Acórdão nº 731/15.0JABRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 22-11-2017

Data de Julgamento22 Novembro 2017
Case OutcomeNEGADO PROVIMENTO DO RECURSO DO ARGUIDO, PROVIDO O RECURSO DO Mº Pº
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão731/15.0JABRG.G1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça



No âmbito do processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, n.º 731/15.0JABRG, da Comarca de Braga, foi submetido a julgamento o arguido AA, conhecido pela alcunha de “N....”, solteiro, reformado, nascido a ..-..-..., filho de BB e de CC, natural de V........... residente no Lugar ..........., n.º ..., em ..........., V........... preso preventivamente no Estabelecimento Prisional Regional de Braga, desde ..-..-.... até à leitura do acórdão condenatório.

O Ministério Público acusou o arguido, nos termos de fls. 216 a 224 do 2.º volume, imputando-lhe a prática de cinco crimes de incêndio florestal, previstos e punidos pelo artigo 274.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), do Código Penal.

Realizado o julgamento pelo Colectivo da Instância Central - 1.ª Secção Criminal de Braga, por acórdão datado de 30 de Março de 2016, constante de fls. 433 a 464 e depositado no mesmo dia, conforme declaração de fls. 466, “no uso da competência soberana conferida pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, decidiram os Juízes que compõem este Tribunal Colectivo:
· Absolver AA da acusação da prática de um crime de incêndio florestal, previsto e punido pelo artigo 274º, n.º 1 e n.º 2, al. a) do Código Penal.
· Condenar AA pela prática de 4 (quatro) crimes de incêndio florestal, previstos e punidos pelo artigo 274º, n.º 1 e n.º 2, al. a) do Código Penal na pena de 3 anos e 3 meses por cada um deles;
· Condenar AA, em cúmulo jurídico, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão efectiva”.

Após o dispositivo, no segmento “Estatuto Coactivo”, a fls. 460 a 464, o Colectivo, revendo a medida de coacção aplicada, determinou a extinção da medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido, revogando a mesma, ao abrigo do artigo 212.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, com a seguinte fundamentação, e com interesse, na parte final:

“No caso sub judice foi agora proferida decisão condenatória pelo que se impõe rever a medida de coacção aplicada.

Perante a situação em apreço apenas se vislumbra a ponderação da existência, ou não, dos perigos de continuação da actividade criminosa e bem assim da grave perturbação da ordem e tranquilidades públicas – cfr. art.º 204.º, al. c) do C. P. Penal.

Relativamente ao perigo de continuação da actividade criminosa, feito o julgamento e conjugando com os factos atinentes à personalidade do arguido e bem assim não olvidando a época do ano em que nos encontramos entende-se que, face à estabilização psicológica conseguida durante o período de reclusão, não mais se verifica o perigo de recidiva.

No que toca à perturbação da ordem e tranquilidade públicas resulta do julgamento que na comunidade onde o arguido se insere inexiste sentimento de antinomia ou mesmo de censura pelos actos praticados, bem como receio de repetição do sucedido.

Tudo isto conjugado com os sentimentos de arrependimento demonstrados pelo arguido, corroborados pela sua conduta, conclui-se não existirem factos que fundamentem os perigos legalmente exigidos para que se mantenha a decretada prisão preventiva.

Termos em que, face ao exposto, decide-se determinar a extinção da medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido, revogando-se a mesma – cfr. art.º 212.º, n.º 1, al. b) do C. P. Penal”.


****

Inconformado com a condenação, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando a motivação de fls. 479 a 489, e em original, de fls. 518 a 528, que remata com as seguintes conclusões (transcrição integral):
1. O recorrente discorda da pena que lhe foi aplicada, bem como discorda da concreta medida da pena aplicada.
2. O recorrente ter confessou de espontânea vontade, livre e conscientemente e de forma integral os factos, e tal facto deveria ter sido considerado em seu favor, o que, com o devido respeito pelo tribunal a quo, não foi feito.
3. De facto, a confissão revela, aos olhos do senso comum, e sobretudo aos olhos da justiça, arrependimento. Confessar a prática de um crime sempre deverá ser entendido como sinal de arrependimento, e manifestação sincera de não voltar a praticar a actividade criminosa.
4. O tribunal a quo uma correcta interpretação do arrependimento demonstrado pelo recorrente, que demonstra uma total intenção de não voltar a praticar a actividade criminosa, estando por isso salvaguardadas as exigências de prevenção geral e especial fixadas para as penas.
5. Embora o tribunal a quo tenha dado como provadas as atenuantes que abonam em favor do recorrente, nomeadamente, a confissão, o arrependimento, a sua personalidade, o seu comportamento posterior à prática dos crimes aplicou-lhe uma pena severa e pesada.
6. A fixação do quantum das penas parcelares e, consequentemente, da pena única aplicada ao Recorrente pelo tribunal a quo são manifestamente excessivas.
7. Pelo que, tendo em consideração os aspectos supra referidos, na determinação da pena outras opções deveriam ter sito ponderadas pelo tribunal a quo, nomeadamente a opção pelo internamento do recorrente em estabelecimento destinado a inimputáveis pelo tempo correspondente à duração da pena, nos termos do artigo 104.º do Código Penal, que se refere a situações em que embora o agente não seja declarado inimputável e for condenado em pena de prisão, se mostre, que por virtude de anomalia psíquica de que já sofria ao tempo crime, o regime dos estabelecimentos prisionais lhe será prejudicial, e aqui no caso concreto resultou que encontrando-se o recorrente em situação de abstinência alcoólica, o seu internamento em instituição apropriada sempre lhe seria benéfico, para que possa realizar tratamento de desintoxicação completo e prover à sua total reabilitação.
8. A pena aplicada ao recorrente foi excessiva e como prova da excessividade da pena em relação aos factos provados, temos a aplicação ao arguido de uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão a um arguido que confessou os factos (de notar que não fosse a confissão dos factos, nenhum outro elemento de prova permitiria condenar o arguido, pelo que esta confissão dos factos deveria ter sido ponderada, o que não foi), embora tenha como antecedente criminal a prática de um crime, este nada tem a ver com os crimes em julgamento, e o recorrente cumpriu na integra a pena em que foi condenado.
9. De facto, temos para nós que, o tribunal a quo ao aplicar a pena de 5 anos e 6 meses de prisão efectiva, não valorou devidamente a matéria de facto que considerou provada em relação ao recorrente, no tocante às seguintes circunstâncias que militam a seu favor:

- O recorrente por sua livre e espontânea vontade apresentou-se no posto da GNR para confessar integralmente os crimes que cometeu;

- O recorrente é humilde, educado, respeitador, honesto, sério, calado, não lhe sendo conhecidos quaisquer comportamentos agressivos ou menos correctos na comunidade onde habita;

- O recorrente colaborou de forma livre e sincera durante a investigação contribuindo para a descoberta da verdade material;

- O recorrente tomando consciência dos efeitos nefastos do álcool na sua personalidade tem-se mantido em abstinência alcoólica, encontrando-se disponível para se sujeitar a tratamento de desintoxicação alcoólica;

- A família do recorrente encontra-se estruturada e disponível para um acompanhamento de proximidade relativamente ao recorrente, bem como, toda a comunidade em geral, tal como demonstrado pelas testemunhas apresentadas em sede de julgamento pelo recorrente.

10. Tudo considerado, afigura-se excessivo o quantum da pena aplicada, sendo adequado/proporcional às exigências de prevenção geral e especial do caso aplicar ao recorrente penas parcelares pelo limite mínimo previsto na lei, e uma pena única não superior a 5 anos.

11. A pena referida na conclusão anterior deverá ser suspensa na execução, nos termos do disposto no art.º 50º do CP, ainda que sujeita a regras de conduta e com regime de prova, uma vez que existe uma situação de prognose favorável que não se opõe mas antes a aconselha.

12. Note-se que mesmo após a condenação, encontrando-se em liberdade, o recorrente encontra-se inserido na sociedade, acarinhado por todos, com forte suporte familiar, cumprindo tratamentos médicos, com comportamentos adequados ao homem médio, sem consumo de bebidas alcoólicas, desempenhando pequenas tarefas agrícolas para apoio aos seus familiares e vizinhos. Pelo que, consideramos que, o cumprimento de uma pena de prisão efectiva provocará uma ruptura total entre o recorrente e a sociedade, bom como com o seu seio familiar, que tornará completamente inviável a recuperação/reabilitação do recorrente.

13. Ao fixar uma pena tão severa o Tribunal a quo violou os artigos 71.°, n.º 1 e n.º 2, e 77.º, n.º 1, do CP.

Termina, pedindo que o recurso seja julgado procedente e, em consequência:

“Ser revogada o mui douto acórdão do tribunal a quo, alterando-se a medida das penas parcelares aplicadas para os limites mínimos previstos para cada um dos tipos legais de crimes e aplicando-se uma pena única não superior a 5 anos, a qual deverá ser suspensa na execução, nos termos do disposto no art.º 50º do CP, ainda que sujeita a regras de conduta e com regime de prova.

Assim, não se entendendo, sempre deverá ser alterado o douto acórdão no sentido do internamento do recorrente nos termos do artigo 104.º do Código Penal”.

***

O Ministério Público junto da Instância Central de Braga interpôs recurso directo, e bem, de forma própria/acertada/congruente, e o que é mais, legal, conforme a lei vigente, para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 491 a 500, que remata com as seguintes conclusões (transcrição integral):

1AA pela prática de 4 (quatro) crimes de incêndio florestal, previstos e punidos pelo artigo 274º, n.º 1 e n.º 2, al. a) do Código Penal na pena de 3 anos e 3 meses por cada um deles e em cúmulo jurídico, na pena de 5 anos...

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