de comunhão de bens adquiridos – artigo 1717º do Código Civil.
3. Dispõe o art. 1725º do C. Civil que “quando haja dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns”.
4. Esta norma estabelece, assim, uma presunção de comunicabilidade relativamente aos bens móveis, que se destina a favorecer os interesses, não só dos cônjuges, mas também de terceiros, numa qualificação, tão segura quanto possível, dos bens do casal. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª edição, pág. 429.
5. Assim sendo, até que seja feita prova da sua incomunicabilidade, os bens móveis consideram-se comuns, sendo que tendo a seu favor a presunção legal, a requerente escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350º nº1, do Código Civil).
6. Destrate, comprovado por documento junto aos autos, o regime de bens do casal (comunhão de adquiridos) e considerada a presunção de comunicabilidade dos bens móveis (art. 1725º do CC), está preenchido o “fumus boni juris” que justifica o seu direito, o que só pode levar à admissão, ao prosseguimento do processo e ao decretamento do arrolamento dos bens em causa nos presentes autos. Cfr.. Ac. da Relação de Lisboa de 13.12.2000, proc. Nº 0090778, relator Salazar Casanova, in www.dgsi.pt.
7. A aqui requerente é titular de um direito de propriedade que recai sobre os bens comuns do casal que indicou na peça processual.
8. Nos termos do art. 403º nº 1 do CPC, “havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles.”
9. Ao requerente cabe efetuar a prova sumária do seu direito aos bens e a prova dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação – art. 405º nº 1 do CPC.
10. O arrolamento serve para acautelar os interesses do cônjuge requerente, garantindo a justa partilha dos bens mormente após o decretamento do divórcio. Cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. IV, Almedina, 2ª edição, págs. 284 e 285.
11. O arrolamento subsiste e mantém a sua eficácia para além da decisão que julgar a ação de divórcio até ser efetuada a partilha dos bens, dado que o perigo da sua dissipação e extravio se mantém mesmo depois de decretado o divórcio. Cf. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. III, Almedina, 4ª edição, págs. 354-356.
12. O art. 406.º n.º 1 do CPC, determina que o arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens.
13. Mais, decorre do disposto no art. 408º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que “o auto de arrolamento serve de descrição no inventário a que haja proceder-se.”.
14. Quando o arrolamento ocorre como preliminar ou incidente da ação de separação judicial de pessoas e bens, divórcio (...) qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro, sendo que a este arrolamento especial, previsto no art. 409º do CPC, não é aplicável o disposto no art. 403º nº 1 do mesmo diploma legal. Ou seja, é dispensado o requisito relativo ao justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens.
15. No caso dos autos, não estamos perante preliminar ou incidente de ação judicial de separação de pessoas e bens ou de divórcio, uma vez que tal divórcio já foi decretado.
16. Contudo, o arrolamento aqui em apreço surge como incidente do inventário para partilha dos bens comuns.
17. Pergunta-se: Será que esta tramitação especial se encontra confinada às ações expressamente contempladas na norma (art. 409º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), ou poderá ser extensiva a outras ações em que estejam em causa idênticos fundamentos?
18. A esta questão responde-nos o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 18/09/2014 que “a lei processual prevê espécies de arrolamento que apelida de especiais. Nestes casos, ao invés do arrolamento geral (não especial) o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens não constitui requisito a alegar e demonstrar para o decretamento da providência. “A dispensa de demonstração deste requisito (...) tem subjacente que a natureza do conflito permite presumir (juris e de jure) que a situação pode ser favorável a atuações com pouco lisura sobre o património, agravando os motivos de discórdia entre as partes envolvidas. Embora o processo de inventário não faça parte do elenco das acções indicadas no nº 1 do art. 409º do CPC, nele subsiste a conflitualidade dos ex-cônjuges, a qual poderá assumir uma forma tão premente quanto na ação de divórcio. Nessa medida encontra-se plenamente justificado presumir o fundado receio de descaminho dos bens provenientes do património conjugal, por forma a facilitar e incrementar a efectivação de uma partilha justa, sendo de admitir a aplicação do regime do art. 409º ao arrolamento requerido após o trânsito em julgado da
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