Acórdão nº 736/21.2T8PDL.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 12-10-2021

Data de Julgamento12 Outubro 2021
Número Acordão736/21.2T8PDL.L1-7
Ano2021
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I–RELATÓRIO

A, residente no número ... W______ D_____, cidade de B______, na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de Ilda...; B, residente na Rua E... S..., n.º ..., ....-... - P... D..., na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de João .....; C, residente na Rua E... S..., n.º ..., P... D...; e D, residente na Rua B..., n.º ..., R... G... intentam contra E, residente na A... C..., n.º ..., P... D... a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando os seguintes pedidos:
a)-A condenação do réu a reconhecer a denúncia do contrato de arrendamento junto aos autos, com a consequente cessação da produção de efeitos;
Subsidiariamente,
b)-A declaração de resolução dos contratos de arrendamento identificados no nº 6 e 7 da petição inicial;
c)-Em qualquer caso, a condenação do réu a entregar o prédio livre e desocupado.

Alegam para tanto, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 4077780):
– A autora A é filha de Ilda..., falecida em 23 de Janeiro de 2017, sendo cabeça-de-casal da herança indivisa aberta por óbito desta; a autora B foi mulher e é cabeça-de-casal na herança aberta por óbito do seu marido e filho pré-falecido da falecida Ilda, João..., de quem os autores C e D são filhos;
– A Ilda... era proprietária dos prédios rústicos descritos sob o n.º 2...8/.......8, freguesia de R... C..., S... R...; sob o n.º 2...5/.......3, da referida freguesia; sob o n.º 2...9/.......8 da mesma freguesia de R... C..., S... R... e sob o n.º 1...6/.......6, freguesia da F... C..., tendo celebrado com o réu, em 21 de Julho de 1988, um contrato de arrendamento tendo por objecto os três primeiros prédios rústicos referidos e um outro que teve por objecto o quarto prédio;
– Os arrendamentos tiveram o seu início em 1 de Novembro de 1981, sujeitos a renovações sucessivas de 3 anos caso não fossem denunciados por qualquer das partes, com antecedência mínima de um ano em relação ao termo do prazo inicial ou de qualquer das suas renovações;
– Em 2 de Novembro de 2018, por comunicação subscrita pelo procurador com poderes para o acto, em representação da autora A e dos restantes autores, estes denunciaram os contratos de arrendamento, sem que o réu se lhe tivesse oposto, pelo que cessaram os seus efeitos a partir de 31 de Outubro de 2019;
– O réu não entregou os prédios até à presente data e cedeu o seu uso e fruição a terceira pessoa.

O réu apresentou contestação em que suscitou a ilegitimidade dos autores com fundamento no facto de a acção dever ser proposta pela cabeça-de-casal da herança indivisa aberta por óbito dos pais das autoras e do réu que deverá ser, por ser a filha mais velha, a autora A, mas que teria de prestar compromisso de honra, o que não sucedeu, e mais alega (cf. Ref. Elect. 4125797):

  • Que desconhece se Manuel..., que subscreve a carta de denúncia, é ou não procurador da autora A;
  • A carta de denúncia não cumpre os prazos de renovação referidos no artigo 31.2 do DLR 29/2008/A de 24 de Julho;
  • A cópia da procuração junta aos autos é emitida pela referida A e pelo marido e nessa data aquela já era viúva, pelo que o mandato é nulo, para além de não ter sido emitido na qualidade de cabeça-de-casal da herança da mãe, que então era viva;
  • O réu não cedeu o uso e fruição dos prédios dos autos, pois que apenas lá vai um colaborador seu, para além do que não constitui sua obrigação contratual conservar muros ou construções existentes no locado.

Conclui, assim, pela improcedência da acção.

Em 7 de Junho de 2021 foi proferido despacho em que se considerou estarem os autos em condições de permitirem a prolação de decisão de mérito, convidando as partes a se pronunciarem (cf. Ref. Elect. 51547853).

Por requerimento de 21 de Junho de 2021, os autores vieram sustentar a sua legitimidade referindo que os documentos juntos comprovam a qualidade de cabeça-de-casal da autora A, não sendo necessária qualquer prestação de compromisso de honra; mais referem que a procuração foi remetida juntamente com a carta de denúncia, pelo que o réu dela tinha conhecimento e ambos os outorgantes estavam vivos à data sua assinatura, para além do que o réu não se opôs então à denúncia, concluindo como na petição inicial (cf. Ref. Elect. 4185085).

Em 8 de Julho de 2021 foi proferido despacho-saneador sentença que julgou a acção procedente nos seguintes termos (cf. Ref. Elect. 51727357):

“A. Declaro a cessação dos contratos de arrendamento rural, com efeitos desde 31 de outubro de 2019, celebrados com o Réu, que tem por objeto os seguintes prédios:

I.- Prédio rústico sito na C... G... – C... B... F..., freguesia de R... C..., S... R..., P... D... - com o artigo matricial n.º ...., secção D, descrito sob o n.º 2...8/.......8 da referida freguesia de R... C..., S... R...;

II.- Prédio rústico sito na C... do G..., freguesia de R... C..., S... R..., P... D..., com o artigo matricial n.º ..., secção D, descrito sob o n.º 2...5/.......3 da referida freguesia de R... C..., S... R...;

III.- Prédio rústico sito no P... L... - C... das G..., freguesia de R... C..., S... R..., P... D..., com o artigo matricial n.º ...., secção D, descrito sob o n.º 2...9/.......8 da referida freguesia de R... C... S... R...;

IV.- Prédio rústico sito no C... do C... – C... do A..., freguesia da F... de C..., P... D..., com o artigo matricial n.º ..., secção J, descrito sob o n.º 1...6/.......6 da referida freguesia da F... de C....

B.–Condeno o Réu a restituir os prédios aos Autores, livre de pessoas e bens.”

É desta sentença que o réu recorre, concluindo assim as respectivas alegações:

A.-Na presente ação de despejo de arrendamento rural, ocorrido na Região Autónoma dos Açores, a A. residente no C______, invocando a qualidade de cabeça de casal da herança de sua mãe, que ainda não está formalizada por compromisso de honra, enviou cartas de denúncia de contratos de arrendamento rural subscritos por sua falecida mãe e pelo recorrente também seu filho, através dum procurador.

B.-O recorrente não se opôs à denúncia porque a achou inválida.

C.-Na verdade, nem a recorrida A era já cabeça de casal da herança aberta pela morte da mãe de ambos, nem o procurador que subscreveu tais cartas tinha poderes para o ato, visto que só os tinha para gerir os bens da mandante e do seu falecido marido e não os de representar a mandante como cabeça de casal duma herança que só se abriria dezenas de anos após tal procuração ser outorgada.

D.-A douta decisão recorrida ao dar como provado que “Pelo Procurador com poderes para o ato, em representação da A. A, cabeça de casal da herança aberta por óbito de Ilda... e bem assim dos restantes Autores – Manuel..., os AA denunciaram os contratos de arrendamento, com efeitos a partir de 31/10/2019”, fê-lo contra a prova existente nos autos, ou seja a procuração em questão e a escritura de Habilitação de Herdeiros, junta com a PI e a cópia dos contratos de arrendamento.

E.-Consequentemente, a douta decisão recorrida, ao dar provimento à ação não fez a melhor aplicação do disposto no artigo 1097 do CPC, na sua alínea e), o artigo 31 do DLR 29/2008/A. e artigos 1161 e seguintes do Código Civil, pelo que deve ser mandada revogar ordenando-se a improcedência da acção.

Os autores/recorridos contra-alegaram pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

***

II– OBJECTO DO RECURSO

Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.

Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, n.º 3, do CPC), contudo o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cf. n.º 4 do mencionado art. 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

Assim, perante as conclusões da alegação dos réus/apelantes, o objecto do presente recurso consiste na apreciação das seguintes questões:

a)-Da inadmissibilidade da impugnação da matéria de facto;

b)-Da legitimidade/qualidade de cabeça-de-casal da autora A;

c)-Dos poderes do procurador Manuel C.D. ;

d)-Da denúncia dos contratos de arrendamento rural e seus efeitos.

Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.

***

III–FUNDAMENTAÇÃO

3.1.– FUNDAMENTOS DE FACTO

A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
1.-A Autora A é filha de Ilda... falecida em 23 de Janeiro de 2017, sendo também cabeça-de-casal da herança indivisa aberta por óbito da mesma.
2.-A Autora B foi mulher e é cabeça-de-casal na herança aberta por óbito do seu marido e filho pré-falecido da falecida Ilda... – João Carlos.... .
3.-Os Autores C e D são os filhos do falecido João Carlos.... e de B.
4.-A falecida Ilda... era, enquanto viva, proprietária dos seguintes prédios rústicos:

I.– Prédio rústico sito na C... do G... – C... do B... F..., freguesia de R... do C..., S... R..., P... D..., com o artigo matricial n.º ..., secção D, descrito sob o n.º 2...8/.......8 da referida...

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