Acórdão nº 7867/11.5TBSTB-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08-03-2018
Judgment Date | 08 March 2018 |
Acordao Number | 7867/11.5TBSTB-B.E1 |
Year | 2018 |
Court | Court of Appeal of Évora (Portugal) |
Processo n.º 7867/11.5TBSTB-B.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:I - Relatório
1. AA, Agente de Execução nomeado nos identificados autos de execução, tendo sido notificado do despacho que determinou a anulação da venda efectuada em 16.11.2015 e todos os actos subsequentes, condenando-o pelo incidente, interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
«a) O Despacho de 21/04/2017 é ilegal, fazendo errada apreciação dos factos e de vários normativos legais, identificando-se, entre outros, como violadas as seguintes normas:
i. art.ºs 149.º, 195.º, 199.º, 527.º, 723.º, 812.º, n.º 1, 832.º, 833.º, 839.º, n.º 1, alínea c), todos do CPC; ii. art.ºs 9.º, n.º 3 e 217.º e 218.º do Código Civil; iii. art.ºs 119.º, 121.º, 124.º, 162.º, 179.º e 182.º da Lei n.º 154/2015, conhecido como o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução; iv. art.ºs 2.º, 202.º e 203.º da Constituição da República Portuguesa.
b) Sobre o regime do recurso, remete-se para o que se invoca em sede de requerimento de interposição, quanto à admissibilidade, legitimidade e regime aplicável.
c) A decisão recorrida não relevou devidamente o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (Lei n.º 154/2015) e a definição do Agente de Execução, como auxiliar da Justiça (art.º 162.º, n.º 1 do Estatuto), o qual prossegue o interesse público, com poderes de autoridade pública. É assim uma espécie de longa manus do Poder Judiciário.
d) O Agente de Execução não é parte, nem mandatário de parte processual (art.º 162.º, n.º 3 do referido Estatuto), pelo que não pode ser responsabilizado por custas, não cabendo no conceito do art.º 527.º do CPC. É, portanto, ilegal a sua condenação no pagamento de três unidades de conta.
e) Daí que a interpretação do art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, no sentido de o Agente de Execução poder ser condenado em custas, seja inconstitucional, por tal se revelar violador do princípio da independência dos Tribunais e do Estado de Direito Democrático, questão que aqui se suscita, para efeitos de expressa pronúncia por este Tribunal a quibus, nos termos e para os efeitos do art.º 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82.
f) Os princípios da justiça, da segurança e certezas jurídicas, enquanto corolários do Estado de Direito Democrático (art.º 2.º da CRP) são também infringidos, razão pela qual se justifica a censura ao presente Despacho.
g) Tendo presente os factos e atos acima elencados, no item n.º 23.º do corpo da motivação deste recurso, nenhuma enfermidade legal afeta todo o processado, no que tange à venda judicial em apreço, não tendo sido omitido a prática de qualquer ato prescrito pela lei.
h) Tendo sido expedidas notificações para todos os sujeitos processuais (inclusive para o Ilustre Mandatário da Credora Reclamante BB), na data de 24/09/2015 da proposta de aquisição, por negociação particular, de € 25.600,00 (vinte e cinco mil euros e seiscentos euros) e ninguém tendo manifestado a sua oposição (nem a BB ou o Tribunal), o Agente de Execução estava em condições de aceitar a proposta como fez.
i) A Credora Reclamante BB não pode, em momento largamente posterior, opor-se à aceitação da proposta, quando, no tempo processual adequado não o fez. Esta inação no tempo devido é legalmente cominada com a preclusão do direito, pela sua caducidade (art.º 298.º, n.º 2 do CC), sendo inclusive o conhecimento deste ponto de conhecimento oficioso (art.º 333.º, n.º 1 do CC), o que a esse título também se requer.
j) Ao mesmo tempo, importa notar que existiu autorização judicial tácita, sobre os termos da alienação, na medida em que o Tribunal foi informado dos termos da proposta e nada disse acerca da mesma, seguindo-se neste particular a Jurisprudência plasmada no Douto Decisório do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05/03/2015, Proc. N.º 225910.6T2SNT.L16, acima citado.
k) Daí que não se possa afirmar que ocorreu nulidade que influi no exame ou decisão da causa, já que o desfecho seria sempre igual, dado que as partes não se opuseram à aceitação da proposta, na oportunidade processual devida (entendimento, de resto, em linha com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/06/2014, Proc. N.º 20713/10.8 T2SNT.L16, supra transcrito).
l) A notificação sobre os termos da proposta aos vários sujeitos processuais e ao Tribunal data de 24/09/2015; a reclamação da Credora Reclamante BB data de 14/12/2015, quase três meses depois, o que atenta notoriamente com os princípios da segurança e certeza jurídicas.
m) Assim, nos termos do artº. 217.º do CC existiu aceitação tácita, já que a não pronúncia é entendida tacitamente como aceitação, face à cominação presente na notificação. Em todo o caso, sempre o silêncio aqui valeria como aceitação, já que por força dos usos em matéria de notificações judiciais, tal significação do silêncio como concordância, é usual (art.º 217.º do CC).
n) Por todo o exposto, o Despacho aqui objecto de recurso deve ser revogado e, por essa via, considerado legal o procedimento de venda judicial em causa, bem como absolvido o AE do pagamento de quaisquer custas.
o) Em tese subsidiária, sempre se nota que o presente Despacho deverá, de igual modo, ser revogado, mesmo que se entenda que no caso em concreto era necessário o ato judicial de autorização e o mesmo não foi, em concreto, obtido, face aos factos carreados para os autos relativos ao estado do imóvel e ao estado da venda, pois este Tribunal de recurso está em condições de emitir tal autorização.
p) Daí que, por caber no âmago dos poderes deste Tribunal, (665.º, n.º 2 do CPC), o mesmo possa conceder a autorização judicial relativa à venda judicial realizada e respetivos termos, tendo presente a notória conjuntura nacional no mercado imobiliário (facto notório para efeitos processuais – art.º 412.º, n.º 1 do CPC), bem como as características do imóvel mencionadas no corpo da motivação do recurso e a justeza, neste contexto, do preço em causa (em linha com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/12/2015, Proc. N.º 2650/08.8TBCLD-B.C1 e Relator o Juiz Desembargador Arlindo Oliveira).
q) Ainda em tese subsidiária, mesmo que este Tribunal a quibus entenda manter a anulação da venda judicial, deverá, conforme argumentação supra expendida, sobre o estatuto do AE, enquanto auxiliar da justiça e em obediência à independência do seu Estatuto (e reflexamente dos Tribunais e poder judicial), absolver o Agente de Execução do pagamento de custas, pelo incidente».
2. Igualmente inconformada com o referido despacho, a adquirente do imóvel penhorado, CC, interpôs o presente recurso, terminando com as seguintes conclusões[3]:
«3. O Tribunal, para proferir a decisão de que se recorre, elencou um rol de factos que constam dos autos. Sucede que de tal rol devia igualmente constar que:
i. a proposta de aquisição da aqui Recorrente foi a mais elevada dentre as propostas, potenciais ou concretas que estes autos de processo executivo documentam (vide folhas dos autos);
ii. nenhum dos sujeitos processuais manifestou a sua oposição à aceitação da proposta, nos dez dias após a notificação da mesma, pelo Agente de Execução, em 24/09/2015 (conforme se vê, nos autos, nenhum requerimento surge em resposta a tal notificação);
iii. a aqui Recorrente adquiriu o imóvel de boa fé, desconhecendo a existência de qualquer óbice à aquisição da mesma (a Requerente só tomou conhecimento do requerimento da BB após a notificação expedida em 13/04/2016);
iv. a aqui Recorrente pagou o preço do imóvel em 25/11/2015, pelas 10h44 (documento junto com o Requerimento da Recorrente datado de 19/04/2016);
v. a aqui Recorrente pagou o preço do registo do imóvel em 25/11/2015, pelas 10h45 (documento junto com o Requerimento da Recorrente datado de 19/04/2016); e
vi. na Conservatória do Registo Comercial, o direito de propriedade do imóvel em causa está registado a favor da Recorrente, pelo averbamento de 18/12/2015, 09h43 (comunicação do Senhor Agente de Execução aos autos em 09/06/2016).
4. O processo de venda judicial decorreu sem que nenhum ato prescrito na lei fosse omitido. O Despacho refere, erroneamente, que foi omitido o ato de autorização pelo Tribunal, identificando os art.ºs 195.º, n.º 1, 723.º, n.º 1, alínea d) e 839.º, n.º 1, alínea c), todos do CPC.
5. Sucede que quando a proposta de aquisição da aqui Recorrente foi apresentada, o Agente de Execução, em 24/09/2015, informou todas as partes da mesma, solicitando ainda a pronúncia destas. Mais referiu que, na ausência de oposição, a proposta seria aceite.
6. Nenhuma das partes manifestou a sua oposição. Nessa sequência, em 16/11/2015, o Agente de Execução informou todos os sujeitos da aceitação da proposta da aqui Recorrente.
7. O Tribunal foi sempre informado e notificado da evolução deste processo, sendo-lhe remetidas informações quer sobre a apresentação da proposta, quer posteriormente da aceitação da mesma, face à não oposição das partes.
8. Daí que, à imagem de outras decisões de Tribunais Superiores (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05/03/2015, Proc. N.º 225910.6T2SNT.L16), tenha havido uma autorização tácita do Tribunal, não sendo legítimo, ao mesmo Tribunal, vir agora dar sem efeito um ato do qual teve conhecimento e não se opôs.
9. Mais, tendo todos os interessados sido notificados e não tendo nenhum manifestado oposição, não ocorre qualquer nulidade que possa influir no exame ou decisão da causa, pois mesmo que o Tribunal viesse a “avocar” a decisão de venda para si, tal não poderia conferir às partes nova oportunidade processual para se oporem à venda.
10. Além disso, quando notificada da decisão de venda, a Credora Reclamante não apresentou reclamação do ato do Agente de Execução, nos termos do art.º 723.º, n.º 1, alínea c) ou mesmo alínea d) do CPC. Ao não o fazer, também aqui...
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