Acórdão nº 771/19.0T8CTB.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 24-03-2021
Data de Julgamento | 24 Março 2021 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA. |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 771/19.0T8CTB.C1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1. AA, instaurou ação de processo comum contra Acapo – Associação dos Cegos Ambliopes de Portugal, pedindo que a ré seja condenada a pagar‑lhe:
a) A quantia em dívida, relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho, acrescida de juros legais desde a data da citação até integral pagamento, que no presente se fixa no montante global de € 2.655,45, respeitante às férias vencidas e não gozadas (€ 1.815,00) e créditos de formação (€ 840,45);
b) A quantia de € 12.705,00, relativa à indemnização fixada pelo artigo 396º, n.º 1, do Código de Trabalho.
c) A quantia de € 7.260,00, a título de danos patrimoniais nos termos do art.º 396 n.º 3;
d) A quantia € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, nos termos do art.º 396 n.º 3, do Código do Trabalho.
2. Tendo sido invocada na contestação a prescrição dos créditos da Autora, veio a ser proferido saneador/sentença que julgou procedente a exceção de prescrição dos créditos reclamados pela Autora, e em consequência, absolveu-se a Ré dos pedidos deduzidos.
3. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido julgar a apelação totalmente procedente e, em consequência, revogado o saneador/ sentença e ordenado o prosseguimento dos autos.
4. Inconformada com esta decisão, a Ré interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:
I – O presente recurso de revista é interposto pela Recorrida do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que concluiu que, não obstante ter sido declarada nula a citação da Recorrida, a mesma não produz efeito interruptivo, motivo pelo qual o prazo prescricional de um ano para reclamação de créditos salariais emergentes de contrato individual de trabalho não decorreu, tendo em consequência deliberado julgar a apelação procedente revogando o saneador/sentença impugnado e ordenar o prosseguimento dos autos.
II – O douto Acórdão de fls. proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra no mais, considerou que:
“ (…) há que indagar se, no caso, com a citação declarada nula (com trânsito em julgado, sublinhe-se) levada a cabo pelo mandatário da autora, se levou ao conhecimento da ré ou se exprimiu devidamente a intenção da autora exercer o seu direito. E a resposta tem de ser positiva pois resulta da consulta dos autos (ref.ª ...) que no ato de citação foi entregue à ré a petição inicial na qual a autora formula a sua pretensão em reclamar daquela créditos salariais e o pagamento da indemnização por cessação do contrato por alegada verificação de justa causa.
Ou seja, encontra-se comprovado que a ora recorrente pretendeu exercer o seu direito a ser ressarcida pelos créditos laborais derivados da cessação e incumprimento do contrato de trabalho e que deste facto a recorrida tomou conhecimento a 15 de maio de 2019 com a citação operada por mandatário.
A cessação do contrato trabalho ocorreu em 14.05.2019. O prazo prescricional de um ano a que se refere o artº 337º n 1 do CT teve o seu início em 15.05.2019 e interrompeu-se em 15.05.2020 com a citação (embora nula) da ré.
A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, que não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo – artºs 326º nº 1 e 327º nº 1, ambos do Cód. Civil - salvo as exceções previstas nos nºs 2 e 3 do último normativo citado. Assim, conclui-se que o prazo prescricional de 1 ano não tinha decorrido o que leva à procedência da apelação. (…)”.
III – Tendo a final julgado procedente a apelação, revogando o despacho saneador e ordenado o prosseguimento dos autos.
IV – A Recorrente não pode conformar-se com o douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, pois o mesmo faz uma interpretação errada da norma jurídica em grave violação da lei substantiva.
V – O direito a créditos salariais que se pretendia fazer valer por via da propositura daquela ação de processo comum encontra-se prescrito.
VI – A “citação” levada a cabo pela Recorrida, através de mandatário e que reveste a forma de comunicação, não é meio idóneo para interromper a prescrição do direito.
VII – Os presentes autos inserem-se no âmbito de uma relação laboral e resultam da cessação de contrato individual de trabalho operada em 14/05/2018, tendo a Recorrida instaurado os presentes autos em 14/05/2019.
VIII – Tratando-se de um processo comum de declaração, sob a epígrafe “Despacho Liminar” o artigo 54.º do CPT, nos seus nº.s 2, 3 e 4, faz depender a citação de prévio despacho judicial, pelo qual, estando a ação em condições de prosseguir, o juiz designa dia para audiência de partes, notifica o autor e cita o réu para comparecerem pessoalmente, sendo esta última acompanhada da petição inicial e documentos.
IX – Tal dependência justifica-se pelo facto de recebida a petição, caber ao juiz o poder de verificar eventuais deficiências ou obscuridades e, se for caso disso, convidar ao seu aperfeiçoamento ou indeferi-la liminarmente.
X – No caso de ausência de deficiências e obscuridades e a ação estar em condições de prosseguir, o juiz profere despacho a designar audiência de partes e a citação do réu.
XI – O que se verificou por despacho de fls. datado de 15/05/2019.
XII – A prescrição é uma forma de extinção da obrigação, provocada pelo decurso do tempo sobre os direitos subjetivos e faz cessar o exercício destes direitos.
XIII – Os créditos laborais são imprescritíveis na vigência da relação de trabalho, fixando a lei como termo inicial do prazo prescritivo o dia seguinte à data em que cessou o contrato de trabalho.
XIV – Cessado o contrato de trabalho em 14/05/2018 o prazo prescricional de um ano iniciou-se no 15/05/2018, o que significa que terminou às 24 horas do dia 15/05/2019, considerando-se os créditos prescritos às 00.00 horas do dia 16/05/2019.
XV – São requisitos cumulativos de interrupção da prescrição a prática de um ato, num processo judicial de qualquer natureza, ser esse ato adequado a exprimir a intenção de exercício do direito, pelo seu titular e a comunicação ao devedor do mesmo ato, por citação ou notificação judicial – vide artigo 323.º do CC.
XVI – No decurso desse prazo não ocorreu nenhum desses atos, pelo que, não ocorreu a interrupção do prazo prescricional, uma vez que o mesmo já se havia completado quando a “citação” se verificou.
XVII – Resulta dos autos que terá sido efetuada uma “citação” em 15/05/2019 pelas 11h30 à ora Recorrente, por mandatário judicial identificado para o efeito.
XVIII – A “citação” efetuada não é o meio adequado à interrupção da prescrição, uma vez que a mesma é apenas uma comunicação extrajudicial, a qual, por si só, não é ato equiparável à citação ou notificação, casos em que a Ré toma efetivo conhecimento do direito e da intenção de que contra ela a Autora pretende exercer o seu direito.
XIX – Uma comunicação extrajudicial não interrompe a prescrição, dado que não tem o efeito de levar ao conhecimento da Ré a intenção da Autora exercer o seu direito por via de ação judicial, pois, para que tal sucedesse, a Autora, ora, Recorrida, apenas devia ter citado a Ré, ora, Recorrente, após despacho que ordenasse a sua citação.
XX – A “citação” efetuada é desprovida de fundamento e ineficaz, por não ter sido ordenada por despacho judicial.
XXI – Face à ordem cronológica dos atos registados na plataforma citius, temos que, o ofício a notificar o ilustre Advogado para cumprimento do despacho tem a ref.ª ... e só ocorre após o despacho de fls. para cumprimento do artigo 54.º do CPT (ref.ª ...) e a consulta à base de dados efetuada às 12h28 de 15/05/2018 (ref.ª ...).
XXII – A “citação” da Recorrente foi efetuada por livre e espontânea vontade da Recorrida e previamente ao despacho que a ordenou.
XXIII – Do documento identificado como “citação” junto a fls. ref.ª ... não consta o dia designado para audiência de partes, pelo contrário, do mesmo consta que “deverá aguardar pela marcação da audiência de partes”.
XXIV – Estamos, pois, perante uma grave violação do artigo 54.º do CPT e do artigo 323.º n.º 4 do CC.
XXV – Considerando que a citação ainda não se encontrava deferida no momento em que terá sido efetuada, a mesma não pode ser considerada como um de natureza judicial nos termos e para os efeitos do artigo 219.º n.º 1 do CPC e do artigo 323.º n.º 4 do CC, dado que a citação por intermédio de mandatário judicial só pode ocorrer depois de despacho judicial que o habilite a fazer.
XXVI – A interrupção da prescrição tem sempre por base a prática de um ato, num processo judicial de qualquer natureza, que exprima a intenção de exercício do direito do seu titular e a comunicação ao devedor do mesmo ato, por citação.
XXVII – Tendo a “citação” da Recorrente sido efetuada por livre e espontânea vontade da Recorrida, porque carecida de despacho judicial que a ordenasse, esta traduz tão e somente um ato de natureza extrajudicial e não pode ser qualificada como citação judicial para ação.
XXVIII – Tal ato de “citação” tem de ocorrer necessariamente no âmbito de um processo judicial e a comunicação efetuada revestir, ela mesma, natureza de meio judicial.
XXIX – Só após o despacho judicial de fls. proferido nos autos e que ordenou a citação da Recorrente através de mandatário judicial nos termos dos artigos 225.º n.º 3, 237.º e 238.º do CPC é que tornaria eficaz a “citação” operada pela Recorrida, pelo que, não se pode considerar que a “citação” ocorreu no âmbito do processo judicial aqui em causa.
XXX – Não estando o mandatário habilitado à prática do ato de citação por despacho judicial prévio nos termos do artigo 54.º do CPT, a lei não equipara aquele ato a meio judicial de comunicação.
XXXI – A comunicação extrajudicial efetuada à Recorrente não encontra...
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