Acórdão nº 7838/10.9TBCSC.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 10-03-2016

Data de Julgamento10 Março 2016
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão7838/10.9TBCSC.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

I - AA, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra BB, CC e DD, alegando que foi atingido pela queda de uma árvore proveniente do prédio dos RR., o que lhe causou danos físicos e psicológicos bem como prejuízos patrimoniais.

Termina pedindo que se condenem os RR., solidariamente, a pagar-lhe a quantia de € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais, € 14.832,29 a título de danos emergentes e a que se apurar a título de lucros cessantes, assim como as despesas de saúde que o A. venha a suportar em consequência do acidente, designadamente com a intervenção cirúrgica e inerentes despesas hospitalares, honorários médicos, medicamentos, aparelhos de locomoção e despesas de transporte, tudo a liquidar em execução de sentença.

Os RR. contestaram e alegaram que a queda da árvore ocorreu por motivos externos, tendo ainda impugnado a factualidade alegada pelo A.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou improcedente a acção.

O A. interpôs recurso de revista per saltum, pretendendo que seja declarada a responsabilidade civil dos RR., na sua qualidade de proprietários, ao abrigo do art. 493º, nº 1, do CC, considerando-se não ilidida presunção legal de culpa que sobre os mesmos recaía.

Os RR. não contra-alegaram.

Cumpre decidir.


II – Factos provados:

1. Encontra-se inscrita na 2ª CRP de Cascais, mediante apres. n° 11, de 21/07/2008, a aquisição, a favor dos RR., sem determinação de parte ou direito, do prédio urbano correspondente ao Lote nº … da R. …, no Estoril, descrito naquela CRP sob o n° 58…, mostrando-se, igualmente, inscrita a aquisição do referido prédio, mediante Apresentação n° 3672, de 15/11/2010, a favor de EE e marido, por compra aos RR. (A));

2. O prédio referido em 1. é composto de um edifício e logradouro e existiam algumas árvores, arbustos e ervas (B) e 1°);

3. No dia 3-3-09, pelas 19 h 47 m, a Autoridade Nacional de Protecção Civil emitiu o aviso que consta de fls. 269 (o qual foi emitido no dia 3-3-09, pelas 19 h e 47 m, indicando “aviso amarelo para”: “vento referente a rajada máxima”, sendo “no litoral; rajadas da ordem dos 70 km/h”) (36°);

4. No dia 4-3-09, cerca das 15,30 h, quando o A. se encontrava no logradouro do Lote nº 541-A da R. …, no Estoril, prédio contíguo, lado Sul, ao dos RR., referido em 1., em trabalhos de limpeza de um veículo motorizado, foi atingido pela queda de uma árvore de grande dimensão, tipo cedro, proveniente do identificado prédio dos RR., tendo sido elaborado auto de ocorrência pela PSP do Estoril (C));

5. Na zona onde se inserem os dois prédios existem várias árvores, algumas centenárias, designadamente, pinheiros, sobreiros e cedros (D));

6. A árvore em causa atingiu o prédio confinante correspondente ao Lote nº 541-A, um veículo automóvel instalado no logradouro deste, o muro de separação e o próprio A. (E));

7. A árvore tinha mais de 50 anos e mais de 15 metros de altura e a apresentava bom rigor vegetativo, sem mostrar sinais de praga ou doença e apresentava uma copa vistosa (3º, 48º e 51°);

8. O jardim em causa tinha manutenção, com deslocação regular de um jardineiro, esclarecendo-se que este sofreu um acidente algum tempo, não apurado, antes do sinistro dos autos, o que o impossibilitou (39º e 40°);

9. Não havia falta de humidade na terra e a erva estava viçosa (49°);

10. Existia um sistema de rega e as RR. deslocavam-se periodicamente ao local tal como empregada de limpeza e havia também visitas semanais de empregado para cuidar da piscina (41º, 43º, 44° e 45°);

11. A casa era usada periodicamente (46°);

12. A árvore arrancou-se pelas raízes (2°);

13. Não houve notícia de qualquer outra queda de árvores no local ou nas redondezas, na data da ocorrência (7°);

14. Naquele dia, na zona do Estoril, entre as 14 h 00 e as 17 h 00, ocorreram ventos fortes (25 a 45 km/h), com precipitações relativamente baixas (29°);

15. As condições meteorológicas, em especial de ventos, agravaram-se a partir da tarde, atingindo maior intensidade a partir da noite, o que provocou, na madrugada do dia seguinte, quedas de árvores e estragos em carros, telhados, etc., no distrito de Lisboa e outros, com intervenção da Protecção Civil e Bombeiros e ampla cobertura mediática e dois voos foram desviados do aeroporto de Lisboa para o de Faro (30º e 31°);

16. O A. foi atingido em várias partes do corpo, designadamente, na cabeça e nos membros, e foi, desde logo, assistido no local pelos serviços do INEM e seguidamente transportado para o Centro Hospitalar de Cascais numa ambulância dos Bombeiros Voluntários do Estoril, onde foi atendido de urgência – (F));

17. Após ter sido atendido de urgência no Hospital, o A. foi transferido para o Hospital de Sant'Ana, onde ficou internado (8°);

18. Em consequência directa e necessária do acidente de que foi vitima, o A. sofreu fracturas dos corpos vertebrais L-I e L-2, feridas por abrasão do joelho e perna esquerda, fracturas cominutivas articulares proximal da tíbia esquerda e fracturas diafisárias com desalinhamento da tíbia esquerda (9°);

19. Esteve acamado durante 8 dias, recebendo tratamentos na perna por síndrome compartimental, preparação da pele para cirurgia, além do acondicionamento e estabilização da coluna por tutor dorso-lombar (10°);

20. Foi operado a 12-3-09, tendo sido feitas as fracturas articulares da tíbia proximal e do alinhamento e estabilização das fracturas diafisárias (11°);

21. Apesar da alta hospitalar, ocorrida a 18-3-09, o A. a 31-3-09 estava em cadeira de rodas, fazendo pequenas deslocações com auxílio de canadianas (12°);

22. O A. continuou em tratamento ambulatório até 24-6-09 (13°);

23. O A. tem que se submeter a uma intervenção cirúrgica para remoção do material de osteossíntese instalado na perna esquerda (14°);

24. As lesões descritas provocaram os efeitos temporários e permanentes que constam do exame pericial de fls. 231-3 (15°);

25. O A. teve anteriormente o antecedente de saúde referido no exame pericial, a fls. 201, bem como no relatório de fls. 215 (16°);

26. O A. foi psiquicamente afectado e andou amargurado e deprimido, com consciência do seu estado de saúde (17º e 18°);

27. Ainda vai sofrer dores e vai submeter-se a uma nova intervenção cirúrgica de que decorrerão dores e incómodos (19º e 21°);

28. O A. viu-se obrigado a retardar por cerca de 6 meses a sua ida para os EUA, onde estudava (20°);

29. O A. gastou em honorários de médicos e hospitais a quantia de € 12.011,21, em medicamentos a quantia de € 176,08 em tratamentos de fisioterapia, a quantia de € 2.145,00 e na aquisição de um tutor de coluna e 1 cadeira de rodas, despendeu a quantia de € 240,00 (22º a 25°);

30. Em deslocações para o hospital, consultas e tratamentos de fisioterapia despendeu uma quantia não inferior a € 500,00 (26°);

31. O A. nasceu no dia 5-9-85 (G)).


III – Decidindo:

1. Neste recurso de revista nenhuma das partes questiona a aplicabilidade ao caso do art. 493º, nº 1, do CC, que faz recair sobre o proprietário de coisa móvel ou imóvel, a quem caiba o dever de vigilância, a responsabilidade pelos danos causados a terceiros, admitindo a exoneração de responsabilidade mediante a prova de que “nenhuma culpa houve da sua parte ou de que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

E efectivamente o litígio despoletado deve ser juridicamente enquadrado em tal preceito, importando unicamente apreciar se, em face dos factos que se apuraram, deve considerar-se ilidida a presunção de culpa que a lei faz recair sobre os RR. na sua qualidade de proprietários do prédio urbano em cujo logradouro se encontrava a árvore que tombou para o prédio contíguo, atingindo o A.


2. O art. 493º, nº 1, do CC, regula uma situação de responsabilidade extracontratual, em que a culpa se presume, a qual não se confunde com outras que envolvam responsabilidade objectiva, submetidas a tipificação legal, em que a obrigação de indemnizar é independente da existência de culpa do agente, apenas se admitindo o seu afastamento em casos de força maior (v.g. arts. 505º e 509º, nº 2, do CC).

Naquela situação, admite-se a exclusão da responsabilidade, mediante a prova de factos que traduzam ou a ausência de culpa, na modalidade de imprevidência, inconsideração ou negligência, ou uma situação de inevitabilidade em que os danos se produziriam mesmo sem qualquer culpa do proprietário da coisa de que naturalisticamente decorrem os danos para terceiros.

A responsabilidade não cabe ao proprietário, enquanto tal, mas apenas àquele que, sendo ou não proprietário do bem, tinha o dever de o vigiar. Mais rigorosamente, recai sobre aquele que detiver o poder de facto sobre a coisa, no pressuposto de que, como referia Vaz Serra, “quem tem a coisa à sua guarda deve tomar as medidas necessárias a evitar o dano” e que “as coisas abandonadas a si mesmas podem constituir um perigo para terceiros” de modo que “o guarda delas deve, por isso, adoptar aquelas medidas; por outro lado, está em melhor situação do que o prejudicado para fazer a prova relativa à culpa, visto que tinha a coisa à sua disposição e deve saber, como ninguém, se realmente foi cauteloso na guarda” (Trabalhos Preparatórios, BMJ 85º, pág. 365).

Rui Ataíde refere que não é o perigo inerente à coisa que fundamenta a regra especial de responsabilidade, antes “o dever de controlo correspectivo do poder de determinação sobre as coisas que ocupam um certo campo física e espacialmente delimitado”. E reportando-se especificamente a eventos com interferência de árvores, observa que não sendo as árvores em si perigosas, o que está normalmente em causa é “precaver a degradação do seu estado biomecânico e fitossanitário, aplicando os cuidados especificamente requeridos” (Responsabilidade Civil por Violação de Deveres do Tráfego, pág. 369). Mais adiante conclui...

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