Acórdão nº 758/11.1TAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08-09-2015
Judgment Date | 08 September 2015 |
Acordao Number | 758/11.1TAPTM.E1 |
Year | 2015 |
Court | Court of Appeal of Évora (Portugal) |
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Acordam, em conferência, na Secção Criminal
do Tribunal da Relação de Évora
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1. RELATÓRIO
Nos autos de processo comum, perante tribunal singular, com o número em epígrafe, que correu termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de P, sob prévia acusação do Ministério Público, a arguida MYB foi pronunciada pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pela conjugação do disposto nos arts. 15.º, alínea b), e 137.º, n.º 1, do Código Penal (CP).
O assistente, JMSF, deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida e contra Hospital A, SA, peticionando a condenação de ambos, no pagamento, solidário, da quantia total de 410.000 euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência da conduta da arguida e do Hospital.
A arguida apresentou contestação à matéria da pronúncia, negando a prática dos factos tal como descritos nos autos, apresentado uma versão diversa dos mesmos. Mais, arrolou testemunhas e requereu a intervenção principal provocada de A P, Companhia de Seguros, SA.
Hospital A, SA, apresentou contestação ao pedido cível e arrolou testemunhas.
A P, Companhia de Seguros, SA, admitida a intervir, apresentou contestação ao pedido cível e arrolou testemunhas.
Realizado o julgamento, decidiu-se:
- julgar a pronúncia parcialmente provada, mas procedente, e o pedido cível parcialmente provado e procedente e, em consequência:
- condenar a arguida pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e. p. pelo art. 137.º, n.º 1, do CP, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à razão diária de 100 euros, num total de 20.000 euros;
- absolver Hospital A, SA, do pedido cível deduzido pelo demandante;
- condenar a demandada A P, Companhia de Seguros, SA, no pagamento ao demandante JF da quantia total de 295.000 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, calculados à tA P legal aplicável, desde a data do trânsito em julgado da sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se do demais.
Inconformadas com tal decisão, interpuseram recursos, formulando, respectivamente, as conclusões:
1 - a arguida/demandada:
I. Atento o regime a que estão submetidas as perícias no âmbito do processo penal, o parecer assumido pelo Colégio da Especialidade de Ginecologia/Obstetrícia da Ordem dos Médicos, não reúne os requisitos para que seja caracterizado como prova pericial.
II. Do mesmo modo, também a Dr.ª FF não pode ser considerada peR pois não foi nomeada como tal pelo Ministério Público ou pelo Tribunal, não prestou compromisso e, portanto, não lhe pode ser reconhecida a especial qualidade que é inerente à figura do perito em processo penal.
III. Nenhuma das formalidades impostas pela lei para a realização de perícias foi cumprida quanto a estes meios de prova.
IV. Assim, a indicada especialista foi apenas e só uma testemunha que deu as suas opiniões numa área técnico-científica, as quais aliás não tiVm por base factos que o Tribunal tenha apurado, mas tão só, uma parte dos elementos de prova que haviam sido recolhidos, mais concretamente os documentos de fls. 7, 30 a 41 e 71 a 75 dos autos. A própria sentença reconhece que tais pareceres e esclarecimentos não assentaram em factos e dados suficientes.
V. Certo é que em termos processuais penais não se trata de uma perita os seus pareceres e esclarecimentos não adquiriram a qualidade de juízo científico para os efeitos do disposto no artigo 163º do Código de Processo Penal.
VI. A valoração destes meios de prova não deveria ter obedecido ao regime próprio das perícias, plasmado no art.º 163.º do CPP, mas antes à livre apreciação do julgador.
VII. Face aos factos apurados e que resultaram da discussão da causa é incorrecta a decisão relativa ao facto não provado sob o n.º 2, pois tem de se considerar que nada permite afirmar que a arguida suspeitando de uma hemorragia, não previu tratar-se dos grandes vasos.
VIII. Consequentemente, o facto provado sob o n.º 7 deve corresponder ao que ficou demonstrado: A arguida suspeitou de hemorragia e previu como possível tratar-se de lesão do grande epíploon, dos intestinos ou dos vasos de maior ou menor calibre.
IX. Do mesmo modo, o facto provado sob o n.º 8, segundo o qual a arguida não utilizou de imediato a incisão pubo-umbilical, que seria o procedimento mais indicado para a exposição dos grandes vasos deve ser eliminado, porquanto a interpretação que a Mm.ª Juiz a quo fez não tem correspondência com toda a factualidade apurada e com as circunstâncias concretas verificadas.
X. Com efeito, dos esclarecimentos prestados pela peR médico-legal, os grandes vasos localizados na zona anatómica intervencionada são, para além da aorta, a veia cava e as artérias ilíacas, sendo que a incisão de Pfannenstiel é na zona das ilíacas. Ora havendo sinais da existência de uma hemorragia, mas não se sabendo qual a sua origem, o médico-cirurgião deve actuar o mais brevemente possível. E foi essa a atitude da recorrente, tanto mais que tinha também de considerar a inclinação que havia dado ao trocar.
XI. Consequentemente importa modificar o facto provado sob o n.º 9, que deve passar a ser do seguinte teor:
A arguida levou a cabo, como primeira opção, a laparotomia de Pfannenstiel que se revelou insuficiente para determinar a causa da hemorragia tendo, então, iniciado a incisão pubo-umbilical, esta alargada posteriormente até ao xifoideu pelo Dr. GG. As duas incisões - de Pfannenstiel e pubo-umbilical - demoraram cerca de um minuto e meio, no seu conjunto.
XII. A frase que ora se aditou resulta do conjunto da prova produzida, da qual é possível concluir que as duas incisões juntas não demoraram mais de um minuto e meio.
XIII. Desde logo e no que concerne ao facto n.º 10, assinala-se que o mesmo é conclusivo, pois que a afirmação do que alguém deve ou não fazer em certa circunstância não é um facto, mas uma conclusão a tirar de outros factos e até das regras aplicáveis.
XIV. Mas ainda que assim não se entenda, o que só por hipótese de raciocínio se concebe, atento o que acima ficou dito, o que ali está afirmado não corresponde à realidade e é contraditório com os factos provados, tal como constam da sentença. Seguindo o raciocínio da Mm.ª Juiz a quo, a arguida não suspeitou, num primeiro momento, tratar-se de uma lesão dos grandes vasos, pelo que não se vê como pode dar-se como provado algo que parte do pressuposto dessa suspeita ter existido.
XV. O raciocínio a seguir deve, pois, ser referido ao momento em que a acção se realiza, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, um juízo ex ante.
XVI. Também os factos provados n.ºs 11 e 14 da pronúncia não resultam dos meios de prova produzidos em audiência. Ressalta bastamente da prova produzida, que a tA P de mortalidade neste tipo de acidentes é muito elevada.
XVII. Acresce que quando estes acidentes ocorrem não é possível determinar qual o tempo a partir do qual a situação é irreversível. Muitas vezes, sendo tudo feito em tempo e com todas as condições disponíveis, não é possível evitar o decesso do paciente. Assim, não é possível afirmar e dar como assente que foi a circunstância da arguida não ter feito de imediato a incisão pubo-umbilical que não permitiu detectar a causa da hemorragia a tempo de a debelar.
XVIII. Ademais, a arguida e demais equipa mantiVm a paciente viva até à chegada do cirurgião geral que, como se confirmou na audiência, demorou cerca de 25 minutos a chegar ao bloco operatório depois de ter sido chamado.
XIX. Foi também na mesma altura que chegou o sangue que havia sido pedido. Ora se a paciente permaneceu viva apenas com as manobras de compressão realizadas e com os fármacos administrados pelo anestesista, tal só pode significar que os procedimentos adoptados, num primeiro momento pela arguida, quando fez as incisões, e depois ajudada pelos demais intervenientes, foram eficazes, não obstante não ter sido localizada, com precisão a causa da hemorragia.
XX. É que, convém ter presente, que a causa da hemorragia, consubstanciada na lesão da aorta, apenas foi detectada e suturada pelo Dr. GG, aquando da sua intervenção, a qual se iniciou cerca de 30 minutos depois de ter sido descoberta a hemorragia.
XXI. A arguida e o Dr. FR, porque especialistas em Ginecologia/Obstetrícia, não têm os conhecimentos necessários (e não têm de ter) para tratar lesões dos grandes vasos ou mesmo, se fosse o caso, dos intestinos. Pelo que apenas fizeram o que estava ao seu alcance e, por isso, lhes era exigido, ou seja, compressão na zona que parecia estar a sangrar.
XXII. Tais manobras prolongaram-se por cerca de 25 minutos. Sendo que todos os minutos contam numa situação como aquela com que a arguida se deparou, este período de tempo a que todos os médicos intervenientes foram alheios, terá sido muito mais relevante para a hemorragia do que aquele que a arguida demorou a fazer a incisão transversal, como é da lógica das coisas e do senso comum.
XXIII. Face ao que ficou dito e à impossibilidade, atestada pela peR médico-legal, de não ser possível determinar qual o momento a partir do qual a situação causada pela hemorragia é irreversível, não se pode ter considerado como provado o facto n.º 11 da pronúncia, pelo que deve o mesmo ser eliminado.
XXIV. Relativamente ao facto provado n.º 12 e que afirma que a morte de VA sobreveio na sequência da ferida da artéria aorta abdominal, o mesmo deve ser conjugado com o facto (da pronúncia) dado como não provado sob o n.º 3, no qual se diz que “A morte de VA também sobreveio das feridas da artéria ilíaca primitiva direita.”
XXV. O relatório da autópsia médico-legal conclui que a morte da paciente foi devida a hematoma retroperitoneal na sequência das feridas da artéria aorta abdominal e da artéria ilíaca primitiva direita. Não obstante, a Mm.ª Juiz a quo...
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