ACÓRDÃO Nº 795/2024
Processo n.º 812/2024
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A., ora reclamante, interpôs recurso de constitucionalidade do despacho desse mesmo Tribunal, datado de 28 de agosto de 2024.
2. Pela Decisão Sumária n.º 560/2024, proferida em 24 de setembro de 2024, decidiu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante “LTC”), não conhecer do objeto do recurso interposto, pelos seguintes motivos:
«(…)
4. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC), a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; e, ainda, a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Nestes termos, cabe discernir se, no presente caso, se verificam os requisitos enunciados. Faltando um destes, o Tribunal não pode conhecer do recurso, ainda que este tenha sido admitido pelo tribunal a quo. Conforme resulta do n.º 3 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, pelo que se deve antes de mais apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade. Caso o Relator verifique que algum deles não se encontra preenchido, proferirá decisão sumária de não conhecimento, de acordo com o n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
5. Passando à análise do requerimento de interposição de recurso, verifica-se que o recorrente formulou uma questão de constitucionalidade, reportada ao arco normativo composto pelos artigos 113.º, n.º 10, e 92.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal, «(…) na interpretação segundo a qual o Acordão do STJ que decide recurso interposto por arguido estrangeiro não tem de ser notificado pessoalmente ao arguido, sendo suficiente a notificação ao seu mandatário.».
Como se passará a demonstrar – independente de qualquer exame sobre a idoneidade do objeto do recurso –, é evidente que o enunciado sindicado não tem qualquer projeção na ratio decidendi da decisão recorrida (i.e., o despacho do Supremo Tribunal de Justiça datado de 28 de agosto de 2024).
6. Conforme sabemos, o pressuposto atinente à aplicação da norma ou dimensão normativa que configura objeto do recurso como ratio decidendi da decisão recorrida, constitui decorrência da função instrumental da fiscalização concreta da constitucionalidade, que tem sido considerada pela jurisprudência deste Tribunal, de modo uniforme e reiterado, como um dos pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cujo sentido se traduz na possibilidade de o julgamento da questão de constitucionalidade que se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica adotada pelo tribunal a quo. Tal possibilidade efetiva-se quando a decisão sobre a questão de constitucionalidade é suscetível de alterar o sentido ou os efeitos da decisão recorrida, espoletando necessariamente uma reponderação da resolução do caso pela instância a quo, o que não sucedeu no presente caso.
7. Antes de justificar a conclusão supra avançada, importa começar por esclarecer que o recorrente identificou a decisão recorrida nos seguintes termos: «A., requerido nos presentes autos, notificado do douto despacho que antecede e não se conformando com o mesmo vem INTERPOR RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL». Ora, não há quaisquer dúvidas, perante os elementos constantes dos autos, que o «despacho que antecede» a apresentação do requerimento de interposição de recurso corresponde ao proferido em 28 de agosto de 2024, que indeferiu o requerimento de reclamação para a conferência do Supremo Tribunal de Justiça.
Compulsado o aludido despacho, constata-se, de forma clara e inequívoca, que o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou as normas previstas nos artigos 113.º, n.º 10, e 92.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal, seja com o sentido ora apresentado pelo recorrente, seja com qualquer outro sentido extraível dos respetivos preceitos, uma vez que se limitou a rejeitar a reclamação, ficando prejudicado o conhecimento da mesma. Atentemos na respetiva fundamentação:
«(…)
O recorrente vem reclamar para a conferência, do despacho de 14.08.2024 (que indeferiu a sua notificação pessoal do acórdão proferido nos autos, acompanhado da respetiva tradução para a língua inglesa por...