Acórdão nº 79/06.1TBODM.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 09-04-2013

Data de Julgamento09 Abril 2013
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão79/06.1TBODM.E1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA e BB[2] intentaram, em 31.01.2006, no Tribunal Judicial da Comarca de Odemira, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra:

CC

Pedindo:

a) A constituição a favor do autor BB, por usucapião do seu domínio útil, da enfiteuse sobre a parcela de terreno composta por cultura arvense e oliveiras com a área de 0,8750 hectares, inscrita na matriz cadastral da freguesia de Vale de Santiago, sob o artigo 24º da Secção A, confrontando a norte com “C.......”, a nascente com “F...C....”, a sul com “E........” e a poente com “C......”, a desanexar do prédio rústico denominado “C.......”, sito na freguesia de V........, concelho de Odemira, anteriormente descrito sob o nº 00000 a folhas 00 vº do Livro B-..e actualmente sob a ficha nº .............. da Conservatória do Registo Predial de Odemira;

b) A constituição a favor dos autores BB e AA, em comum e sem determinação de parte ou de direitos, por usucapião do seu domínio útil, da enfiteuse sobre a parcela de terreno composta por cultura arvense com a área de 0,7500 hectares, inscrita na matriz cadastral da freguesia de Vale de Santiago, sob o artigo 5º da Secção A, confrontando a norte com “C.......”, a nascente com “F...C....”, a sul com “E........” e a poente com “C......”, a desanexar do prédio rústico denominado “C.......”, sito na freguesia de Vale de Santiago, concelho de Odemira, anteriormente descrito sob o nº 00000 a folhas 00 vº do Livro B-..e actualmente sob a ficha nº .............. da Conservatória do Registo Predial de Odemira;

c) E o reconhecimento de que os autores são proprietários daquelas parcelas por força da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 195-A/76, de 16 de Março, condenando-se a ré a reconhecer essas aquisições.

Alegaram, para tanto e em resumo, o seguinte:

- Por volta de 1938, DD deu de aforamento as parcelas referidas a duas pessoas que, por sua vez, as cederam aos autores, na década de cinquenta, sendo que desde então os autores têm utilizado tais parcelas, plantando-as, fazendo construções e reparações, agindo sempre como titulares do seu domínio útil e pagando a contrapartida pela sua utilização, sendo sempre reconhecidos pelos proprietários como foreiros das parcelas.

- Tendo-se assim constituído uma relação de enfiteuse, os autores, por força da extinção da enfiteuse, passaram a ser proprietários das parcelas em causa.

Citada, a Ré contestou e deduziu pedido reconvencional, suscitando a questão da falta de mandato judicial e defendendo-se por impugnação, alegando, em resumo, que os autores nunca exploraram as parcelas em causa e que as deixaram ao abandono, tendo vendido as ruínas da casa existente na parcela 24 a EE, sendo que, face à falta de pagamento da prestação anual do foro e à falta de exploração e conservação, o anterior proprietário vendeu à ré o prédio onde se situam as parcelas em questão, livre de quaisquer ónus, tendo a ré adquirido o prédio em 1997, o qual registou em seu nome, o que faz presumir a titularidade do direito de propriedade plena.

Suscitou ainda a inconstitucionalidade do DL. nº195-A/76, de 16 de Março, pedindo, para além da improcedência da acção que, em sede de reconvenção, seja reconhecido o direito de propriedade total da reconvinte sobre as parcelas em causa, declarando-se os reconvindos obrigados a reconhecer o direito de propriedade da reconvinte sobre as mesmas parcelas.

Foi proferido despacho no qual os autores foram convidados ao aperfeiçoamento da petição inicial no sentido de concretizarem o valor das parcelas no estado de incultas, as datas de construção das benfeitorias e o valor destas na data da construção.

Na sequência do comprovado falecimento dos autores, foram FF e GG habilitados como sucessores daqueles, para no seu lugar prosseguirem os termos da acção.

Estes apresentaram articulado a dar cumprimento ao convite que havia sido formulado, tendo a ré respondido, impugnando os valores por aqueles indicados.

Foi designada e teve lugar uma audiência preparatória, no âmbito da qual, fixado o valor da causa e admitida a reconvenção, foi proferido despacho saneador, no qual se considerou regularizada a invocada falta de mandato judicial e foram elaborados os factos assentes e a base instrutória.

A final foi proferida sentença, julgando a acção e a reconvenção parcialmente procedentes:

“a) Declarando-se a constituição a favor dos Autores, por usucapião do seu domínio útil, da enfiteuse sobre a parcela de terreno composta por cultura arvense e oliveiras com a área de 0,8750 hectares, inscrita na matriz cadastral da freguesia de Vale de Santiago, sob o artigo 24º da Secção A (confrontando a norte com C......., a nascente com F...C...., a sul com E........ e a poente com C......, a desanexar do prédio rústico denominado C......., sito na freguesia de Vale de Santiago, concelho de Odemira, anteriormente descrito sob o nº 00000 a folhas 00 verso do Livro B-..e actualmente sob a ficha nº .............. da Conservatória do Registo Predial de Odemira);

b) Declarando-se que os autores são proprietários daquela parcela por força da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 195-A/76, de 16 de Março e subsequentes alterações, condenando-se a Ré a reconhecer aquela aquisição;

c) E, no mais se absolvendo a ré do pedido;

d) E declarando-se que a Ré é proprietária da parcela de terreno composta por cultura arvense com a área de 0,7500 hectares, inscrita na matriz cadastral da freguesia de Vale de Santiago, sob o artigo 5º da Secção A (confrontando a norte com C......., a nascente com F...C...., a sul com E........ e a poente com C......, a desanexar do prédio rústico denominado C......., sito na freguesia de Vale de Santiago, concelho de Odemira, anteriormente descrito sob o nº 00000 a folhas 00 verso do Livro B-..e actualmente sob a ficha nº .............. da Conservatória do Registo Predial de Odemira).”

Inconformados, apelaram os Autores e a Ré para o Tribunal da Relação de Évora, que, por Acórdão de 27.92012 – fls. 353 a 364 – concedeu provimento à apelação da Ré e, negando-se provimento à apelação dos Autores, decretou:

a) Recusar, por inconstitucionalidade material, a aplicação do DL. 195-A/76, de 16 de Março;

b) Revogar a sentença recorrida na parte em que, julgando parcialmente procedente a acção, declarou a constituição a favor dos Autores, por usucapião do seu domínio útil, da enfiteuse sobre a parcela de terreno composta por cultura arvense e oliveiras com a área de 0,8750 hectares, inscrita na matriz cadastral da freguesia de Vale de Santiago, sob o artigo 24º da Secção A (confrontando a norte com C......., a nascente com F...C...., a sul com E........ e a poente com C......, a desanexar do prédio rústico denominado C......., sito na freguesia de Vale de Santiago, concelho de Odemira, anteriormente descrito sob o nº 00000 a folhas 00 verso do Livro B-..e actualmente sob a ficha nº .............. da Conservatória do Registo Predial de Odemira) e condenou a Ré a reconhecer tal aquisição;

c) E bem assim na parte em que, relativamente a tal parcela, julgou improcedente a reconvenção;

d) Julgando totalmente improcedente a acção e absolvendo a Ré dos pedidos contra ela formulados;

e) E, julgando a reconvenção totalmente procedente, em declarar que (para além do decidido relativamente à parcela inscrita sob o art. 5º da Secção A), a Ré é proprietária da parcela de terreno referida em b).”

Inconformados, os AA., recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões:

1) - O Tribunal da Relação de Évora considerou que o DL.195-/76, de 16 de Março violou os princípios constitucionais da igualdade e propriedade privada, pelo que se encontra ferido de inconstitucionalidade material.

2) - No entender dos recorrentes os aludidos princípios não foram violados.

3) - Em primeiro lugar porque não têm uma natureza absoluta, já que permitem limitações desde que os interesses em causa sejam legítimos.

4) - Em segundo lugar porque foi a própria Constituição que impôs a abolição da enfiteuse.

5) - E, ao aboli-la, pretendeu privilegiar os cultivadores, ou seja, os titulares do domínio útil.

6) - Isto porque foram estes últimos quem desbravou as terras, quem as tornou cultiváveis, quem as melhorou, plantou e colheu, fazendo diversas benfeitorias.

7) - Foram esses incrementos que deram valor ao prédio, pelo que esse facto aliado à perpetuidade do foro, legitimam a limitação de alguns princípios constitucionais.

8) - Não há, assim, inconstitucionalidade material.

9) - Devendo, por isso, o Tribunal da Relação pronunciar-se acerca das questões colocadas pelos recorrentes no recurso de apelação.

Termos em que deverá a douta decisão ser revogada e substituída por outra que considere o diploma constitucional e imponha a apreciação das questões levantadas pelos recorrentes no seu recurso de apelação.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1) A aquisição do direito de propriedade por compra sobre o prédio rústico denominado C......., situado na freguesia de Vale de Santiago, concelho de Odemira, composto por vinte e uma parcelas de terreno inscritas na matriz predial rústica sob os artigos 3° a 24° da Secção A, precisando-se que a parcela inscrita sob o artigo 5º é composta por cultura arvense com a área de 0,7500 hectares e a parcela inscrita sob o artigo 24º é composta por cultura arvense e oliveiras com a área de 0,8750 hectares, a confrontar de norte com C......., de nascente com F...C...., de sul com E........ e de poente com C......, descrita na Conservatória do Registo Predial de Odemira sob a ficha nº .............. da freguesia de Vale de Santiago [anterior descrição nº 00000 a folhas 00 verso do Livro B 46], esta inscrita a favor da autora através da...

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