ACÓRDÃO Nº 732/2021
Processo n.º 387/2020
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José António Teles Pereira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – A Causa
1. A., SGPS, S.A. (a ora recorrente) impugnou, junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), atos tributários de autoliquidação de IRC relativos aos exercícios de 2016 e 2017. Com a impugnação da autoliquidação, pretendia a impugnante, no essencial, afastar, por via da inconstitucionalidade, a regra da desconsideração, para efeitos de dedução em sede de IRC, do montante suportado nos exercícios a título de Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), regra essa prevista nos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q) do Código do IRC e 12.º do regime da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.
1.1. Por acórdão de 22/02/2020, o CAAD julgou improcedente o pedido de anulação.
1.2. A impugnante interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo por objeto a referida questão de inconstitucionalidade.
O recurso foi admitido no CAAD, com efeito suspensivo.
1.2.1. No Tribunal Constitucional, o relator determinou a notificação das partes para alegarem. A recorrente apresentou alegações, que culminaram nas seguintes conclusões:
“[…]
1.º A Recorrente colocou à apreciação do Tribunal Arbitral duas questões concernentes à conformidade constitucional dos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC e 12.º do regime que institui a CESE – que impõem a não dedutibilidade do gasto com a CESE no apuramento do lucro tributável daquele imposto – à luz princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real, da capacidade contributiva e da igualdade, previstos nos artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP;
2.º Julgou aquele Tribunal Arbitral, na decisão de que ora se recorre, que as aludidas disposições normativas não eram inconstitucionais por violação dos aludidos princípios fundamentais, tendo julgado como improcedente a pretensão da Recorrente;
3.º Por não concordar com tal entendimento, a Recorrente interpôs o presente recurso de inconstitucionalidade dos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC e 12.º do regime que institui a CESE, passando a expor os fundamentos que alicerçam o entendimento de que as normas quid do presente recurso afrontam os identificados princípios constitucionais, impondo a prolação de pronúncia jurisdicional distinta;
4.º A título preliminar – e visando evitar iterações e desnecessária prolixidade – principia a Recorrente por remeter para o quanto expôs a respeito da desconformidade constitucional da alínea q), do n.º 1, do artigo 23.º-A, do CIRC e do artigo 12.º do regime que institui a CESE, nos artigos 27.º a 145.º do pedido de pronúncia arbitral, requerendo que tais artigos sejam tidos por integralmente reproduzidos nesta sede, não se procedendo à sua transcrição integral pelo motivo supra.
5.º Porém, salvaguardando o pleno exercício do seu direito de apresentar alegações a Recorrente sumaria infra o conteúdo daqueles artigos;
6.º De acordo com os artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC e 12.º do regime que institui a CESE, os montantes suportados a título de CESE não são dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC;
7.º A referida exceção à regra geral de dedutibilidade dos gastos sub judice padece de inconstitucionalidade por violação dos princípios da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 104.º, n.º 2, e 13.º da CRP;
8.º A tributação pelo rendimento real traduz a idoneidade para suportar o tributo, sendo uma decorrência do princípio da capacidade contributiva, de acordo com o qual os contribuintes só podem ser tributados pela sua efetiva e real força económica;
9.º Tais princípios assentam na noção de que o quantitativo pecuniário para suportar os impostos apenas pode ser retirado de onde efetivamente exista, configurando um pressuposto constitucional necessário à licitude da obrigação tributária;
10.º Assim, a obrigação tributária assentará na força económica do sujeito passivo – manifestada pela perceção efetiva e real de determinado rendimento – configurando a capacidade contributiva o limite mínimo lógico exigível ao poder de conformação do legislador fiscal;
11.º Nessa medida, o reconhecimento de todas as componentes do rendimento – incluindo as negativas – para o apuramento do IRC devido afigura-se, em regra, essencial para a concretização dos princípios constitucionais do rendimento real e da capacidade contributiva;
12.º Pelo que, as normas que obstem à dedução de gastos efetiva e legitimamente suportados pelo sujeito passivo padecerão, à partida, de inconstitucionalidade material por violação daqueles princípios;
13.º Uma vez que a CESE configura um gasto legalmente imposto de que depende o regular exercício da atividade de produção de energia impõe-se constitucionalmente a sua relevação negativa no apuramento do lucro tributável;
14.º A contrario sensu, proibindo-se a dedução da CESE em sede de IRC, tributa-se um gasto que o sujeito passivo efetivamente suportou no exercício da sua atividade, sujeitando-se a imposto um rendimento deturpado e superior ao realmente auferido;
15.º Em face do exposto, conclui-se que ao impor-se a desconsideração do montante suportado a título de CESE, nos termos dos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC e 12.º do regime que institui a CESE, sujeita-se a tributação um rendimento empolado, à revelia dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva (cfr. artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP);
16.º A tal não obsta o facto de o 104.º, n.º 2, da CRP prever que a imposição fiscal deva fundamentalmente incidir sobre o rendimento real, não excluindo terminantemente a introdução de modulações excecionais que divirjam do mero apuramento declarativo-contabilístico do imposto;
17.º Isto porque tais modulações devem ser tendentes à tributação da real força económica do sujeito passivo ou à salvaguarda de outros valores constitucionalmente consagrados, sob pena de esvaziar aqueles princípios constitucionais de qualquer sentido útil;
18.º Nesse sentido encontra-se vedada a desconsideração absoluta da CESE como gasto sem que exista justificação adequada, razoável e proporcionada para tal (i.e., a eventual derrogação da dedutibilidade fiscal do gasto com a CESE, depende de uma razão justificadora significativa, não podendo ainda exceder o necessário, adequado e proporcional à salvaguarda dessa razão);
19.º Contrariamente ao que decorre da decisão arbitral recorrida, não se conjeturam motivos justificativos que validem a derrogação daqueles princípios constitucionais, encontrando-se o regime ínsito nos artigos 23.º-A, n.º 1, alínea q), do CIRC e 12.º do regime que institui a CESE, na interpretação que afasta a dedução em sede de IRC dos custos incorridos com a CESE, ferido de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da tributação segundo o lucro real e da capacidade contributiva vertidos nos artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP;
20.º Um dos motivos justificativos abstratamente admissíveis reporta-se à dificuldade na quantificação aritmética do imposto (consentido a proibição de dedução em IRC da própria coleta do IRC);
21.º Todavia, sendo a CESE um tributo autónomo e independente do IRC – que nem incide sobre o lucro – tal motivação técnico-prática não se afigura plausível a justificar a disposição legal sub judice;
22.º Outro dos motivos reporta-se à proibição de dedutibilidade de despesas que indiciem promiscuidade entre as despesas do foro pessoal e empresarial do sujeito passivo, porquanto não se tratam de verdadeiros gastos incorridas em benefício do interesse societário;
23.º Porém, sendo a CESE um tributo legalmente imposto que reverte para o Estado – em concreto, para o FSSSE – não existe qualquer benefício pessoal que o sócio ou funcionário relacionado com o sujeito passivo possa obter com o incurso neste gasto fiscal, não permitindo esta justificação afastar constitucionalmente a dedutibilidade deste tributo no apuramento do rendimento tributável em IRC;
24.º Um último motivo justificativo típico prende-se com o vetor moralista e sistémico da ordem jurídica, negando a dedução de gastos consequentes...