Acórdão nº 7794/22.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09-05-2024
Data de Julgamento | 09 Maio 2024 |
Número Acordão | 7794/22.0T8BRG.G1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I- Relatório
Os autores AA, residente na Rua ..., em ..., ..., e HERANÇA ABERTA PELO FALECIMENTO DE BB, intentaram a presente acção declarativa com processo comum contra as rés EMP01..., SA., com sede na Rua ... (...), no ..., e Banco 1..., SA., com sede na Avenida ..., em ..., pedindo que:
a) A ré seguradora seja condenada a reconhecer que o contrato de seguro de vida titulado pela apólice nº ...71 estava em vigor quando ocorreu o falecimento da esposa do autor;
b) A ré seguradora seja condenada a pagar ao réu banco a quantia necessária para amortização do contrato de mútuo para habitação que foi celebrado pelo autor e pela esposa, por referência à data do seu falecimento, incluindo as prestações vencidas e vincendas desde esta data até à amortização e descontando o valor dos prémios de seguro que deviam ter sido pagos;
c) Em alternativa, caso fique demonstrada a responsabilidade dos seus serviços, o réu banco seja condenado a suportar a quantia que devia receber da ré seguradora caso o contrato de seguro de vida se mantivesse em vigor, com a consequente amortização do mútuo que foi ao autor e à esposa, e a suportar as prestações que deviam ter sido pagas desde a data do falecimento até à amortização.
Os autores alegaram que o autor e a esposa celebraram um contrato de mútuo para habitação com o réu banco e um contrato de seguro de vida com a ré seguradora que se destinava a garantir o cumprimento do mútuo. Tendo falecido a sua esposa, o autor reclamou junto da ré seguradora que procedesse ao pagamento ao réu banco do capital que estava garantido pelo seguro. A ré seguradora informou que o contrato de seguro tinha sido resolvido por falta de pagamento do prémio. O autor não recebeu qualquer comunicação a informar a falta de pagamento do prémio e a resolução do contrato. Além disso, esta comunicação não foi enviada para a sua esposa, o que considera que era obrigatório porque se tratava de uma pessoa segura. Finalmente, ficou acordado que o réu banco podia proceder ao pagamento do prémio em caso de incumprimento, sub-rogando-se ao autor e à esposa, pelo que devia ter procedido ao pagamento logo que teve conhecimento da falta de pagamento do prémio.
A ré seguradora contestou alegando que o contrato de seguro de vida foi resolvido por falta de pagamento do prémio e que comunicou a existência de prémios em atraso e a possibilidade de resolução do contrato ao autor, na qualidade de tomador do seguro, e ao réu banco, na qualidade terceiro beneficiário. Acrescentou que não estava obrigada a fazer esta comunicação à esposa do autor porque era apenas uma segurada.
O réu banco contestou alegando que não ocorreu qualquer falha dos seus serviços por não se ter sub-rogado no pagamento dos prémios que estavam em atraso porque esta possibilidade era apenas um direito que podia exercer e não uma obrigação que tivesse assumido.
Realizou-se audiência final com observância de todo o formalismo legal.
Foi então proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
1. Condenou a ré seguradora a reconhecer que o contrato de seguro de vida titulado pela apólice nº ...71 estava em vigor quando ocorreu o falecimento da esposa do autor;
2. Condenou a ré seguradora a pagar ao réu banco o capital correspondente às prestações vincendas a partir da data do falecimento da esposa do autor, em conformidade com o plano de amortização e dentro do limite do montante garantido, podendo ser descontando o valor dos prémios de seguro que deviam ter sido pagos;
3. Absolveu o réu banco do pedido contra si formulado.
Inconformada com esta decisão, EMP01..., SA – Sucursal em Portugal, Ré na acção, dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).
Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
A) Com fundamento no contrato de seguro – condições gerais, condições particulares e proposta que os autores mostram conhecer nos seus articulados até porque os juntam com a petição como documentos ... e ... e a proposta foi junta como doc. ... com a contestação da Recorrente e não foi impugnado – o autor, como Tomador do Seguro, sabe que constituiu o Banco Credor como Beneficiário Irrevogável, o que, por esse facto constitui confissão e faz prova com força probatória plena – entre outros arts. 352º, 356º -1 e 358 – 1 todos os Código Civil Português.
B) No doc. ... - fls. 2 - junto pelos autores consta expressamente que o Tomador do Seguro/Autor constituiu o Banco Credor como Beneficiário Irrevogável, sendo que as prerrogativas deste beneficiário são as que constam expressas no nº 4 da cláusula 12ª das Condições Gerais que os Autores juntaram como documento ..., ou seja:
B1) Sendo a cláusula beneficiária irrevogável, será sempre necessário o prévio acordo do Beneficiário para se proceder ao exercício de qualquer direito ou faculdade que, de algum modo, interfira ou tenha incidência sobre os direitos do Beneficiário. Portanto, o Tomador ficou impedido por deliberação própria de interferir no contrato com interferência nos direitos do Beneficiário Irrevogável desacompanhado dele ou à sua revelia, como acontece no caso sub judice;
B2) Pior do que isso o Tomador arredou a presença e intervenção do Beneficiário Irrevogável chegando ao desplante de intentar também contra ele a acção, tudo na tentativa evidente de obter um proveito a que sabe não ter direito, tornando processualmente incompatível o posicionamento do Banco Credor e Beneficiário Irrevogável associado a si autor para reclamar (consigo) o benefício contratual.
C) O negócio com as condições plasmadas nos documentos ... e ... juntos pelos Autores exige a intervenção, como demandante, do beneficiário irrevogável – banco credor – independentemente da insubsistência do contrato como ficou demonstrado.
D) Em resultado do convencionado contratualmente é imprescindível a intervenção de todos os interessados na relação controvertida, sendo que a ausência mantida conscientemente pelo Tomador/Autor do Beneficiário Irrevogável importa que a Ré e autores devam ser declarados partes ilegítimas, pois sem que todos os interessados estejam regularmente posicionados na acção, o processo não pode prosseguir por estarmos perante clara circunstância de litisconsórcio necessário contratual – vd. Artº 33º - mormente o nº 1 – do Cód. Proc. Civil.
E) Assim, nos termos da al. e) do Artº 577º deste mesmo diploma a ilegitimidade constitui excepção dilatória e importa a absolvição da instância – al. b) do Artº 577º e nº 2 do Artº 576º do Cód. Proc. Civil, sendo que o não conhecimento de tal questão constitui nulidade nos termos da al. d) do nº 1 do Artº 615º do Cód. Proc. Civil, sendo este o momento e tempo próprios para fundamentar o recurso como prevê o nº 4 deste mesmo artigo.
II- Da matéria de facto:
F) Entendeu o tribunal recorrido que uma das questões em crise está na resolução por falta de pagamento do prémio do contrato de seguro de vida que diz ter sido celebrado pelo autor e pela esposa (sublinhado nosso).
G) Esta asserção não é verdadeira porque o contrato foi celebrado entre o autor/tomador do seguro e a seguradora aqui recorrente, sendo que a esposa não é tomadora do segura mas simplesmente segunda pessoa segura.
H) O autor – tomador do seguro – por definição – é, no caso, pessoa singular que celebra o contrato de seguro com o segurador e é responsável pelo pagamento dos prémios que acumula com a qualidade de pessoa segura.
I) A esposa não intervém como tomador; foi indicada pelo tomador como segunda pessoa segura e só e exclusivamente por isso teve intervenção na proposta para indicar o seu estado de saúde nos termos e para efeitos do Artº 24º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Dec.-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril.
J) Contratualmente, na esteira do legalmente estatuído, pessoa segura ou segurado é a pessoa singular cuja vida, saúde ou integridade física se segura nos termos e condições deste contrato – vd. Artigo 1º - Definições – das Condições Gerais constantes como documento com o nº ... junto pelos Autores, ou seja, ficando bem demonstrado que desde sempre conheciam, como conhecem as bases e condições do contrato, não podendo nem devendo o tribunal recorrido subvertê-las como faz.
K) Os factos constantes nos nºs 6 e 7 não dizem respeito à Ré como é evidente por serem anteriores à celebração e vigência do contrato dos autos em 30/06/2014;
L) Face às definições relativas a Tomador e pessoa segura, o afirmado no nº 8 dos factos gera dúvida a que só está vinculado o julgador. Não houve substituição de contrato mas celebração de contrato novo com a Recorrente.
M) O que consta no nº 10 está próximo da verdade materializada nas condições do contrato mas, por uma qualquer ou mais razões, deixa a dúvida que mais à frente se mostra consciente e fatal; de facto, é correcta a afirmação de que o autor era o tomador do seguro, que eram segurados – pessoas seguras, convém explicitar – o próprio tomador e mulher e que o banco era beneficiário mas irrevogável por condição imposta pelo credor e transmitida pelo tomador enquanto tal.
N) O facto sob o nº 13 dá como integralmente reproduzidas as condições gerais e particulares, sendo que os seus conteúdos claros e bem definidos não são inteiramente consentâneos com os “reparos” e imprecisões acima deixados os quais são da autoria do tribunal recorrido e, tais reparos têm que ser corrigidos para a factualidade que resulta das Condições Gerais e Particulares.
O) No nº 14 dos factos, o credor designado de beneficiário aceitante com remissão para o art. 5º, nº 3 tem o sentido e conteúdo de beneficiário irrevogável também claramente expresso nas Condições...
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