Acórdão nº 7446/08.4TAVNG.S1.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 29-01-2014

Data de Julgamento29 Janeiro 2014
Número Acordão7446/08.4TAVNG.S1.P1
Ano2014
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 7446/08.4TAVNG.P1

Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto

Relatório

O Exmo Magistrado do Ministério Público, em processo comum com intervenção de tribunal colectivo, acusa:
B…, casado, trolha, nascido em 13.07.1965, filho de C… e de D…, natural da freguesia …, Espinho, residente na Rua …, nº .., …, Vila Nova de Gaia
pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. no artº 171º, nº 1 e 2, com as agravações resultantes do artº 177º, nº 1, al. a) e 4, do Código Penal, e um crime de coação agravada, p. e p. pelo artºs 154º, nº 1 e 155º, nº 1, al. b), do mesmo diploma legal, imputando-lhe a prática dos factos descritos na acusação de fls. 323 e seg., que aqui se dá por integralmente reproduzida.
O arguido não apresentou contestação.

Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do legal formalismo.
No decurso da audiência procedeu-se a uma comunicação da alteração jurídica dos factos constantes da acusação, por se considerar que a conduta do arguido aí descrita é susceptível de integrar a prática de, em concurso real, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido, pelo artº 171º, nº 1 e 2 e 177º, nº 1, al. a) e um crime de abuso sexual de adolescente dependente agravado, previsto no artº 172º, nº 1, e 177º, nº 1 al. a) e nº 4, além de um crime de coação agravada, p. e pelo artº 154º, nº 1 e 155º, nº 1, al. b) do Código Penal.
Notificado desta comunicação, o arguido requereu prazo para a defesa, que foi concedido, e não se opôs à continuação do julgamento, a que também se não opôs o Ministério Público.
Procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas pelo arguido no referido prazo.
A instância mantém-se válida e regular, não se suscitando questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa.

– FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Factos provados:
A) DA ACUSAÇÃO:
Resultaram provados, com interesse para a sua decisão, os seguintes factos:
1. O arguido é pai da menor E…, nascida a 11.12.1993.
2. Em 2005 o arguido e a sua referida filha menor residiam na Rua …, nº .., em …, Vila Nova de Gaia.
3. Do agregado familiar faziam, ainda, parte, a mãe da menor E… e dois irmãos desta, também menores, bem como a avó materna.
4. A E… padece de deficiência mental moderada congénita, que lhe determina um atraso cognitivo.
5. Em data não concretamente apurada de 2005, na altura em que a E… contava 11 anos de idade, o arguido resolveu manter com ela relações sexuais.
6. Em execução de tal propósito, e ao longo do período compreendido entre 2005 e Setembro de 2008, aproveitando-se do natural ascendente que sobre ela detinha, fruto dos laços familiares que os uniam e da menor capacidade da mesma, quer em face da imaturidade inerente à respectiva idade, quer do atraso intelectual de que padecia, para compreender plenamente o significado e consequência dos relacionamentos sexuais, por diversas vezes, e com periodicidade regular não concretamente apurada, o arguido, levando-a a pensar que tal sucedia num contexto de afectividade e amor, introduziu o seu pénis erecto na vagina da E…, friccionando-o no respectivo interior até ejacular.
7. Por força e na sequência de uma das relações sexuais de cópula que o arguido com ela manteve, a E… engravidou, vindo a dar à luz, no termo da gravidez a menor F…, filha de ambos, nascida no dia 26 de Novembro de 2008, e concebida em data incerta, ocorrida dentro dos primeiro cento e vinte dias dos trezentos que precederam o respectivo nascimento.
8. O arguido conhecia os laços familiares que o uniam à E…, bem como a idade da mesma, sabendo, igualmente que aquela era portadora de deficiência mental moderada congénita, factos que a tornavam particularmente indefesa.
9. As relações sexuais acima referidas, ocorriam, normalmente no interior da residência de ambos, designadamente no quarto da E….
10. A primeira vez em que o arguido introduziu o seu pénis na vagina da menor e com ela manteve relações sexuais de cópula, esta contava 11 anos de idade.
11. A E… nunca contou a ninguém – mormente aos familiares mais chegados – que se relacionava sexualmente com o arguido, porque este, como forma de a constranger ao silêncio, lhe dizia que, se o fizesse, lhe batia, incuntindo-lhe, desta forma receio.
12. Em consequência das supra descritas relações sexuais que o arguido consigo manteve, a E… apresenta profundas sequelas a nível psicológico, conforme resulta do exame de avaliação psicológica, de fls. 312 a 320, cujo relatório se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais, nomeadamente no que toca à pessoa do arguido, confundindo a relação com aquele mantida, de subjugação, domínio e sujeição aos desejos libidinosos daquele, com amor, fortes sentimentos de culpa face aos factos ocorridos, vergonha, dificuldades relacionais, depressão, baixa auto-estima, baixa assertividade, insegurança e sentimentos de desamparo, traumatismos esses que prejudicaram e prejudicam gravemente o normal e livre desenvolvimento da sua personalidade na esfera sexual.
13. Conhecedor da idade da sua filha, quis e conseguiu o arguido, manter repetida e regularmente, com ela, relações de cópula vaginal, assim violando o direito desta à sua livre determinação sexual e prejudicando o livre desenvolvimento da respectiva personalidade, para satisfação dos seus próprios desejos sexuais,
14. Mais quis e conseguiu, através de ameaças com agressões, constranger, como constrangeu, a E… a não relatar a ninguém, os relacionamentos sexuais mantidos, como forma de sucessivamente e a coberto do silêncio da mesma, com ela poder relacionar-se sexualmente.
15. Agiu voluntária, livre e conscientemente, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei.
Mais se provou:
16. O arguido não tem antecedentes criminais.
17. O arguido é oriundo de agregado familiar de condição socioeconómica e cultural precária, constituída pelos progenitores e por 3 descendentes do qual é o mais velho.
18. O falecimento precoce da mãe, quando o arguido tinha cinco anos de idade, motivou a sua institucionalização na “G…”, no Porto, onde permaneceu durante cerca de 8 anos, tendo passado por diversas estruturas daquela instituição, designadamente pelo “H…”, em …, Santa Maria da Feira, e pela “I…”, no concelho de …, em Coimbra.
19. Nesse período, concluiu o 4º ano de escolaridade e foi encaminhado para a quinta agrária …, onde aprendeu lavoura e pecuária.
20. Aos 15 anos fugiu da instituição e nessa sequência integrou o agregado familiar do progenitor, constituído por este e por sua mulher, ambos operários fabris, e pela irmã mais nova, onde se manteve até casar.
21. Aos 27 anos, contraiu casamento com J…, relação da qual resultaram 3 descendentes, a menor E… e dois irmãos desta, actualmente com 13 e 11 anos de idade respectivamente.
22. O arguido apresenta um percurso profissional caracterizado pelo desempenho irregular de tarefas indiferenciadas na área da construção civil e da agricultura.
23. À data dos factos, entre 2005 e Setembro de 2008, o arguido residia na Rua …, nº .., …, em …, numa moradia, com quintal, propriedade da sua sogra, onde residia esta, reformada, a sua mulher, desempregada, os três descendentes menores do casal, o cunhado, uma companheira deste e a filha menor desta, sendo o dinâmica familiar caracterizada por diversas disfuncionalidades e uma precária condição económica, beneficiando de apoio do rendimento social de inserção.
24. Nesse período, o arguido desempenhava funções como trabalhador agrícola, integrando campanhas sazonais em Espanha, celebrando contratos de trabalho temporários com empresas espanholas daquele ramo, passando período de três meses naquele país, residindo com outros trabalhadores em habitações cedidas pela entidade patronal. Deslocava-se, no entanto, a casa com regularidade, onde permanecia aos fins de semana e nos períodos de inactividade.
25. Na sequência do diagnóstico da gravidez, a menor E… veio a ser acolhida no K…, Instituição Particular de Solidariedade com sede no Porto, em Setembro de 2008, juntamente com a menor F…, sua filha
26. De igual modo, os dois filhos mais novos do arguido foram institucionalizados, assim como a filha menor da companheira do cunhado do arguido.
27. O arguido continua a residir na habitação de sua sogra, com a seu cônjuge, cunhado e companheira desta.
28. Apresenta imagem desfavorável no meio residencial, sendo referenciado com uma pessoa com comportamentos éticos censuráveis e reduzidos hábitos de trabalho e o agregado familiar em que se integra como desestruturado e desorganizado.
29. No meio familiar, tanto a cônjuge do arguido e mãe da E…, como o cunhado do arguido e sua companheira negam a paternidade da F… por parte do arguido, refutando o resultado do exame efectuado.
30. Actualmente a menor E… encontra-se a residir, juntamente com a filha, com uma tia materna.

Factos não Provados:
Dos factos constantes da acusação, não se provou que:
- o arguido tivesse introduzido o seu pénis no ânus da E…;
- as relações sexuais havidas entre o arguido e a menor E… fossem habitualmente acompanhadas de beijos na boca, com introdução, por parte do arguido, da sua língua, na cavidade bocal da E…, bem como de carícias nos seios.

Motivação:
O tribunal baseou a sua convicção na valoração global e crítica da prova produzida. Concretamente:
Foram particularmente relevantes as declarações para memória futura prestadas pela menor E…, transcritas a fls. 277 e 278, no decurso das quais relatou os actos de cópula praticados pelo arguido, iniciados quando tinha cerca de 11 anos e que se prolongaram até á altura em que, fruto daquelas relações, lhe foi diagnosticada gravidez no hospital de Vila Nova de Gaia e foi acolhida no K…, declarações a cuja leitura se procedeu em audiência de julgamento, conjugadas tais declarações com a prova pericial e documental junta aos autos, a saber:
- perícia de
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