Acórdão nº 76/03.9GBFIG.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 14-01-2009

Data de Julgamento14 Janeiro 2009
Número Acordão76/03.9GBFIG.C1
Ano2009
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra
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I. RELATÓRIO.
Pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Figueira da Foz, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, os arguidos, …, …, … e, …, todos com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática dos seguintes crimes e contra-ordenação:
- Ao primeiro arguido, um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nºs 1, a) e 2, e), do C. Penal;
- Aos segundo e terceiro arguidos, em co-autoria, um crime de detenção de munições de arma de fogo, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, d), da Lei nº 05/2006, de 23 de Fevereiro;
- Ao quarto arguido, uma contra-ordenação p. e p. pelos arts. 2º, nºs 1 e 2 e 16º, nº 2, da Lei nº 30/00, de 29 de Novembro, e um crime de tráfico de canabis, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa ao referido diploma.
Realizado o julgamento foi proferido em 29 de Maio de 2008 acórdão que:
- Absolveu os arguidos … e … da prática dos crimes que lhes eram imputados;
- Condenou o arguido …, pela prática de um crime de detenção ilegal de munições de armas de fogo, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, d), da Lei nº 05/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano;
- Condenou o arguido …, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, a), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro – resultante da convolação do acusado crime de tráfico de estupefacientes – na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e seis meses, condicionada à frequência pelo arguido do Instituto da Droga e da Toxicodependência, e consequente acatamento das orientações que ali lhe sejam dadas com vista à superação da sua dependência do consumo de estupefacientes.
Inconformado com a decisão, dela recorreu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ (…).
1.ª O Tribunal a quo condenou o arguido … pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
2.ª Porém, de acordo com os factos provados, a ilicitude da conduta do arguido não se mostra consideravelmente diminuída, pelo contrário é bastante acentuada, pelo que não se subsume ao artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, mas antes ao tipo simples, previsto no artigo 21.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
3.ª Fez, então, o Tribunal a quo uma errada subsunção jurídica dos factos praticados por BC..., pelo que há uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (artigo 410.º, n.º 2, al. b), in fine, do Código de Processo Penal).
4.ª O arguido … deverá ser condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
No entanto, Vossas Excelências, como sempre, farão a tão costumada JUSTIÇA!
(…)”.
O arguido … não respondeu ao recurso.
Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a factualidade apurada permitir concluir por uma ilicitude consideravelmente atenuada, concluindo pela confirmação do acórdão recorrido.
Foi cumprido ao disposto no art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo Digno Magistrado do Ministério Público recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
- A existência do vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
- A errada qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido BC....
Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da decisão objecto do recurso. Assim:
A) No acórdão foram considerados provados os seguintes factos, com numeração por nós aposta (transcrição):
“ (…).
Em Junho de 2003, alguém se dirigiu ao Centro Paroquial de Ferreira-a-Nova Figueira da Foz, onde, abrindo à força a janela da sala, logrou por aí entrar no interior das referidas instalações. (1)
Já aí dentro, abriu à força duas portas, por onde acedeu a uma sala onde se encontrava o material descrito a fls. 15, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que retirou para o exterior e levou depois consigo, designadamente:
- dois televisores Samsung W532 V64N, no valor de 1.458 €;
- um videogravador Samsung no valor de 130 €; e
- nove computadores Logic Super 2400 P4-2 40HZ, no valor de 9.201,78 €, objectos esses com um valor global de 10.789,78 € (dez mil setecentos e oitenta e nove euros e setenta e oito cêntimos). (2)
No dia 23.10.2006, pelas 7h00, foi realizada busca domiciliária à residência dos arguidos … e …, sita na rua da Ribeira, nº 19, em Porto Lamas – Ferreira-a-Nova – Figueira da Foz, tendo sido apreendido o seguinte no quarto dos arguidos:
- uma munição cal. 6,35; e
- uma munição cal. 7,65. (3)
Nesse mesmo dia foi realizada busca domiciliária à residência dos arguidos … e …, sita em Pisão – Liceia – Montemor-o- Velho, tendo sido apreendidos no quarto dos mesmos:
- um saco de plástico com dois invólucros, cal. 6,35;
- seis cartuchos de cal. 12, chumbo de 5 mm;
- um cartucho de cal. 12, zagalotes;
- um cartucho de cal. 12, chumbo de 4 mm;
- dois cartuchos de cal. 12, chumbo de 6 mm; e
- dois cartuchos de cal. 12, chumbo de 1 mm. (4)
Tais munições e invólucros pertenciam ao arguido …, que não é detentor de autorização de detenção de armas ou de licença de uso e de porte de qualquer arma. (5)
Agiu o arguido … de forma livre, deliberada e consciente ao deter tais munições de armas de fogo. (6)
No dia 23 de Outubro de 2006, na sequência de uma busca domiciliária, judicialmente autorizada, foram encontrados e apreendidos, entre outros objectos, na residência da avó do arguido …, mais concretamente no quarto deste último e na sala, sita na Rua da Fonte, n.º 19, Ferreira-a-Nova, Figueira da Foz, duas placas de um produto acastanhado, com o peso líquido de 198,457 gramas, uma pequena parte de uma placa de um produto acastanhado, com o peso líquido de 12,461 gramas, um plástico com partículas, as quais tinham o peso líquido de 1,829 gramas, produtos esses com um peso líquido global de 212,747 gramas. (7)
Sujeito tal produto a exame no Laboratório de Polícia Científica, revelou o mesmo tratar-se de canabis (resina). (8)
Tal produto estupefaciente foi adquirido pelo arguido numa festa denominada "Incognitus Party", no dia 14 de Outubro de 2006, tendo pago pelo mesmo €120 (cento e vinte euros) e dado ainda em troca um telemóvel, sendo que aquando da referida busca e apreensão, o arguido já teria consumido uma parte de tal produto. (9)
O arguido … é consumidor de canabis há cerca de 4 (quatro) anos, sendo que ocasionalmente vende ou cede a consumidores este produto estupefaciente. (10)
Em data não apurada de 2006, na Lagoa da Ferreira, em Ferreira-a-Nova, o arguido … forneceu canabis a …., pela quantia de € 20 (vinte euros), em quantidade não concretamente apurada e cedeu canabis a …, por diversas vezes, em quantidades, locais e datas não concretamente apuradas. (11)
O arguido … agiu de forma livre, bem sabendo da natureza estupefaciente da substância que lhe foi apreendida, que lhe pertencia, destinando parcialmente a mesma à venda ou cedência a consumidores que o procurassem para o efeito. (12)
Sabiam ainda os arguidos … e … que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. (13)
O arguido … celebrou, na pendência deste processo, um contrato a termo certo com a empresa Isolmondego – Instalação de Fomos Industriais, Ldª., com sede em Falagueira, Amadora.
É montador de fomos industriais, auferindo a retribuição mensal de €650.
Completou o 2° ano de escolaridade.
Vive com a companheira, doméstica e uma filha de cinco anos, em casa da mãe dele. (14)
O arguido … sofreu condenações por crimes de condução sem habilitação legal, falsidade de depoimento ou declaração, ofensa à integridade física e receptação, nenhuma delas o tendo conduzido a prisão efectiva. (15)
Os arguidos … e … cresceram num contexto rural, integrados numa família de baixo nível
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