ACÓRDÃO N.º 730/2020
Processo n.º 1199/20193.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é recorrente A. e recorrido o B., S.A., foi pelo primeiro interposto recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), de acórdão proferido por aquele Supremo Tribunal, em 5 de fevereiro de 2019.
2. Na Decisão Sumária n.º 478/2020 (cfr. fls. 140-147), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. II – Fundamentação, 4. e ss.):
«II – Fundamentação
4. Conforme resulta do n.º 3, do artigo 76.º da LTC, a decisão de admissão de recurso pelo tribunal a quo não vincula o Tribunal Constitucional, pelo que se impõe, antes de mais, verificar se estão reunidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1, do artigo 70.º da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
5. O artigo 75.º-A da LTC define, nos seus n.os 1 a 4, os requisitos formais do requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, devendo ser observado o prazo de interposição estabelecido no artigo 75.º do mesmo diploma.
À luz destes preceitos, o recorrente deve indicar obrigatoriamente a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto, assim como a norma ou interpretação normativa que constitui o objeto de recurso e cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade pretende fazer sindicar pelo Tribunal Constitucional (n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC). Além disso, deve o recorrente identificar a decisão recorrida e indicar os elementos necessários à apreciação do específico tipo de recurso em causa (designadamente, os exigidos nos n.os 2 e 3, do artigo 75.º-A). Caso o requerimento de interposição do recurso não indique algum dos elementos formais previstos no artigo 75.º-A da LTC, é dada ao recorrente uma oportunidade para suprir tais deficiências através do convite ao aperfeiçoamento previsto nos n.os 5 e 6 do mesmo artigo.
No presente caso, é de assinalar que o recorrente não identifica, claramente, qual a decisão, ou conjunto de decisões, de que pretende recorrer. Começa por se referir ao «Acórdão que antecede», proferido em 5 de novembro de 2019, depois refere ter suscitado «a 18 de fevereiro de 2019 (…) com a sua arguição de nulidade do acórdão de 05 de fevereiro de 2019, a interpretação inconstitucional efetuada pelo Tribunal Recorrido do artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa». Seguidamente afirma que o tribunal recorrido «com o seu Despacho de 19 de março de 2019 decidiu não se verificar a aludida e invocada violação do preceito Constitucional» e adiante cita o «Acórdão Recorrido», sem precisar a que aresto se refere, na parte em que se pronunciou sobre o conhecimento do pedido de reenvio prejudicial requerido pela ora recorrente (cf. supra os n.os 2.º, 3.º e 15.º do requerimento de interposição de recurso, transcrito em I, 2).
Depois de analisados os autos, verificou-se, no entanto, não ser necessário promover o aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, já que é possível depreender que a questão – embora se encontre enunciada em termos manifestamente deficientes – se reporta à não admissão do recurso de revista, interposto pelo recorrente de acórdão do Tribunal da Relação, ao abrigo dos artigos 671.º e 672.º do Código de Processo Civil.
Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de maio de 2019 (cf. fls. 13-15), foi proferido, em 5 de fevereiro de 2019, acórdão de conferência que reiterou a decisão de não admitir o recurso de revista «confirmando o despacho da relatora e conhecendo de invocadas nulidades» (cf. fl. 13). Subsequentemente foram apresentados diversos requerimentos pelo ora recorrente, tendo o tribunal a quo, neste acórdão de 14 de maio de 2019, decidido que esses «representam incidentes manifestamente infundados, pelo que cumpre declarar, para todos os efeitos, que o acórdão deste STJ de 5 de fevereiro de 2019 transitou em julgado, devendo aplicar-se o disposto no art.º 670.º - o incidente será processado em separado e sendo devida a imediata extracção de traslado, prosseguindo os autos os seus termos no tribunal recorrido (n.º 4 do art.º 670.º).»
A tramitação subsequente versou sobre estes incidentes, culminando com a condenação do recorrente por litigância de má-fé (cf. o acórdão de 19 de setembro de 2019, de fls. 67-78). Desta decisão, procurou o recorrente interpor recurso de revista, versando sobre este requerimento a última decisão do Supremo Tribunal de Justiça que consta dos autos (cf. o acórdão de 5 de novembro de 2019, de fls. 110-120).
Em face do exposto, é manifestamente extemporânea a pretensão do ora recorrente a ver apreciada a decisão do tribunal a quo que, ao abrigo dos artigos 671.º e 672.º do Código de Processo Civil, rejeitou a admissão do recurso de revista, assim obstando a que fosse apreciada a «questão prejudicial» que ao recorrente alega ter sido «validamente formulada perante o Tribunal Superior de uma jurisdição interna», para os efeitos previstos no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
É certo que, na hipótese prevista no n.º 2 do artigo 75.º da LTC, o prazo para interposição de recurso para o Tribunal Constitucional «conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso.» A este respeito, tal como recentemente se reafirmou no Acórdão n.º 51/2019, «o Tribunal sempre entendeu que o conceito de recurso ordinário tem, no n.º 2 do artigo 70.º da LTC, uma “amplíssima significação” (cf. Acórdão n.º 2/87), abrangendo todos os meios impugnatórios facultados pela lei processual aplicável ao processo-base, desde que efetivamente previstos ou admitidos na respetiva lei do processo e suscetíveis, por isso, de obstar ao trânsito em julgado da decisão recorrida. Já se o meio impugnatório acionado pelo recorrente for manifestamente estranho ao conjunto das disposições processuais que regem o processo-base — e configurar por isso um incidente anómalo ou atípico —, a respetiva utilização será insuscetível de prolatar a formação do trânsito daquela decisão e, como tal, de interferir na verificação do termo inicial do prazo legalmente estabelecido para a interposição do recurso de constitucionalidade (neste sentido, vide Acórdão n.º 641/97).»
No caso dos autos, é manifesto que a decisão de não admitir o recurso de revista interposto da decisão do Tribunal da Relação se tornou definitiva muito antes de ter sido requerida a interposição do presente recurso e que o recorrente teve desse facto inequívoco conhecimento – devendo ser considerados anómalos ou atípicos todos os incidentes subsequentemente suscitados.
6. Acresce que, segundo jurisprudência pacífica deste Tribunal, a admissão do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos...