Acórdão nº 790/18.4GAMTA.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 25-11-2020
Data de Julgamento | 25 Novembro 2020 |
Case Outcome | REJEITADO O RECURSO POR DUPLA CONFORME E NEGADO PROVIMENTO NO RESTANTE |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 790/18.4GAMTA.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, acorda:
I. RELATÓRIO:
1. a condenação:
No Juízo Central Criminal de ……….. - Juiz …, acusado pelo Ministério Público e pronunciado pelo Juiz de Instrução, foi o arguido
- AA, anos e os demais sinais dos autos, julgado e, por acórdão do Tribunal coletivo datado de 21/01/2020, condenado pela prática de:
- um crime de condução perigosa, p. e p. pelo art.° 291.º, n.º 1, al. b), do Cód. Penal, na pena de sete meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, p. e p. pelo art.° 69.°, n.º 1, al. a), do CP, pelo período de quatro meses.
- onze crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131.°, 132.°, n.° 1 e 2, al. h) e 22.°, n.° 1 e 2, al. c), todos do Cód. Penal, praticado nas pessoas de BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL, por cada um, na pena de três anos e seis meses de prisão e também por cada crime, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, p. e p. pelo art.° 69.°, n.º 1, al. a), do CP,; pelo período de seis meses.
- um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.°, 132.°, n.º 1 e 2, al. h), do Cód. Penal, na pena de catorze anos de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, p. e p. pelo art.° 69.°, n.° 1, al. a), do CP, pelo período de um ano e seis meses.
- em cúmulo jurídico, nos termos do art.° 77.º, do Cód. Penal, na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão e na pena única acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de quatro anos.
Nos termos do art. 109.º, n.º 1, do Cód. Penal declarou perdido a favor do Estado o, veículo com matrícula ..-UU-...
Inconformado impugnou a decisão condenatória recorrendo para a 2ª instância.
O Tribunal de Relação de ………, por acórdão de 2/07/2020, decidiu:
- revogar o acórdão recorrido na parte em que declarou perdido a favor do Estado o veículo com matrícula ..-UU-..;
- confirmar o acórdão recorrido, no restante.
2. o recurso:
O arguido, renitente, interpõe recurso em 2º grau, perante o STJ.
Remata a alegação com as seguintes conclusões (em síntese, com sublinhado para realçar as questões suscitadas):
2. nunca foi intenção sua atropelar quem quer que fosse, sendo que os factos são vistos como se fosse sua intenção atropelar alguém.
3. Não nega o sucedido, porém tal ocorreu num acidente de viação em que perdeu o controle da viatura;
4. Discorda da condenação por homicídio qualificado. A agravação pela al. h) do n.º 2 do art.º 132º do CP implica a utilização de meio particularmente perigoso;
5. é necessário que se trate de um meio que revele uma perigosidade muito superior ao normal;
6. E que, «seja indispensável determinar, com particular exigência e severidade, se da natureza do meio utilizado - e não de quaisquer outras circunstâncias acompanhantes - resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente».
7. um carro [não é] abrangido por aquele conceito, pelo que, se não [fosse] por um crime de homicídio por negligência, deveria ser condenado por um crime de homicídio, p.p. art.º 131º do Cód. Penal;
8. o dolo eventual pode afastar o homicídio qualificado, pois se a agravação do art. 132.° pressupõe uma forma superior de culpa» (uma culpa especialmente grave), dificilmente se compatibilizará um dolo eventual com a culpa agravada: «A conceção legal do dolo eventual incompatibiliza-se com as formas superiores de culpa»
9. o art. 132.° não é um tipo de culpa, razão por que «quando se verifiquem as circunstâncias qualificadoras: pode ter sido o agente especialmente censurável ou perverso; caso contrário, a moldura que se lhe aplica é a do art. 131.°», mas «a prova da maior censurabilidade ou perversidade terá sempre de fazer-se de acordo com o princípio da culpa»;
11. discorda da condenação pelos crimes de homicídio na forma tentada;
15. discorda da “comunhão” entre a tentativa e o dolo eventual. O dolo eventual não se harmoniza com a qualificadora de natureza objetiva prevista nas alíneas do n.º 2 do art.º 132 do Código Penal, porquanto, a despeito de o agente ter assumido o risco de produzir o resultado, por certo não o desejou.
16. se não almeja a produção do resultado, o agente não direcionou sua vontade para impedir, dificultar ou impossibilitar a defesa do ofendido.
19. dolo eventual configura-se quando o agente assume o risco de produzir o resultado típico.
20. nele o agente pratica a conduta, prevendo que possa resultar um evento danoso, e não se abstém de agir, assumindo o risco da produção do resultado.
21. No dolo eventual o agente não quer diretamente a realização do tipo, mas prevê o resultado como provável ou, como possível, age aceitando o risco de produzi-lo.
23. Para haver a tentativa, é necessário o início da execução do fato típico, a vontade do agente em produzir o resultado, e a sua não-consumação por circunstâncias independentes da sua vontade.
24. quando o crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, está configurada a tentativa.
26. A definição legal da de tentativa impede reconhecê-la quando o agente atua com dolo eventual. A tentativa somente será admissível quando a conduta do agente for finalística dirigida à produção de um resultado, e não nas hipóteses em que somente assuma o risco de produzi -lo.
32. Deve ser absolvido dos 11 crimes de homicídio qualificado na forma tentada com dolo eventual e ser condenado por 11 (onze) crimes de ofensas à integridade física simples.
33. para além da condenação na sanção acessória de inibição de condução pela prática do crime de condução perigosa voltar a condenar na sanção acessória de inibição de condução por cada um dos crimes porque foi condenado demonstra que se condena para além da culpa e numa dupla condenação violando assim o princípio ne bis in idem porquanto o recorrente apenas é condenado em cada crime na sanção acessória de inibição de condução em virtude de ter cometido o crime em função da sua condução, mas tendo já a sanção de inibição de condução sido graduada aquando da condenação pelo crime de condução perigosa.
34. sob pena de violação do princípio ne bis in idem apenas deve ser condenado em sanção acessória de inibição de condução pelo crime de condução perigosa.
35. deverá então aferir-se da medida das penas parcelares, e da pena única que lhe foi aplicada;
36. atendendo à idade, à sua condição social, económica e cultural, à sua modesta formação, à ausência de antecedentes criminais, à inserção familiar, social e profissional e ainda aos fracos recursos económicos bem como a que a medida da pena deve ser fixada em função da culpa do agente, sob pena de violação do disposto no n.º 1 e 2 do art.º 40º e n.º 1 do art.º 71º, ambos do Cód. Penal, deve a pena de prisão a aplicar ao recorrente ser mais próxima dos limites mínimos;
37. a pena em que foi condenado é excessiva e prejudicial à sua ressocialização;
38. é uma pessoa de modesta condição social e económica, que se encontrava socialmente integrado e a trabalhar, tendo filhos a seu cargo [???];
39. Pela conjugação do n.º 1 do art.º 71º e n.º 2º do art.º 40º, ambos do Código Penal, a medida da pena é feita em função da culpa do agente, das necessidades de prevenção, não podendo ser superior à culpa;
40. as penas parcelares em que foi condenado, bem como a pena única em cúmulo jurídico são excessivas e inadequadas ao caso, não deveriam ultrapassar o mínimo legal;
41. Na determinação da medida concreta da pena, o acórdão recorrido socorreu-se de razões de repreensão e prevenção geral do crime, não especificando acerca dessas necessidades, apenas se apoiando na personalidade do recorrente.
42. A determinada a pena por tais considerações, o Acórdão recorrido violou o art. 71º do Cód. Penal, bem como o princípio constitucionalmente consagrado;
43. Nos termos do disposto no art. 71º nº 2 do Código Penal, para a medida concreta da pena concorre por um lado a culpa e grau de ilicitude e por outro lado a ressocialização do agente;
49. devem ainda ser tidos em conta os condicionalismos ligados ao modus vivendi do recorrente: este é uma pessoa calma e trabalhadora;
50. As penas parcelares deverão ser diminuídas aos mínimos legais de forma a serem ajustadas à culpa do recorrente.
52. caso venha o recorrente a ser condenado por 11 (onze) crimes de ofensas à integridade física simples como se pugna, ao invés de 11 crimes de homicídio qualificado na forma tentada com dolo eventual, existirá possibilidade de aplicação de pena de multa.
53. Do acórdão recorrido não resultam suficientes fundamentos para concluir que a censura do crime através da pena de multa não fosse suficiente para afastar a recorrente da prática de crimes e que a execução de prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, provavelmente mais conveniente do as penas de multa.
55. a pena de multa tem que ser sentida, porém não poderá ser de tal forma excessiva que impeça ou dificulte o pagamento, sob pena de subversão da finalidade das penas.
57. em caso de redução das penas parcelares ou da pena única, coloca-se, pelo menos em abstrato, a possibilidade de suspensão da pena de prisão aplicada.
58. para além do crime de condução perigosa deveria ser condenado por 1 crime de homicídio por negligência e 11 crimes de ofensa à integridade física simples.
59. caso se verifique a redução das penas parcelares será possível a condenação do Recorrente em pena inferior a 5 (cinco) anos de prisão, podendo assim ser aferida a possibilidade de suspensão da mesma.
60. dando uma oportunidade ao recorrente, e por ser a mesma superior a 1 ano, sempre obrigaria a um regime de prova;
61. e também a imposição de regras e condutas;
63. ainda que se não entenda pela alteração da qualificação jurídica dos...
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