Acórdão nº 7441/19.8T8ALM.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 11-02-2021

Data de Julgamento11 Fevereiro 2021
Número Acordão7441/19.8T8ALM.L1-2
Ano2021
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa


I - Relatório
1. Carlos Manuel …intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum contra Carlos Ferreira, Orlando, Ernestino , Isabel , António, Sónia, Mário, Joaquim e Administração de Condomínios -, tendo formulado o pedido de anulação das deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária de condóminos ocorrida em 31.7.2019.
2. Alegou, em suma, que:
- É proprietário da fração autónoma designada pela letra «S», que corresponde ao 6.º-A, do prédio sito na Rua de Dentro n.º 26, Monte da Caparica;
- Realizou-se no dia 31.7.2019, pelas 21h, a Assembleia Geral Extraordinária de condóminos, antecedida da convocatória, com a seguinte ordem de trabalhos:
«1. Reapresentação das contas relativas ao período compreendido entre Março de 2018 e Fevereiro de 2019 e aprovadas na Assembleia de 20 de Março de 2019;
2. Ratificação da Eleição da Administração para o período compreendido entre Março de 2019 e Fevereiro de 2020, bem como dos elos de ligação para o mesmo período eleito na AGO de 20 de Março de 2019;
3.Ratificação da proposta de orçamento para o período contabilístico de Março 2019 a Fevereiro 2020, aprovada na Assembleia de 20 de Março de 2019;
4. Reapreciação da tomada de posição face à delb. da al. c do 5º ponto da OT da acta N.º 39 no que concerne ao ressarcimento do Cond. nos custos tidos com os proc. Judiciais intentados pelo Cond. do 6º A;
5. Ratificação das deliberações tomadas do 5º ponto da ordem de trabalhos, outros assuntos da Assembleia de 20 de Março de 2019.»;
- O Autor não compareceu e a ata da Assembleia Geral Extraordinária foi-lhe notificada em 19.8.2019, via postal;
- No entanto, a mencionada Assembleia Geral Extraordinária realizou-se para Reapresentação, Ratificação dos pontos de ordem de trabalhos, já discutidos na Assembleia Geral Ordinária de 20.3.2019, que o Autor tempestivamente também impugnou, dando origem ao processo n.º ….6T8ALM;
- Aquando da receção da missiva com o envio da ata da Assembleia Geral Extraordinária, o Autor voltou novamente, por carta registada com A/R, a mencionar as invalidades de que a mesma padecia, tendo ainda solicitado que a Administração procedesse a uma convocatória para uma nova assembleia geral extraordinária de forma a se poder proceder à revogação das deliberações tomadas, de acordo com o disposto no artigo 1433.º, n.º 2, do Código Civil;
- A convocatória para a assembleia de condóminos sofre de anulabilidade, porquanto a segunda chamada para a Assembleia Geral Extraordinária ocorreu passado mais de uma semana, tendo a hora marcada sido diversa da 1.ª convocatória, desrespeitando o disposto no artigo 1432.º, n.º 4, do Código Civil;
- A Administração convocou a 1.ª Assembleia Geral Extraordinária para um dia de semana, às 15.00 h, bem sabendo que a reunião devia ocorrer num horário pós-laboral, por ser um período de tempo em que os condóminos têm mais disponibilidade (tal como fez na segunda convocatória);
- A aprovação do orçamento pelo Administrador, redigida em ata enquanto Presidente, consubstancia claramente num conflito de interesses;
- No que concerne às deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária, as mesmas enfermam de invalidades, nos termos do disposto no artigo 1433.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, já aduzidas pelo Autor na ação que corre termos no processo n.º 3561/19.6TSALM uma vez que os pontos são exatamente os mesmos da Assembleia Geral Ordinária que ocorreu em 20.3.2019;
- Relativamente ao ponto n.º 1 (um) da ordem de trabalhos - reapresentação das contas relativas ao período compreendido entre março de 2018 e fevereiro de 2019 -, o mesmo foi discutido em assembleia que se reuniu em data muito posterior à primeira quinzena de janeiro e, por isso, em contravenção ao disposto no artigo 1431.º do Código Civil;
- Quanto ao ponto n.º 2 (dois) - ratificação da eleição da administração para o período compreendido entre março de 2019 e fevereiro de 2020, bem como dos elos de ligação para igual período - em nenhuma das convocatórias a administração procedeu ao envio da respetiva proposta para posterior aprovação em assembleia de condóminos e, bem assim, a figura dos chamados elos de ligação com a administração carece de qualquer base legal;
- No tocante ao ponto n.º 3 (três) - ratificação da proposta de orçamento para o período contabilístico de março de 2019 a fevereiro de 2020 - e ponto n.º 4 (quatro) - reapreciação da tomada de posição face à deliberação da alínea c), do 5.º ponto da ordem de trabalhos da ata n.º 39, no que concerne ao ressarcimento do condomínio nos custos tidos com os processos judiciais intentados pelo condómino do 6.º-A - as respetivas deliberações são ilegais e, por conseguinte, nulas, já que não respeitam o disposto no artigo 1424.º, n.º 1, do Código Civil;
- Finalmente, no que diz respeito ao ponto n.º 5 (cinco) - ratificação das deliberações tomadas no 5.º ponto da ordem de trabalhos e outros assuntos da assembleia de 20.03.2019 -, discorda o Autor da subscrição de um seguro multirriscos das partes comuns do prédio, a ser pago pela totalidade dos condóminos.
3. Regularmente citados para a ação, os Réus não apresentaram contestação nem constituíram mandatário.
4. O Autor foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 567.º, n.º 2, do CPC e não apresentou alegações.
5. No processo n.º 3651/19.6T8ALM, foi proferida sentença a julgar a ação totalmente improcedente por não provada, com a consequente absolvição do pedido dos Réus, a qual não transitou em julgado, tendo sido objeto de interposição de recurso de apelação.
6. No dia 1.10.2020, foi proferido saneador-sentença com o seguinte teor:
«Por todo o exposto, julgando verificada a exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir, absolvo os réus da instância.
Custas pelo autor
7. Não se conformando com o assim decidido, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«a) 1. A ata da assembleia extraordinária é impugnada porquanto são discutidos e aprovados os mesmos parâmetros da assembleia geral já impugnada no âmbito do processo …/19.6TBALM.
2. Em face da conclusão datada de 08/10/2020 no âmbito do processo …19.6T8ALM, foi dado sem efeito o despacho-saneador sentença que absolveu os Réus, aguardando-se agora os ulteriores termos.
3. O direito do Recorrente em impugnar a Ata datada de 31/07/2019, consubstancia claramente na sua tutela jurídica porque está em causa a defesa do seu direito em reagir corara ações tomada pela assembleia.
4. Isto porque, a sua anuência e não impugnação, imporia a aceitação das vicissitudes de que padeça a ata em questão.
5. A tutela jurisdicional efetiva é assim assegurada no âmbito do n.º 1 do artigo 1433.º do código civil, permitindo ao Recorrente impugnar.
6. Assim, e uma vez que a Ata em questão se sobrepõe a uma decisão jurisdicional que se aguarda existe urna clara necessidade na interposição da ação de impugnação.
7. Existindo um claro interesse em agir uma vez que a validade da assembleia em causa, consistiria numa clara lesão efetiva dos direitos que pretende fazer valer.»
Termina pedindo a revogação do despacho saneador.
8. Os Réus não apresentaram alegação de resposta.
9. No dia 4.12.2020, foi proferido despacho de admissão do recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma), a questão a apreciar, essencialmente processual, é a de saber se o Autor tem interesse em agir na presente ação, tendo presentes o pedido formulado e a causa de pedir.
*
III - Fundamentação
Fundamentação de facto
Os factos, as ocorrências e a dinâmica processual a considerar são os descritos no relatório que antecede.
Acrescenta-se, para melhor compreensão, os seguintes factos provados por documento (artigos 376.º do Código Civil e 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do CPC):
1. A ata da Assembleia Geral Extraordinária de 31 de julho de 2019 tem o seguinte teor:
«ATAS
Acta. Número Quarenta e dois
Ao trigésimo primeiro dia do mês de Julho de dois mil e dezanove reuniram-se, em Assembleia-geral Extraordinária, os condóminos do prédio, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua de Dentro nº 26 Monte da Caparica, estando presentes os condóminos proprietários das frações correspondentes a:1ºA, 2ºB 2ºA, 4ºA, 4ºB, 5ºA, 5ºB, 5ºC.
Verificada a regularidade da convocatória e um número de condóminos suficiente à tomada de deliberações, deu-se início à Assembleia, em segunda chamada pelas 21h00, na Hall do edifício, com um quórum subsidiário deliberativo de 339.80%o (trezentos e trinta e nove virgula oitenta por mil), a qual foi presidida por Claudia.., em representação da … empresa Administradora do condominio, para deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos:
1 - Reapresentação das contas relativas ao período compreendido entre Março de 2018 e Fevereiro de 2019 e aprovadas na Assembleia de 20 de Março de 2019.
2 - Ratificação da Eleição da Administração para o período compreendido entre Março de 2019 e Fevereiro de 2020, bem como dos elos de ligação para o mesmo período eleitos na Assembleia de 20 de Março de 2019.
3 - Ratificação da proposta de orçamento para o período contabilístico de Março 2019 a Fevereiro 2020, aprovada na Assembleia de 20 de Março de 2019.
4 - Reapreciação da tornada de posição face à delb. da al, e do 5º ponto da OT da acta Nº39 no que concerne ao ressarcimento do Cond. nos custos tidos com os proc. judiciais intentados pelo Cond. do 6ºA.
5 - Ratificação das deliberações tomadas do 5º
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