Acórdão nº 7901/19.0T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14-05-2020
Data de Julgamento | 14 Maio 2020 |
Número Acordão | 7901/19.0T8VNF.G1 |
Ano | 2020 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães(1):
I – RELATÓRIO
1.1. M. F. intentou procedimento cautelar de suspensão provisória de deliberações sociais contra J. S., Lda., pedindo que se decrete a suspensão imediata da execução da deliberação social tomada na assembleia geral realizada a 17.12.2019, pelas 15.15 horas, que destituiu a Requerente de gerente da sociedade Requerida, atenta a sua ilegalidade e a susceptibilidade de produzir irreparável. Requereu ainda a inversão do contencioso.
A Requerida deduziu oposição, pugnando pela improcedência do procedimento cautelar.
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1.2. Por o Tribunal recorrido ter considerado desnecessária a produção de outras provas e entender que os autos estavam em condições para ser proferida decisão de mérito, foram ouvidas a Requerente e a Requerida nos termos do artigo 3º, nº 3, do CPC. Após a pronúncia das partes, foi proferida decisão a indeferir «liminarmente a providência cautelar de suspensão das deliberações da Assembleia Geral da J. S., Lda., de 17-12-2019».
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1.3. Inconformada, a Recorrente interpôs recurso de apelação daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:«Dispõe o artº 639, nº 1 do C. P. Civil que o Recorrente após apresentar as suas alegações deve concluir de forma sintética pelos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão.
Se a arte e engenho permitirem, as conclusões serão sintéticas e objectivas, já que as alegações se revelam extensíssimas e, porventura, tautológicas, rogando aos Exmºs Srs. Drs. Juízes Desembargadores redobrada paciência.
O presente Recurso visa obter a revogação da decisão que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar sub judice, no sentido de tal procedimento ser decretado e admitida a inversão do contencioso.
Objectivamente os pedidos supra formulados têm respaldo no facto de a deliberação social que destituiu a sócia então Requerente ora Recorrente, do cargo de gerente da sociedade J. S., Ldª, se revelar manifestamente ilegal, bem como a execução dessa deliberação aportar danos irreparáveis e apreciáveis à sociedade e à própria sócia destituída das funções de gerência.
Em síntese, a ilegalidade da deliberação social resulta do facto de o sócio J. S. que promove a destruição da sócia M. F. das funções de gerência da sociedade J. S., Ldª, não ter legitimidade para praticar tal acto, dado que apenas detém 50% do capital social da sociedade, sendo os restantes 50% detidos pela sócia destituída.
Nesta conformidade e porque a sociedade tem apenas dois (2) sócios ambos titulares de quotas com igual percentagem - 50% + 50% - a destituição das funções de gerente de qualquer um dos sócios apenas pode ocorrer com fundamento em justa causa e só pelo tribunal pode ser decidida em acção intentada pelo outro - cfr. artº 257º, nº 5 do Cód. Soc. Com.
No caso dos autos, uma vez que o sócio J. S. não detém maioria qualificada nem maioria simples do capital social da sociedade, não tem legitimidade para através de simples deliberação social e apenas com o seu voto, destituir a sócia M. F. do cargo de gerente da sociedade J. S., Ldª, à qual foram atribuídos poderes especiais de gerência.
Nestas circunstâncias de facto e direito, a deliberação social que destituiu a sócia M. F. o cargo de gerente da sociedade J. S., Ldª, revela-se manifestamente ilegal.
Acresce que, a execução da deliberação social em causa aporta danos irreparáveis e apreciáveis à sociedade J. S., Ldª e à própria sócia destituída de gerente.
Acresce, ainda, que a execução da deliberação social em causa, aporta à sociedade J. S., Ldª e à própria sócia destituída das funções de gerência, prejuízos manifestamente superiores àqueles que a suspensão/anulação da deliberação aportará.
Aliás, a suspensão/anulação da deliberação social em causa, pura e simplesmente, não aporta quaisquer prejuízos à sociedade e muito menos ao sócio J. S..
Todavia, o contrário, ou seja, a execução da deliberação social em causa, provoca prejuízos irreparáveis e apreciáveis à sociedade e à própria sócia destituída das funções de gerência.
A matéria de facto e direito que visa justificar a ilegalidade da deliberação social sub judice bem como o dano apreciável provocado pela execução da mesma, foi, exaustivamente, exarada, demonstrada e provada em sede das alegações que antecedem, pelo que por economia processual e, acima de tudo, respeito pela qualidade técnica dos Exmºs Srs. Drs. Juízes Desembargadores a qual lhes permite conhecer com clareza e objectividade a questão de fundo do presente
Recurso e respectivos fundamentos pelos quais se pede a alteração da decisão sub judice, a Recorrente abstém-se de repetir aquela matéria de facto e direito.
EM SUMA
A Recorrente pede a alteração da decisão ora objecto de Recurso no sentido de ser decretado o procedimento cautelar de suspensão/anulação da deliberação social tomada em assembleia geral da sociedade J. S., Ldª, no passado dia 17/Dezembro/2020, através da qual a sócia M. F. foi destituída das funções de gerência da sociedade e, simultaneamente, seja admitida a inversão do ónus da prova, tudo conforme requerido no procedimento cautelar em causa.
A Recorrente fundamenta o supra peticionado:
a) No facto de a deliberação social em causa se revelar manifestamente ilegal.
b) A execução da deliberação social aportar prejuízos irreparáveis e apreciáveis à sociedade J. S., Ldª e à própria sócia destituída das funções de gerência.
c) A execução da deliberação social aporta à sociedade J. S., Ldª e à própria sócia M. F., prejuízos manifestamente superiores àqueles que a suspensão/anulação da deliberação social aportarão.
Nestes termos e outros de direito que Vª Excª doutamente suprirá, deve o presente RECURSO ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida no sentido de ser decretada a Providência Cautelar de Suspensão da Deliberação Social nos termos peticionados bem ser admitida a inversão do contencioso, fazendo-se, assim, JUSTIÇA».
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A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.*
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.*
Foram colhidos os vistos legais.**
1.4. Questões a decidir
Em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (2). Tal restrição não opera relativamente às questões de conhecimento oficioso, as quais podem ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Em matéria de qualificação jurídica dos factos a Relação não está limitada pela iniciativa das partes - artigo 5º, nº 3, do CPC.
Por outro lado, o tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.
Neste enquadramento, são questões a decidir saber se a deliberação que destituiu a Requerente do cargo de gerente da Requerida é ilegal e, na afirmativa, se os factos alegados revelam que a execução dessa deliberação pode causar dano apreciável. Importa ainda apreciar a questão preliminar da alegada nulidade da decisão recorrida.
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II – FUNDAMENTOS
2.1. Nulidade da sentença
Na motivação da apelação – e não nas conclusões – a Recorrente invoca que a decisão recorrida é nula «nos termos do disposto no artº 615º, nº 1, alínea b) do C. P. Civil».
Nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea b), do CPC, «é nula a sentença quando (…) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
O dever de fundamentação das decisões tem consagração constitucional (artigo 205º, nº 1, da CRP) e, no que ao processo civil respeita, está expressamente previsto o artigo 154º, nº 1, do CPC, impondo-se um tal dever por razões:
- De ordem substancial, pois cumpre ao julgador demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto;
- De ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar os respectivos fundamentos.
Segundo Alberto dos Reis (3), «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto».
Não pode confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que,...
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